* Pablo Neruda (1904-1973)
Lenta infância de onde como de um pasto comprido
Cresce o duro pistilo, a madeira do homem.
Quem fui? O que fui? O que fomos?
Não há resposta. Passamos.
Não fomos, Éramos. Outros pés, outras mãos, outros olhos.
Tudo foi mudando folha por folha na árvore.
E em ti? Mudou a tua pele, o teu cabelo, a tua memória.
Aquele não foste.
Aquele foi um menino que passou
Correndo atrás de um rio, de uma bicicleta,
E com o movimento foi-se a Tua vida com aquele minuto.
A falsa identidade seguiu os teus passos.
Dia a dia as horas se amarraram,
Mas tu já não foste, veio o outro,
O outro tu, e o outro até que foste,
Até que te arrancaste do próprio passageiro,
Do trem, dos vagões da vida, da substituição, do caminhante.
A máscara do menino foi mudando,
Emagreceu a sua condição enfermiça,
Aquietou-se o seu volúvel poderio:
O esqueleto se manteve firme,
A construção do osso se manteve,
O sorriso, o passo, o gesto voador,
O eco daquele menino nu que saiu de um relâmpago,
Mas foi o crescimento como um traje!
Era outro o homem e o levou emprestado.
Assim aconteceu comigo.
De silvestre cheguei a cidade, a gás,
A rostos cruéis que mediram a minha luz
E a minha estatura, cheguei a mulheres que em mim
Se procuraram como se a mim tivesem perdido,
E assim foi sucedendo o homem impuro,
Filho do filho puro, até que nada foi como tinha sido,
E de repente apareceu no meu rosto um rosto de estrangeiro
E era também eu mesmo: era eu que crescia,
Eras tu que crescias, era tudo,
E mudamos e nunca mais soubemos quem éramos,
E às vezes recordamos aquele que viveu em nós
E lhe pedimos algo, talvez que se recorde de nós,
Que saiba pelo menos que fomos ele,
Que falamos com a sua língua,
Mas das horas consumidas
Aquele nos olha e não nos reconhece.
fotografia - www.astormentas.com/neruda.htm
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)