sexta-feira, 1 de julho de 2011

Aventuras e (des)venturas de João Bimbelo ou de João Baptista Cansado da Guerra, no antigamente do anterior milénio



por Victor Nogueira a Sexta-feira, 1 de Julho de 2011 às 1:04

É bom
ficar pensando
em você
mas às vezes
cansa ...

... pois gosto de ti e da tua presença e companhia, mas tu andas longe e por outros caminhos em busca do sol e do mar, deixando-me na berma da estrada com as mãos vazias e um conto amarfanhado e por terminar a meio caminho de coisa nenhuma "E houve um gesto, [ um nome, ] uma palavra que se intrometeram [ e confundiram ] e burilaram os sinais, refrearam as palavras [ e as mãos ] e não houve tempo nem ocasião para que João Qualquer Coisa dissesse com simplicidade:
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Gostas de mim? Queres ser minha companheira ou namorada? Mas nem João nem Joana tinham a simplicidade da gente simples, pelo que o canto ficou a meio caminho de coisa nenhuma. E não havia nem sol nem mar nem estrelas nem o murmúrio de mil candeias, nem os olhos da cor do trigo em flor eram um campo de giestas com sabor a cravo e canela [ onde as aves encontrassem a liberdade. ] E por isso por todo o lado havia um pesado, envolvente e crescente cansaço, invadindo todos os poros e o menor interstício, as palavras e os gestos esfarelando-se em negro de fumo, um areal no lugar do coração, vulgaridade quanto baste, uma gasta armadura impedindo a pirueta e o sorriso de quem lança os males por cima do ombro e prossegue a caminhada de mãos nos bolsos e assobio nos lábios, a passada larga e despreocupada, em busca de outros portos e marés onde o viajeiro pudesse finalmente descansar da guerra e sentir o ar belo e calmo e o mar verde e sereno que busca(ra)em Joana Princesa dos muitos, doces e ásperos nomes, mulher-menina, mulher-achada de mil promessas em flor fugidas."
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E voltando de novo sobre si mesmo, o viajeiro perguntou: Queres ser minha amiga e ensinar-me a ser teu amigo?!
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Aqui neste nono andar ouço o coro monótono dos grilos, entrecortado pelo latir dos cães e o ruído dos carros que esparsamente passam lá em baixo na estrada para Porto Salvo. Olho pela janela e a escuridão encobriu os campos verdejantes, onde a agricultura vai cedendo lugar ao cimento armado e ás tiras de asfalto. O negrume da noite está pontilhado de luzeiros e apenas a minha memória me diz que há pouco toda a paisagem estava coberta de sol e que além ao fundo, por entre as casas, está a serra de Sintra mais o castelo mouro e o palácio da Pena.
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Olho pela janela e para cá do vidro reflecte-se a reprodução dum quadro do Modigliani, feito pelo meu tio no tempo em que estudava arquitectura, para além do reflexo da minha imagem, para a qual não sorrio desta feita! Não me apetece sorrir para mim mesmo como quem sorri a um amigo cuja presença seja repousante e fonte de alegria e serenidade.
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Uma frase tua “começar tudo de novo”, quando falavas da revolução que ainda não se fez, provoca-me hoje um riso interior amargo, porque hoje é o tempo de sufocar as emoções, os sentimentos e a solidariedade. Os amigos estão dispersos e de alguns (algumas) resta apenas a memória encantada ou o desencanto. Hoje cada um está na sua vida, com as suas indisponibilidades, os seus compromissos. Já não volta o tempo em que o café Arcada era o ponto de encontro, estudo ou cavaqueira e o meu quarto fonte de contrariedades para a D. Vitória, sempre invadido pela malta.
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A fraternidade de Abril durou o escasso tempo de uma semana, quando nas ruas todos sorriam e parecia que o futuro estava todo ali, ao alcance das nossas mãos, generoso!
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Releio o que escrevi e o meu pensamento rápido perdeu-se noutros rumos, com a lentidão exasperante da transposição para o papel.
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Nada volta para trás! Outro, e não aquele, será o tempo em que me sinta suspenso de ti, da tua alegria e do que parecia ser ..., sei lá (ou sei e não quero escrever!?), talvez a tua disponibilidade e atenção.


