domingo, 31 de outubro de 2021

Esperança Luís (1902 / 1984)

 * Victor Nogueira


Escrevo no antigo laboratório da Farmácia [Sanitas, no Largo Luís de Camões], no tempo em que as mezinhas eram manipuladas aqui nas traseiras. São cerca de 17:00 e os empregados tomam chazinho com bolos. (...) Ah! o chazinho é porque a minha tia Esperança faz... 71 anos. (MCG - 1973.10.31)

O Guerreiro chegou ontem e temos percorrido Lisboa em busca dum emprego que não aparece, apesar do coração de Portugal estar doente e ser uma chatice se deixar de trabalhar (Pelo menos é o que diz o anúncio da RTP). Assim, temos deixado impressos devidamente preenchidos... aguardando. As minhas tias, especialmente Esperança, andam inquietas, pois dizem que eu sou bolchevista (ai, credo!) e assustam-se quando digo que vou começar a assaltar bancos. (...) (MCG - 1974.10.22)

Daqui a pouco vou almoçar depois de fazer uma visitinha à tia Esperança. (…) Está calor e estou cansado de andar com o saco. De manhã estive na Livrelco onde comprei uns livros. Logo, enquanto faço horas para o comboio, tenciono ir ao cinema ver “O Cerco”, de Cunha Teles. Amanhã começam as aulas. Saí de Évora há apenas dois dias e já parece uma eternidade (NDF 1970.10.26)

Mestre "Cuca" I - Estou com um grave problema, pois já me esqueci das recomendações das minhas tias (eu bem lhes disse para deixarem-mas escritas): será que as batatas se põem ao lume durante 15 minutos? E quanto ao feijão verde? Deita-se no tacho quando a água ferver. E depois? Continua? Apaga-se o lume? Bem, o que for se verá! (MCG - 1972.08.23)

Mestre "Cuca" II - Contrariamente aos outros anos, parece-me que desta vez a casa [de Paço d'Arcos] anda mais desarrumada. Ainda nem sequer lavei a louça do almoço, ali empilhada na pia. Hoje os meus parcos dotes culinários sofreram um rude golpe, ao tentar grelhar lulas. Ah!Ah!Ah! Uma "pessegada"! Espero que o esturricado saia e não dê cabo da frigideira (daquelas que estrelam ovos sem gordura!) Se não, lá vou entrar em despesas. (MCG - 1974.09.12)

P'ráqui estou num café no Cais do Sodré. Os autocarros e os eléctricos passam lá fora na rua. O ambiente está ruidoso e o tempo ameaça chuva. A sandes e o galão estavam uma merda. (São 18:30 de sábado) (...) Parece que vai chover. Esperemos que consiga chegar a casa antes do aguaceiro, pois não trouxe guarda chuva. (...) E por aqui me fico hoje. Tenho de ir apanhar o comboio [para Paço de Arcos]. Não avisei que ia jantar e vai haver sermão, pois não contam comigo. [No Verão as minhas tias iam de férias e a casa ficava por minha conta] (MCG - 1974.10.19)

Estas temporadas de ópera a preços populares eram organizadas pela FNAT (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho), que após 1974 deu origem ao INATEL (Instituto Nacional para os Tempos Livres dos trabalhadores). Os bilhetes eram-me arranjados pela minha tia Esperança. (1998.Maio).

«(...) Minha tia Esperança. farmacêutica no Chiado
das primeiras mulheres na Universidade
minha amiga que não mais verei
partida em Janeiro de 84. (...) Do meu poema "Elegia pela minha família dispersa" 1985.11.13