* Victor Nogueira
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A esta hora da madrugada, quando tudo é silêncio e há muito deveria estar em Vale de Lençóis nos braços de Morfeia ou de Joana Pestana, ouço ainda o dedilhar nas teclas e e taque seco na tecla de espaços. Olho pela janela e sobre a terra um denso nevoeiro que não permite ver para além da avenida, lá em baixo. No entanto, lá no alto, brilhante e como que recostada num sofá, a Lua em Quarto minguante, uma Lua mentirosa, pois tem uma forma de C reclinado, tal como estudávamos em Angola, onde era um anacronismo o que os ensinavam, pois os programas eram idênticos aos de Portugal, no Hemisfério Norte. Também nos era impossível orientarmo-nos pela Estrela Polar, por mais garantias que os compêndios nos encaixassem, pois o que encontrávamos era o Cruzeiro do Sul.
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Tento lembrar-me do que fiz durante o dia, mas não me lembro nem creio que isso tenha grande interesse para quem me lê ou para a posteridade.
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Depois do jantar deitei-me um pouco para descansar e fui acordado há pouco, que já foi ... há horas, pela voz da minha mãe a despedir-se de mim porque se ia deitar. Estava mergulhado num pesadelo opressivo, que metia nazis, uma criança, vigiada por um guarda armado de metralhadora e uma enorme explosão que destruiu o que era um mercado, tudo volatilizando-se numa enorme girândola incendiária que o destruiu bem como a um edifício contíguo. O resto dos prédios não sofreu grandes prejuízos e eu passeava pelas ruínas e pelas ruas a ver os estragos, uma vez mais como se fosse apenas um espectador que ia registando o que via. A explosão inicial dera-se no último andar dum prédio que ficara esventrado como se fora o cenário dum filme, Acordei gelado, pois deitara-me sobre a colcha e destapado. No momento em que fui acordado estava lendo no que restava de duas paredes do mercado: uma enorme frase, numa escrita desconhecida e da direita para a esquerda, em caracteres negros sobre fundo azul.
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Ao jantar comemos comida que já havia cozinhada no hipermercado; empadão de carne, camarões e leite creme. Apenas tinha arrumado no frigorífico (geleira, como se dizia em Luanda) e no congelador os alimentos que estragara. O resto ficara nos sacos; é possível que entretanto a minha mãe tenha arrumado parte das compras, pois tem de estar sempre a fazer qualquer coisa, quando não está a ler os jornais ou livros da minha imensa biblioteca. Por ter adormecido, ficou por cozinhar o borrego que queria cozer de estufado. Tem de ser mesmo amanhã, ou antes, mais logo, para não se estragar.
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Acordei cheio de dores de cabeça, mas já passaram. Vim ver se havia correio electrónico pessoal, mas não! Apenas mail's de newsleters que subscrevo, alguma das quais alimentam os meus blogs. Paciência! Apenas no hi5 há sinal de vida!! E pronto; vou até à cozinha tomar os remédios e depois voltar a deitar-me. Acho que vou deixar de ir à fisioterapia, pois não creio que os exercícios que o médico fisiatra me receitou de sirvam para i que quer que seja e já não ajudam a recuperar a mão direita. Depois dos electromiogramas e de ouvir novamente o médico ortopedista consultarei outro médico fisiatra noutro centro de fisioterapia.
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Já são 05:15 no alto da madrugada e há muito que deveria estar a dormir, pois à hora de almoço tenho consulta de otorrinolaringologia.
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Passei pela cozinha e a minha mãe já tinha arrumado a maior parte das compras. Acabei de arrumar quase tudo. No hipermercado comprei vários livros, mas neste momento o tempo dedicado à leitura é insuficiente para a resma que se vai amontoando na mesa da sala e no meu quarto de dormir. Um dos livros é do Ricardo Araújo Pereira: «Novas Crónicas da Boca do Inferno». Embora tenham piada, trata-se dum humor datado, não intemporal, que só é entendido para quem está a par do quotidiano. Não resistirão poos ao correr do tempo, contrariamente às de Eça de Queirós ou de Miguel Esteves Cardoso, cuja ironia aprecio imenso.
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)