Escrito em Paço de Arcos num dia qualquer de meados de 1988
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Aqui estou no meu quarto, buscando para ti as palavras que não encontro, corpo sem imaginação mas irritado e desassossegado pela constipação que me percorre as veias e me enche dum nervoso miudinho. Busco para ti as palavras dos outros, nos livros dos outros, os ponteiros aproximando‑se das nove e trinta, hora da vinda do homem que levará de mim as letras que cadenciadamente vão surgindo no papel branco que já não é só! Busco as palavras e apenas encontro estas, hoje vazio de ti pela tua ausência, ontem pleno pela nossa presença. São vinte e uma e vinte, hora de parar, os livros espalhados pela mesa, o corpo quebrado, a imaginação e a voz quase secas e frias. Daqui desta terra, para ti noutra terra, te abraço e beijo com ternura e amizade, na memória do tempo que fomos juntos. Aqui estou!
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Évora, 1972.09.21 
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Sinto a tua ausência e o teu silêncio.
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E lembro-me duma história que inventei com a imaginação e a liberdade que os escritores têm. História sobre um tal João Baptista Cansado da Guerra, também conhecido por João Bimbelo, que uma vez encontrou em sua jornada uma Princesa Donairosa Cujo Nome Se Não Desvenda, por ela se encantando. E encontrada a Princesa, por ela se encantou João. E deram os dois grandes passeios pelos campos e ao luar e os seus cabelos soltos ao vento eram um pássaro no alto da madrugada, um rio correndo para o mar, até que ela no sarau lhe disse, erguendo sua taça cravejada de esmeraldas e rubis: Não penses João que não sou princesa recatada e que ando por aí brindando e oferecendo meu lenço e sorriso a este e àquele cavaleiro para que ele me tome por sua dona nas justas e torneios. E entendeu João que se ela assim falava seria porque entre todos o escolhera. E regressando João duma longa jornada, a ela lhe disse: Sabei senhora que pelo deserto em porfiadas batalhas me gastei durante longos anos sem que encontrasse princesa em cujo peito adormecesse meu cansaço. E passado este tempo todo apenas vosso brinde aceitei e apenas em vós me permiti descansar porque em nenhuma outra dama encontrada nos saraus do Paço encontrei o reflexo de mim que em vós vi espelhado. E por isso e só por isso aceitei e retribuí o vosso brinde de boas vindas, porque não ergo a minha taça nem saúdo qualquer dama da corte. E apenas por isso aceitei as rosas que vosso olhar me ofertou em trocas das flores por mim colhidas na berma do caminho. Mas caindo a noite, sem estrelas nem luzeiros, se desencontraram o cavaleiro e sua amada, nada restando a João Baptista senão uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Porque perante o silêncio e ausência da Princesa Donairosa Cujo Nome Se Não Desvenda, sentia-me João Baptista como se fora um cego, que tacteia a estrada para chegar a ela, sem saber se na encruzilhada não teria uma vez mais tomado o caminho errado e que os afasta de novo cada vez mais. Porque dentro dele João só tinha a voz e o silêncio dela, para além desse duplo desejo seu de estar com ela e de sabê-la consigo. Porque perante o silêncio dela não sabia João se não era para o vazio da ausência dela que ele, João, se dirigia
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Setúbal, 1993.09.26
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7. E João Bimbelo caminhava pelos caminhos da vida em busca de coisa nenhuma. Pensava nela por vezes com uma grande ternura e acordava no silêncio da madrugada com um desejo sufocante do ouvir o seu sorriso, ver a sua voz, sentir a carícia do seu corpo de mulher apetecida. Mas os seus dedos e os seus lábios não a encontravam e a madrugada era um poço sem fundo e o tempo cada vez mais curto.
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Nas suas longas caminhadas João por vezes entrevia uma janela aberta, uma porta mal fechada, uma luz para além da curva da estrada. E o coração de João vestia-se com os melhores fatos e o seu andar tornava-se leve e fresco e as palavras eram um rio a cantar. Mas era tudo uma ilusão, porque a imaginação dos homens não tem limites e os gestos e as palavras ora são límpidos como cristal translúcido, ora um cristal multifacetado, ora um espelho baço de mil imagens e sons, mesmo se adornado com as cores do arco íris.
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E João procurava Aquela Cujo Nome Se Não Desvenda, volúvel como o vento, contrastante como o dia é da noite sem luar, e perante o seu silêncio e as suas fugas em redondel, ficava João sem norte como navio no mar alto em dia de tempestade, como frágil pardal de asas cortadas sem nada de águia altaneira, como cana agitada pela mais leve brisa sem a solidez do roble centenário. Estados de alma que se não perdoam a guerreiros vestidos com suas armaduras que nunca devem despir, mesmo se cansados da guerra, mesmo quando perdidos ou cavalgando no meio das quentes areias do deserto (porque os cavaleiros não andam pelos gelados desertos polares).
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E João procurava de novo pôr a máscara, erguer as muralhas, tapar as fendas e os interstícios nela abertos por onde entravam em golfadas crescentes a fragilidade, o desamparo e a tristeza que afogam o coração mesmo dos mais fortes se não mudarem de rumo em busca de portos e marés onde os dias sejam tudo menos uma noite cinzenta, fria, triste e sem esperança.
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DE PEDRA SOIS VÓS, COISA DURA?

Á minha porta bateu a Joana
Ar tímido, de não sobressair,
Com jeito, fala de sol a sorrir,
Deixando-me preso, bela magana,

Mas seu coração por mim não abana,
Nem no meu canto vem ela cair;
Bem a convido mas sem conseguir
Fazer com ela nossa boa cama.

Não terei genica ou desembaraço,
Nem ouro ou rosas p'ra ofertar,
E assim lograr que seu bem mereça?

