* Victor Nogueira
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Todo o dia choveu e não saír. Com a chuva miudinha o asfalto da avenida e os caminhos do parque verde brilhavam como espelhos negros um, vermelho, outro.
Nas ruas da Baixa há vendedores de castanhas assadas, com os seus carros típicos, com fornos a carvão, vendendo as castanhas aos clientes embrulhadas em cones feitos de papel de jornal, mas há muito que as não compro, por um lado porque são caras, por outro porque muitas estão estragadas. Para além disso há as roulottes de farturas, que são fritos de massa polvilhados de açúcar e por vezes com recheio de morango ou de chocolate.
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(Re)descobri um poeta que há muito não lia, agora sob outra perspectiva, com preocupações sociais e cujo único livro foi publicado postumamente por um amigo. O poeta é Cesário Verde, que para além da acutilância da sua análise social tem alguns poemas repassados de humor, como «Lágrimas»
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Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Frenética, com gestos desabridos;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos
Brilhavam como pérolas os prantos.
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Ele, o amante, sereno como os santos,
Deitado no sofá, pés aquecidos,
Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se cantando alegres cantos.
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E dizia-lhe então, de olhos enxutos:
- "Tu pareces nascida da rajada,
"Tens despeitos raivosos, resolutos:
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"Chora, chora, mulher arrenegada;
"Lagrimeja por esses aquedutos...
-"Quero um banho tomar de água salgada."
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Lisboa, 1874Frenética, com gestos desabridos;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos
Brilhavam como pérolas os prantos.
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Ele, o amante, sereno como os santos,
Deitado no sofá, pés aquecidos,
Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se cantando alegres cantos.
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E dizia-lhe então, de olhos enxutos:
- "Tu pareces nascida da rajada,
"Tens despeitos raivosos, resolutos:
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"Chora, chora, mulher arrenegada;
"Lagrimeja por esses aquedutos...
-"Quero um banho tomar de água salgada."
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Embora a temática seja completamente difente, este poema fez-me lembrar um outro, de Filinto Elísio ou Nicolau Tolentino (1741 - 1811) - «O colchão dentro do telhado»
.Chaves na mão, melena desgrenhada,
batendo o pé na casa, a Mãe ordena
que o furtado colchão, fofo e de pena,
a filha o ponha ali, ou a criada.
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A filha, moça esbelta e aperaltada
Lhe diz co´a doce voz que o ar serena:
- Sumiu-se-lhe o colchão, é forte pena!
Olhe não fique a casa arruinada...
.
- Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que, por teu pai embarcado,
já a mãe não tem mãos? E dizendo isto,
.
Arremete-lhe à cara e ao penteado;
Eis senão quando – caso nunca visto! –
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado.
.batendo o pé na casa, a Mãe ordena
que o furtado colchão, fofo e de pena,
a filha o ponha ali, ou a criada.
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A filha, moça esbelta e aperaltada
Lhe diz co´a doce voz que o ar serena:
- Sumiu-se-lhe o colchão, é forte pena!
Olhe não fique a casa arruinada...
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- Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que, por teu pai embarcado,
já a mãe não tem mãos? E dizendo isto,
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Arremete-lhe à cara e ao penteado;
Eis senão quando – caso nunca visto! –
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado.
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)