terça-feira, 8 de abril de 2008

De Óbidos à Nazaré pelos Coutos de Alcobaça

* Victor Nogueira
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De Caldas da Rainha à Nazaré, circundamos a Lagoa de Óbidos golfo que outrora chegava até à vila homónima, hoje poluído e parcialmente assoreado. Das terras que atravessamos dão testemunho as notas seguintes. Muitas das estradas que ligam estas aldeias estão ladeadas de canaviais ou de pinheiros bravos e eucaliptos (EN 242).


Amoreira

Da estrada avista-se uma igreja, a de N.Sra de Aboboriz, com dois cruzeiros, duas varandas ou galilés alpendradas e cemitério adjacente, que fotografo. A igreja foi construída no local onde num dia de verão uma jovem pastora teria visto uma aparição da Virgem Maria no cimo dum loureiro. Consta que existe um túnel subterrâneo proveniente de Óbidos, que serviria de passagem de emergência e terminava nesta igreja. Esta povoação já teve um castelo e uma Misericórdia, hoje desaparecidos. (Notas de Viagem, 1997.10.30)


Entrando na povoação, longilínea, esta surpreende me pelo seu tamanho. Pertenceu à Casa da Rainha e não à Abadia de Alcobaça. Algumas casas tradicionais, duas ou três bancas cobertas junto ao posto de transformação eléctrica, talvez para venda de peixe, e um largo, sem pelourinho mas com um fontenário dos finais do século XIX; não me sabem dizer onde terá sido o edifício da Câmara.


Registam-se nomes de ruas: Amoreira (R), Capela (R), Portões (R), 28 de Maio (!), Mina (R), Canto (R) ... e travessas como a do Manjerico (T). Praçaxe (T), para não falar no beco do Bicho (Bc). Na esquina da rua principal com a rua António Gomes Pereira há uma casa com maior imponência, na qual fotografo os leões em baixo relevo que encimam as molduras das janelas. Algumas casas ostentam vasos de flores nas paredes, como em Óbidos. (Notas de Viagem, 1997.12.05)


Vau


Saímos da estrada e atravessamos o Vau, aldeia longilínea com duas ruas principais. Como sucede nesta região, os portões das casas têm leões e águias de pedra. Registo o nome das ruas : Pinhal do Rio (R), (onde se situa o fontanário), da Fonte (R) Casal Pinheiro (R), Mata Nobre (R), do Barreiro (R), Heróis do Campo (R). E travessas, como a dos Namorados (T) e a dos Fornos (T), para além do Largo Infância (L), onde se situa o lavadouro público. Anoto também um beco, o das Flores (Bc). (Notas de Viagem, 1997.10.30)


Carregal


Atravessamos o Carregal, pequena aldeia onde não deve haver água canalizada pois em cada rua e travessa há uma bica, muitas decoradas com azulejos com motivos figurativos. Um deles, no Largo do Jogo, tem uma quadra: " O aluno que na Escola | Não souber bem as lições | Irá pela vida fora | Sempre à mercê d'empurrões. " Num dos extremos da vila uma fonte mais cuidada, com outro verso: " Carregal | Carregal | Que pena vou ter de ti | Quando um dia te deixar | Quando a vida me obrigar | Pois a vida é mesmo assim. [92.02.05]


Como anteriormente, registo os nomes das ruas do Vale (R) (onde existe um lavadouro público), Direita (R), da Capela (R), da Fonte (R) Trás da Roda (R), das Figueiras (R). Anoto também as travessas, como a do Jogo (T) e a das Flores (T), e largos, como o do Pinheiro (L) Adamásio (L), do Jogo (já referido), doCentro Cultural (L) ...


As casas têm barras azuis, como na Ericeira. Trata-se duma aldeia menos cuidada que a Vau, em cujos arredores cruzamos com caçadores. (Notas de Viagem, 1997.10.30)



Lagoa de Óbidos


Um dos caminhos para a Nazaré pode ser pelo cimo do Monte do Facho, agreste, na Serra do Bouro, partindo da Foz do Arelho. As margens da Lagoa de Óbidos, hoje com uma área muito mais reduzida, são arborizadas e percorrendo as suas margens, ao longe, avista-se um aglomerado de barracas de colmo, cuja função não descortino, e redes de pesca, no meio das águas, junto a um bote com um pescador. A esta lagoa vêm desaguar o rio Arnóia e ribeiras do Cabo, do Meio e Real. (Notas de Viagem, 1997.10.30)



