quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Grafittis e civismo


por bernardino guimarães arquitecto

Talvez fosse importante estudar este fenómeno que nos assalta em cada rua e esquina
arquivo jn
Temos de chamar feio ao que é feio. Poluição ao que é poluição


Sei perfeitamente que se trata de um tema delicado para alguns, cheio de encruzilhadas onde avultam direitos presumidos e até interpretações diferentes de estéticas e comportamentos. Refiro-me aos graffitis que rabiscam e poluem a cidade, as cidades, emergindo em cada superfície adequada, cada muro, sobretudo cada edifício, público ou privado, que tenha sido pintado ou refrescado há pouco tempo. Os autores (desconhecidos) destas"expressões" urbanas têm - como a Natureza - horror ao vazio. Talvez devesse escrever, ao limpo. Sinais indecifráveis, hieróglifos tortos e bizarros, simples riscos sobrepostos e misturados. Acumulam-se nas paredes da cidade. Dizem-me que parte desses grafismos pouco agradáveis não têm significado - o que não é de estranhar. Mas também consta (mito urbano ou realidade?) que certas rasuras, certas manchas de cor, feitas a "spray" nervoso e nocturno, podem ser códigos privados, ou então graçolas reservadas, sinalética de "tribos" e maneira secreta de demarcar território e espalhar gritos de guerra.
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Confesso que já não sei o que pensar. Alguns graffitis parecem denotar certa coerência na sua ostensiva fealdade. Outros nem isso. Vão invadindo tudo mas nem essa omnipresença os torna inteligíveis, até porque onde figuram letras e desenhos a confusão parece ser ainda maior.
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Talvez fosse importante estudar este fenómeno que nos assalta em cada rua, em cada esquina, mesmo em monumentos e até ( já vi uma vez) em inocentes árvores. Encontrar-lhe as motivações e o sentido (se o tem), procurar intrincadas origens em áridas realidades sociais e urbanísticas, nas ignoradas vidas de uma parte dos jovens(?) habitantes da selva urbana... seria sem dúvida útil desvendar alguma coisa disto.
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Até que tal esforço seja feito, ao cronista só ocorre uma palavra - vandalismo. Pode ser que seja precipitado, pode ser que seja algo injusto. Convém, no entanto, esclarecer que estamos muito longe, por exemplo, dos murais" proletários" do pós-25 de Abril e mesmo do ácido humor das pichagens anarquistas de há uns anos.
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O que se vê nos graffitis que mancham agora o espaço público é radicalmente diverso - a intenção parece ser (sublinho o parece) mais ocupar terreno, inquietar pela falta de decoro e de estética, do que expressar o que quer que seja ao cidadão passante. Sendo assim, não se vê que a inviolável liberdade de expressão seja para aqui chamada!
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Claro que esta poluição anónima, que não poupa nem respeita nada, contribui para um sentimento generalizado de insegurança, de abandono e desmazelo - que vem juntar-se a outros factores de degradação, que não é raro vermos nas nossas cidades do cuspir para o chão até aos espaços verdes prometidos que acabam em cimento, do buzinar idiota dos automobilistas, até às "requalificações" urbanas pretensiosas e mineralizantes.
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Ou ainda a falta de cuidado nas obras de rua, os dejectos caninos carinhosamente disseminados, as podas que destroem e mutilam as árvores da via pública, os automóveis estacionados nos passeios.
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O cenário pesado e deprimente das urbes dispensa mais contributos - é já preocupante e todos, por acção ou inacção, somos responsáveis. Silenciar - mesmo que por causa de bem intencionadas e politicamente correctas inibições - o mal que fazem os tais graffitis, aos nossos olhos e espírito, ao património colectivo, não parece ser atitude defensável. Mesmo sendo problemático e incerto qualquer esboço de solução para tal praga, havemos de chamar feio ao que é feio, poluição ao que é poluição, falta de civismo ao que não pode ter outro nome!
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blguimaraes@clix.pt

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1 comentário:

  1. Também gostava de saber, se a maior parte dos graffitis que se encontram, normalmente todos eles pintados a preto, por vezes entrelaçados, assinatura sobre assinatura, são marcações de terrenos ou simples contestação de tudo o que é propriedade privada, mas a verdade é que os encontro pintados sobre objectos que, penso, nada nos esclarecem quanto à sua finalidade e fora de zonas problemáticas, dando-me a ideia de não terem significado algum, e repetem-se por vezes numa vasta zona com a mesma assinatura, que depois vamos encontrar noutras zonas mais distantes.
    Não sei se alguém já tentou saber o que significam, mas parece-me que mereciam ser estudados, talvez assim chegassemos a conseguir levar quem os faz, a compreender o que é a arte, o seu valor e respeitá-la, o valor das coisas que talvez não entendam e portanto não respeitam.
    No entanto alguns são feitos unicamente para chocar quem passa e os lê, disso tenho a certeza.
    Bj
    Lirio Roxo

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)