de Victor Nogueira (Notas) - Sexta-feira, 31 de Maio de 2013 às 17:23
Pinhal Novo
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Resolvi sair aqui para apanhar o comboio para Setúbal. (....) Aguardo que me tragam o galão claro e a sandes de fiambre. Entretanto, nem de propósito, as mesas estavam cada uma com seu papelinho. ([1]) (...) Pelo vidro da montra do café avista‑se o edifício da estação dos caminhos de ferro: conto 4 chaminés, enquanto se cruzam um miúdo de bicicleta e um tractor com atrelado. Um vasto rossio de terra batida estende‑se lá fora, rodeado de casas caracteristicamente incaracterísticas. Lá ao fundo, uma mata enfezada e amarelecida. Alguns carros parados e pessoas sentadas pelos bancos. O café do leite sabe mal. No largo uma igreja por caiar, um coreto e um parque infantil, tudo com um ar desgracioso.
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Aqui no café as pessoas jogam à "batota", ali num canto, enquanto outras duas estão lendo os jornais. Um outro personagem, atarracado, de boné e óculos, vai vasculhando a carteira e lendo os papéis que dela retira. Por trás de mim ouço vozes e algaraviada, bem como os tacos batendo nas bolas de bilhar. O casaco incomoda‑me, pois tolhe‑me os movimentos. Sinto‑me encalorado. (...) São quase 17 horas e daqui a 10 minutos é o comboio. Farto-me de percorrer um Portugal desconhecido. (MCG - 1974.11.28)
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O Pinhal Novo é uma pequena povoação plana, crescendo à sombra do cruzamento de vias férreas com destinos variados. Desenvolveu‑se ultimamente com muito prédios de vários andares. A rua principal, estrada nacional, arborizada e com largo passeio estilo alameda, concentra o comércio e os cafés, locais de convívio. Defronte à estação ferroviária, com painéis de azulejos representando cenas e monumentos da região, ficam um jardim arborizado e um amplo "rossio", onde no 2º domingo de cada mês se realiza o mercado mensal, muito concorrido e variado. No jardim um avião no parque infantil é a alegria da petizada. De referir a igreja, edifício branco destacando‑se na verdura do jardim, em cujo interior existem modernos painéis de azulejos narrando a anunciação e nascimento de Cristo, intercalados com painéis coloridos com legendas explicativas.(Memórias de Viagem, 1997)
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Montijo
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O Montijo, inicialmente centro piscatório, foi outrora conhecido como Aldeia Galega (do Ribatejo), terra ribeirinha (faluas, botes, catraios), de passagem da malaposta, de Lisboa para o Alentejo até à inauguração da linha férrea (com início no Barreiro). Cidade pobre, feia. Pátios (como as Ilhas, no Porto). Jardim frondoso, na parte nova, com Tribunal. Na parte antiga a Igreja matriz do Espírito Santo, templo maneirista dos séculos XV/XVI, e a da Misericórdia Jardim com elegante coreto, na Praça da República. Edifício da Câmara pobre. Museu do Montijo (com parte dedicada ao compositor Jorge Peixinho) e Museu ligado ao Mar. Portas de adufas, como em Alcochete. Possui uma desgraciosa praça de touros. (Memórias de Viagem, 1997)
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Da toponímia antiga registo as travessas dos Cais, do Escrivão, da Belavista, dos Quintais, da Fábrica e da Cerca, para além das ruas das Taipas, do Hospital, da Misericórdia, Central e da Aldeia Velha, o beco dos Pescadores, o largo da Palma e a praça do Padeiro. Uma nota curiosa: para além da toponímia ligada à I República, deparo com a rua ... Bulhão Pato!
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Outrora, devido à suinicultura e às fábricas de enchidos, a então vila tinha o ar empestado dum perfume característico e repulsivo para os forasteiros. Outra acvtividade importante foi a transformação da cortiça. Existiam város moinhos de maré, de que se destaca o do Cais.
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Tal como sucedeu em Loures e na Moita, a República foi aqui proclamada a 4 de Outubro de 1910, na véspera do seu triunfo em Lisboa. Em Junho realizam-se as festas de S. Pedro, anteriormente dedicadas ao Espírito Santo, com missa solene, procissão e a benção do rio e dos barcos, (Notas de Viagem, 1998.02.16)
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Alcochete
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Pequena vila ribeirinha de origem árabe com dimensão humana na parte antiga, tem sofrido um enorme crescimento devido à construção da Potne Vasco da Gama (1998), que atravessa o Rio Tejo. Longo passeio ajardinado com palmeiras ao longo do rio, com vista para Lisboa. A Igreja da Misericórdia, do séc. XVI, (Museu de Arte Sacra) parecia‑me o edifício duma qualquer Alfândega: um cubo justaposto a um paralelipípedo, sem sino ou torre sineira. O retábulo tem seis painéis, representando cenas da vida de Cristo. No largo principal, defronte ao edifício dos Paços do Concelho, a estátua característica do Pe. Cruz, em pose humilde e retorcida. Defronte, a Igreja matriz, góticca. sobre as ruínas duma mesquita, ([2]) algo desgraciosa e desequilibrada, com torre sineira à direita da fachada principal e rosácea sobre a porta principal. Existem casas arruinadas de algum porte e muitas modestas, em ruas que abrem para o rio, com janelas de adufas, de dois batentes, de origem árabe. Junto ao rio no passeio público duas filas de palmeiras, perto da Ermida de N. Sra. da Boa Vida. Terra que foi de salineiros. Com tradições tauromáquicas, até possui um museu desta faenas; durante as festas da vila - as Festas do Barrete Verde e das Salinas - as ruas são vedadas com tapumes e cobertas de areia, por causa da largada de touros, perante os quais fogem os mais afoitos. Alcochete, foi terra natal doutro ilustre personagem, D. Manuel I.