Foz do Arelho



Para ocidente e a norte da Lagoa de Óbidos situa-se a Foz do Arelho, vasta desembocadura do rio do mesmo nome. A estrada que para lá conduz é arborizada, com as folhas refulgindo em tons de verde nos dias de sol, aqui e além formando autênticos tuneis de folhagem. É uma das praias dos caldenses, vasto e deserto areal no dia em que lá fui, um vasto terreiro para os automóveis perto dumas casas "burguesas". Mais para o interior situa se a parte pobre, com casas térreas e ruas tortuosas. Logo à entrada, um amplo largo arborizado, o Largo do Arraial (L), com o inevitável coreto e uma casa apalaçada com capela privativa armoreada, a Quinta da Foz, já na Rua dos Cantos (R). Na parte velha as ruas ainda conservam nomes "significativos": ruas das Hortas (R), da Fonte (R), (que não vislumbro) (1), das Arroteias, (R), Arneiros (R), do Cruzeiro (R) Central (R), da Igreja (R), Funda (R), para além do Beco Rio Seco (Bc). A igreja é nova, com a casa do padre anexa; numa parede alguém escreveu " Queremos a missa ao domingo", testemunho dum qualquer conflito entre o pároco e paroquianos.


O nome do sítio provém do rio Real ou do Arelho, que aqui desemboca, conjuntamente com o Arnóia.


Nos arredores, para sul, à beira da estrada surge uma formação calcária isolada, onde a erosão eólica abriu pequenas cavernas e um enorme arco. (Notas de Viagem, 1997.06.28, 1997.07.08 e 1997.09.03)



Arelho


Saindo da antiga Estrada Real, visitamos esta aldeia de casas brancas, com ruas estreitas e tortuosas, algumas íngremes. Fotografo um burro branco à janela dum celeiro. Tal como no Carregal, as casas antigas coexistem com as mais recentes. Registo nomes como o das ruas do Balcão (R), do Sol (R), das Pernobes (?!), das Poças (R), da Fonte (R), de Santo André, Circular das Quintas (R), Direita (R) (com uma capela no topo), travessas como as da Rua Direita (T) e de Santo André e largos como o do Rossio (L) e da Igreja (L), para não falar em becos como os do Jogo (Bc), das Eiras (Bc), da Lojinha (Bc) e do Sol (Bc).



Existem bicas pelas ruas, em menor quantidade que no Carregal e sem azulejos, as casas tem na frontaria azulejos com figuras de santos e nos telhados secam abóboras, umas maiores que outras. (Notas de Viagem, 1997.10.30)



Tornada


Nada de especial tem esta povoação, situada à beira da estrada, a caminho de Alcobaça e Leiria. Num largo arborizado sobressai a igreja pintada dum branco degradado, defronte dum amplo terreiro arborizado, tendo adjacente um cemitério, cuja porta é encimada por uma cruz sobre uma caveira e duas tíbias cruzadas, como referi quando abordei Aljubarrota. Por baixo uma lápide de pedra ostenta a seguinte inscrição: Caridade passageiro | caminhante uma oração | pelo descanÇo daquelles | cujos restos aqui estão | P.N. A.M. | 1873


Uma lenda diz que o nome resulta do facto da Rainha D. Leonor, em viagem ter decidido neste local regressar (tornar) às Caldas da Rainha, devido às águas milagrosas em que lá se banhara. (Notas de Viagem, 1997.12.10)


No outro lado da estrada fica Guisado também com nada de assinalável, salvo as ruínas dalgumas casas rurais. Da toponímia registo as ruas Central (R) da Fonte (R), do Oitão (R), do Fôro (R), das Flores (R), Principal (R) e dos Choupos (R), para além do largo do Rossio e da calçada da Rua Principal (Notas de Viagem, 1998.01.13)




Alfeizerão

Esta é uma povoação célebre pelo seu pão de ló, cuja receita vem passando numa família de geração em geração, em segredo guardado. Terá sido uma povoação importante, como atestam alguns edifícios na rua principal. Num dos extremos do povoado há uma igreja do século XVII, cujo patrono é S. João Baptista, com cemitério adjacente e um pelourinho que figura no seu brasão de armas, semelhante ao de Turquel. Mais para diante, um feio coreto com telhado, em cimento, ao lado duma incaracterística capela com alpendre coberto, a Ermida de Santo Amaro.


Não se diria que já foi um porto de mar importante, mas o recuo do mar devido ao assoreamento colocou a em seco. Do castelo não restam senão algumas pedras e a lenda da filha do alcaide árabe que se apaixonou por um cavaleiro cristão, cujo objectivo era únicamente facilitar a entrada dos seus companheiros de armas no castelo. Para evitar a desonra o alcaide lançou-se do cimo das muralhas abraçado à sua filha, Zaira de nome. (Notas de Viagem, 1997.10.26)



Famalicão (Nazaré)


Atravessamos esta povoação situada ao longo da estrada, sem nada a destacar, para além de lojas de velharias com espécimes expostos: louças, lavatórios de ferro, entre outros. Artesanalmente falando, a sua especialidade são os objectos de vime.


Para esta povoação migraram os habitantes de Paredes, quando o porto foi assoreado, antes de se dirigirem para a Pederneira, que acabou por ter o mesmo destino.


