Allfabetização

Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (1974)

Escrevivendo e Photoandando

No verão de 1996 resolvi não ir de férias. Não tinha companhia nem dinheiro e não me apetecia ir para o Mindelo. "Fechado" em Setúbal, resolvi escrever um livro de viagens a partir dos meus postais ilustrados que reavera, escritos sobretudo para casa em Luanda ou para a mãe do Rui e da Susana. Finda esta tarefa, o tempo ainda disponível levou me a ler as cartas que reavera [à família] ou estavam em computador e rascunhos ou "abandonos" de outras para recolher mais material, quer para o livro de viagens, quer para outros, com diferente temática.

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Depois, qual trabalho de Sísifo ou pena de Prometeu, a tarefa foi-se desenvolvendo, pois havia terras onde estivera e que não figuravam na minha produção epistolar. Vai daí, passei a pente fino as minhas fotografias e vários recorte, folhetos e livros de "viagens", para relembrar e assim escrever novas notas. Deste modo o meu "livro" foi crescendo, página sobre página. Pelas minhas fotografias descobri terras onde estivera e juraria a pés juntos que não, mas doutras apenas o nome figura na minha memória; o nome e nada mais. Disso dou por vezes conta nas linhas seguintes.

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Mas não tendo sido os deuses do Olimpo a impor me este trabalho, é chegada a hora de lhe por termo. Doutras viagens darão conta edições refundidas ou novos livros, se para tal houver tempo e paciência.

VN

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Victor Nogueira ~ DAS KAPITAL E O MANIFESTO COMUNISTA -



O quarto Estado - Volpedo


* Victor Nogueira

DAS KAPITAL E O MANIFESTO COMUNISTA


Era um homem
Era um livro
----bembelo
Era o livro com paredes de vidro
Era o Partido
Quando falavam ou agiam
--------não eram eles
--------era o Partido
--------contido!

Foram Marx e Engels
-------Estaline após Lenine
Era o tempo da revolta
-------do fascismo e da guerra
Era o tempo da Revolução
----o tempo escasso
-------------de Abril em Maio
----o tempo da alegria e do sonho
-------------do mundo novo a construir.
A esperança era um canto na cidade aberta e
o futuro começava ali numa criança a sorrir
---------ao virar da esquina
---------ao alcance da nossa mão
O riso enchia a praça e tão leve o ar! ...

Era o tempo dos slogans
-------------da liberdade da fraternidade da justiça e
-------------da paz
Havia é certo
-------Maio de 68 e o conflito sino-soviético
-------o Chile e o Vietname
-------e o despertar das colónias sob novas cadeias
E também havia
-------a Universidade em 69
-------a Hungria e a Checoslováquia
-------a Polónia e o Afeganistão
E vieram alguns outros
-------Khruchev e Brejnev
-------e também Gorbatchev
Havia é certo, lá longe ...
--------------as cortinas
--------------de ferro ou de bambú
Havia barreiras e fronteiras
------no tempo da escuridão
------da luta pela unidade na Revolução
Havia paredes
-------de vidro transparente ou translúcido
-------frágil como o cristal ou
-------forte se aramado ou martelado
-------espelho na reflexão

Era um homem
Era um livro
E eles não sabiam
que era o tempo da Revolução.
E os homens ficaram
E os homens partiram
E eles não souberam
------estender a sua mão
------esquecidos da Revolução
------na noite da reacção
E fecharam-se as portas
E cerraram-se as janelas
e eles dividiram-se na maré da inflexão
-------e não souberam camaradas
-------------dar a sua mão
-------esquecendo que a revolução
-------começa com o nosso irmão
E levantaram paredões e lançaram ao chão
-------o camarada e amigo que tinha outra razão
-------porque tinham em si o que pretendiam
---------------construir ou destruir
E falavam em coisas belas
--falavam da liberdade da fraternidade
-----------da justiça e da paz
-----------para outra criação
Eram homens e mulheres
------alguns assassinados
que não queriam a morte
nem a espoliação ou humilhação
E passavam
--passavam sempre
--azafamados ou com lentidão
--simples ou cheios de razão
--com as virtudes e defeitos
--do lugar e tempo em que estão
Uns e Umas com delicadeza, como é óbvio
--e outros com distracção ou brutidão
--a franqueza do clarão na escuridão
--esclarecido ou não

Era um homem
----uma mulher
Era um livro
----partido
----porque não souberam vencer a solidão e
-------------------------- construir outra fabricação
Eram só homens
Eram só mulheres
Era só um livro
bimbelo
se não houvesse
-------em gestação
-------outra reflexão!
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Até amanhã....... camarada...... ou não
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Setúbal. 1989.03.21

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