Para além do Núcleo de Arte Sacra, o Museu tem um Núcleo do Sal, numa salina em laboração. Na Sede o espaço é dedicado à história, arqueologia e etnogafia, sobretudo locais.
Terra conhecida pela sua gastronomia à base de peixe e mariscos, nela se realizamo também em Agosto as Festas em Honra de S. João Baptista, padroeoro da povoação
Da toponímia registo as ruas do Norte, do Mercado, do Troino, do Grilo, da Cadeia Velha, do Paço, do Passadiço, da Quebrada, do Talho, do Troino, do Forno, do Chão do Conde, os largos da Feira, da Misericórdia e da Cova de Moura.
No concelho de Alcochete se encontra também parte da Reserva Natural do Estuário do Rio Tejo. (Notas de Viagem, 1997)
Samouco - pequena e simpática povoação perto de Alcochete, de casas térreas ou de dois pisos, algumas com certa importância, com vários largos arborizados, um deles com uma igreja (de S.Brás) e outro ( Praça José Coelho) com um coreto, poço e a sociedade filarmónica. No poço com manivela para extrair água uma inscrição: Até 1957 - Aqui, se vinha buscar água | Aqui, se conversava | Aqui, se namorava... | E em Julho 1992 | Para memória do Povo | A Junta de Freguesia | fez a sua reposição.
A povoação parece alentejana e nela existem portões trabalhados, como se fossem de quintas, se é que o não foram, e as casas estão enfeitadas com desenhos em estuque.
Da toponímia destaco as praças da República, da Liberdade e do Movimento das Forças Armadas, os largos 25 de Abril, de S.Brás e do Caldas, as travessas da Praia, do Norte, do Caldas e do Mercado, as ruas 1º de Dezembro, do Diário de Notícias (tal como nas Caldas da Rainha), do Mercado e do Século, o beco das Flores...
Caminhando pelo Largo 25 de Abril, o silêncio da noite é quebrado pelo falatório duma velha de negro a uma esquina, a mão na orelha, a cabeça inclinada ... Insólito, no largo deserto, a mulher de negro não estava louca, não, mas falava apenas ... pelo telemóvel ! Modernices.
Nos muitos cafés, à noite, a freguesia era esmagadoramente masculina, talvez também operários da ponte Vasco da Gama, em construção. (Notas de Viagem, 1998.01.09)
S. Francisco - Do convento do séc XV que havia nesta povoação, à entrada de Alcochete para quem vem do Montijo, restam três arcos brancos do portal do século XVI, azulejados no cimo, com uma cruz, que tiros de espingarda de chumbo degradam crescentemente. (Notas de Viagem, 1997)
Atalaia
Santuário de N.Sra da Atalaia (cuja traça actual é do século. XVIII), ao cimo da escadaria arborizada com algo de monumental; no templo um museu de arte sacra, com azulejaria e uma rica colecção de ex-votos, estes descrevendo com ingenuidade graças divinas ou milagrosas. No início da escadaria existe um fontenário encimado por uma figura; no terreiro, cá em baixo, um alvo cruzeiro renascentista, protegido por um coberto assente sobre quatro colunas, mandado construir pela Confraria de Lisboa (com representação escultórica de Nossa Senhora da Piedade, numa das faces, e Cristo na Cruz, na outra); da igreja avista-se a paisagem em redor, até um horizonte relativamente longínquo. No interior da igreja, que simpaticamente abrem para nos possibilitar a visita, existem azulejos narrando a vida da Virgem Maria e algumas imagens pobres, para além dum altar‑mor de talha dourada. Em Agosto, anualmente, celebra-se uma romaria com círios, que provêm também da Moita e do Montijo. Perto da Igreja existe uma fonte, onde teria aparecido a imagem da Senhora da Atalaia
A povoação é de casas térreas, algumas com barras azuis, com alguns largos simpáticos. Da toponímia da Atalaia destaco a rua e a travessa dos Círios, as Escadinhas do Adro da Igreja, as ruas 28 de Setembro e dos Operários, as praças dos Operários e da Liberdade.
Nas traseiras da igreja existe a Fonte da Senhora ou Fonte Santa, onde segundo a tradição teria aparecido a imagem da Sra. da Atalaia. (Notas de Viagem, 1998.01.09)
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[1] - Trata‑se de convocatórias policopiadas para uma sessão de esclarecimento e dinamização cultural da 5ª Divisão do MFA, em 29 e 30 Novembro 1974, que utilizo para escrever no verso.
[2] - Das mesquitas e sinagogas praticamente nada resta em Portugal. Sobre elas, os Cristãos ergueram os seus templos, como anteriormente os haviam construíudo sobre templos romanos e visigóticos!