Perto de Famalicão persiste um templo visigótico, paleocristão, dedicado a S. Gião. (Notas de Viagem, 1997.10.30)



Cela


A seta à beira da estrada na noite chuvosa desperta-me a curiosidade, por estar assinalada com o símbolo de monumento. Meto pelo atalho, parecendo me que a estrada corre por entre cerros. O monumento é afinal uma igreja iluminada no negrume da noite, que não sei se é manuelina ou um pastiche romântico do século XIX. Não encontro referências nos livros que consulto pelo que sigo adiante. (2)


Existem a Cela Nova e a Cela Velha. O nome está ligado a uma lenda que refere ter existido neste local uma cela habitada por um frade que recebia tributos dos camponeses da região e os guardava numa casa, ainda hoje conhecida como Tulha.


Perto, na Vestiaria, a igreja matriz tem um interessante pórtico manuelino. (Notas de Viagem, 1997.10.26)


Regresso à Cela Nova, cuja igreja dedicada a Santo André revejo pormenorizadamente, apercebendo me também do seu pelourinho e do edifício do antigo celeiro. Sigo por outros caminhos em busca de Cela Velha; a povoação tem um ar de abandono, mas a visão de Cela Velha é ainda mais deprimente, embora paradoxalmente pareça mais recente: situa-se no fundo duma descida aprazível mas interminável e, quase no seu termo, uma placa partida indica a existência dum monumento. Lá ao fundo um largo, alguns edifícios degradados, uma bomba de gasolina, a estação do caminho de ferro e um segundo monumento, tal como o primeiro dedicado a Humberto Delgado. Estranho estes dois monumentos a Humberto Delgado: o primeiro avista-se perfeitamente do largo da estação, lá em cima, a meia encosta.


Na Cela Velha uma igreja nova e um coreto sem cobertura, perto dum edifício duma qualquer associação cuja finalidade não fixei, onde convivem vários homens, para além duma fonte centenária, de 1894.


Uma carrinha e uma caravana de automóveis atroam os ares em propaganda eleitoral, mas não consegui distinguir se eram da CDU se do CDS/PP. Damos uma volta, mas tudo é desolado e em breve um operário (3) despedido duma fábrica da região contar-nos-à a explicação do Humberto Delgado, que afinal tinha ali uma quinta, donde saíra na véspera a idosa viúva por causa do mau tempo.


O monumento resultou dum concurso público e do trabalho das populações sendo inaugurado em 22 Agosto 1976: uma série de gomos desagregam-se por acção dum ariete que me parece um cravo estilizado. Nos gomos destruídos palavras adjectivantes do fascismo: obscurantismo, mordaça, repressão, mentira, castração, medo, humilhação, violência, colonialismo, ódio, opressão, exploração. Lá em baixo na Praça, os dois blocos representam "o estilhaço impelido pela força indómita da liberdade."


A herdade da família Humberto Delgado - Quinta da Cela Velha - era uma granja, pertença dos monges de Alcobaça, situando-se a casa, recente, no cimo duma encosta, daí se avistando o fértil vale, outrora braço de mar, e as elevações em redor. Para lá dos portões, que franqueamos em visita proporcionada pelo sr. Isidro Neves, uma capela, despojada, a Ermida de S. Bento, donde foram retiradas as peças de valor, substituídas por estatuetas modernistas de autoria dum dos filhos do general.


De Cela Nova retenho a Rua do Matadouro (R). Em Cela Velha procuro a razão de ser da Rua do Castelo (R) e da Rua da Via Romana (R), mas ninguém me sabe esclarecer; havia um velhote que sabia destas histórias todas, mas faleceu há dois meses! Mas talvez tenha havido aqui ocupação romana e o castelo, de existência apontada no cimo dum cabeço e acesso por Famalicão, deve ser a Torre de D. Framundo, da qual apenas subsistem ruínas cobertas pelo matagal. Esta torre era um local de vigia e farol para a navegação nos tempos em que o mar cobria toda esta região. (Notas de Viagem, 1997.12.08)



Quinta Nova


Após Famalicão fica esta povoação, onde sobressai a casa que dá o nome à povoação, pintada de fresco, branca com barras amarelas. Numa outra vendem se objectos de verga ou vime e louças antigas. Saindo da povoação, dum lado da estrada existem campos cultivados e do outro avistam-se as dunas costeiras. Numa curva da estrada, eis que surge o casario branco da Nazaré. (Notas de Viagem, 1997.10.30)

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1 - Virei a encontrá-la posteriormente (98.02.09), ao parar junto a uma casa que na fachada ostentava um painel de azulejos representando a Fonte dos Namorados. Vendo uma mulher que por um caminho carregava um alguidar com roupa, olhando mais para diante, lá estava a fonte, perto dum telheiro que é o lavadouro público.

2 - No entanto verifiquei posteriormente que a Igreja Matriz, de Santo André, é um edifício manuelino restaurado em 1909, em estilo revivalista. A povoação já foi sede de concelho, como comprova o pelourinho que ainda existe.

3 - De seu nome Ilídio Neves.

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