sábado, 14 de julho de 2007


CONTO DO CANTO (DES)ENCONTRADO
OU NUNCA DIGAS NUNCA PORQUE O SEMPRE NÃO EXISTE


* Victor Nogueira


Vimos como o pregoeiro pôs o pé na estrada, em busca de outras campos e marés. E deste modo o pregoeiro que não era senão o viageiro prosseguiu transfigurado em contador de histórias, umas vezes em busca do horizonte vermelho, outras em demanda de novos portos onde se ouvisse o silêncio da alegria e da paz. Ao longo dos caminhos o contador de histórias encontrava novos povoados e novas gentes e por elas ia passando com maior ou menor demora, conforme o interesse ou a distracção que deste modo surgiam.


E assim na roda na vida e na rede de enleios tecida de gestos e palavras se iam desenrolando as historias que fazem a História. E numa curva dos caminhos o viageiro parou desperto pela Maria dos Mil-Sóis Rendilhados: o cantador de histórias, malabarista do verbo em redor das chamas, não encontrou o modo certo e as palavras enrodilharam-se em longos silêncios, para os quais não encontrava saída.


Deste modo as encostas do mar sem fim se transformaram em muralhas e barreiras e de Jericó não se encontravam as trombetas.0 andarilho pensou que para além do silêncio estava a delicadeza, que para além da seriedade se encontrava a alegria, que para além da sisudez havia o espelhar do sorriso e do encanto. E o viageiro, que percorrera tantas terras e cruzara tantas gentes, sentiu o frio do seu desajeitamento; a máscara colou-se-lhe à pele e as armaduras envolveram-no com o seu peso


Perante isto o narrador de histórias viu-se com uma das mãos cheia de nada e outra de coisa nenhuma, pelo que mais não lhe restava senão prosseguir a sua caminhada pois ainda não chegara o tempo de sentir a mágoa do sol arrancado antes de florir e tudo não passavam de ilusões por entre os farrapos dos enganos.


E assim o viageiro prosseguiu deixando as bermas dos caminhos e as serenidades do entardecer e ar palavras vazias de sentido. Mas de repente voltou sobre os seus passos e, fitando a Maria dos Mil Sóis Rendilhados, perguntou-lhe: “Queres dar-me a tua amizade? Queres ensinar-me a ser teu amigo?"


E deste modo o silêncio invadiu a terra e não foi senão depois que se soube se dele nasceram a noite ou surgiu o dia.

1989.02.15 (2)
SETÚBAL
Foto - Ansel Adams - Fiat Lux

1 comentário:

  1. Lindo Amigo.

    o Discorrer da tua pena é veloz mas com sentido, com muito sentido.
    Gostei de te ver por entre palavras escritas.

    Beijo

    ResponderEliminar

Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)