De mãos vazias, sem seu regaço,
Por aqui ando, com mau respirar
 Sem que por mim seu desdém faleça.

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João Baptista Cansado da Guerra 
Viu a zorra, ficou preso em liana;
Por ela ficou gamado, sacana, 
Sem a conquistar, no céu ou na terra. 
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Será melhor abandonar a perra? 
No mundo há muito outra bela magana 
Com amor e doce mel que abana, 
Sem que o bimbelo esteja em tal berra. 
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Dizem, são iguais no comportamento; 
Vero, querem todas o o mesmo paleio; 
Chicote, desprezo e doce fel! 
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Ora, adeus, vá bem longe este cimento
A tal macho e fêmea sou alheio; 
Antes só, que encenar o papel! 
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Setúbal 1989.09.09
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RIMANCE DE JOAO BAPTTSTA

Andando João Baptista
Mal descansado da guerra
Caminhava pela pista
Do mar ao cume da serra,

Bem ao longe avistou
Um Paço no horizonte;
Pela ponte atravessou
Chegando ao cimo do monte.

Viu uma bela Princesa
Que na fonte se banhava,
Por ela ficando acesa
A flama que incendiava,

    - Que fazeis aqui senhora
    Dona da pele morena?
    A noite será cantora
    Se vossa mão for serena.

    - Por alguém vim em caminho
    Com muitas naus voando
    Mas não ficarei sozinho
    Se convosco for ficando.

Ouçam qual foi a resposta
Calmosa, doce, brilhante,
Sem temor de lua posta,
Precioso diamante.

    - Num crescendo de calor
    Nesta fonte mergulhada
    Por vós espero, senhor
    Não me deixeis assombrada.

    - Belo é vosso cavalgar
    Vosso desejo um espanto
    Vinde comigo arrulhar
    Alegre, mas sem quebranto.

E com esta fala doce
Se prendeu o cavaleiro
Contente como se fosse
Um artista, jardineiro.

    - Andando me fui chegando
    Para convosco encantar
    E ao ver-vos nesse encanto
    Passo a descansar.

    - Pois vosso olhar é botão
    Em busca do sol e do mar;
    Sereís bela sem senão
    Vinde comigo bailar.

    - E convosco bailo a noite
    Dedilhando esta guitarra
    Não há quem não se afoite
    Vendo a fruta sem a parra.

 Da fala ficou suspenso
 Um punhal no coração
 Com olhar lembrando imenso
 0 vale da solidão,

 Veio o gesto finalmente
 Negro de rosa dourado
 Rosmaninho com semente
 Em seu rosto acobreado,

 Cem mil águias voaram
 Mais, seguidas dum faisão
 E com leveza abalaram
 Silentes que nem trovão.

     - Convosco não bailo eu
     Bem gosto da liberdade,
     Ide-vos embora, oh! meu,
     Sou presa da soledade.

 Com esta fala malina
 A pensar ficou João.
 Era uma fala felina
 D'ensombrar o coração,

 Dez mil pássaros em viagem
 Sem nada no horizonte,
 Fechada aquela portagem
 Como arvore sem ponte,

     - Sinhá moça, a vida é jogo
     Sabemos nós muito bem;
     Ele há fumo sem fogo
     Sempre que tal nos convém.


 Como era belo seu sorriso
 D'encantar o navegar!
 À Princesa achou preciso
 Ver de novo seu falar.

     - Como tu desejas ficam
     Estrelas no meu olhar:
     Doçuras, beijos que picam,
     A brisa e o marulhar,

 Com esta fala ficou
 A Infanta Gabriela,
 Um pintarroxo voou
 P’ra lá do castelo dela.


1991.06.19 (2)
SETUBAL

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Rimance no deserto desertificado

 Sete anos andou João
 Vagueando p'lo deserto
 Sem vinho, água ou pão,
 Indo por destino incerto.

 A mingua d'água mirrava
 Sem o frescor duma fonte
 Em fome se esgotava
 Sequioso duma ponte.

 Em tiras estava o fato
 Sem veludo que se visse!
 Descalço o pé, sem sapato,
 A vida era uma sandice.

 Fizera grande viagem
 Com o coração cinzento
 Sem escudeiro nem pagem
 Ou pedra que fosse assento.

 Pela areia caminhava
 Joelho aqui, pé além.
 Na jornada trauteava
 Sem saber o que lá vem!

 Seu coração era grande
 Para quem lá coubesse
 Cantando mui radiante
 Como se mal não houvesse,

 Seu cavalo não era novo
 Cansado da caminhada
 De Luanda a Porto Covo
 Por terra já navegada,

 Que buscava não dizia
 Calado com seu segredo
 Por ver que não merecia
 Ser mal preso, em degredo.

 Seu caderno era escrito
 Com tinteiro invisível,
 Silencioso, sem grito,
 Em novela incredível.

 Então que é feito bela
 Deste rimance heroina,
 Personagem da novela,
 Tão certa como haver sina?

 Assim perguntava arraia
 Miúda como convém,
 Atenta ao rolar da saia
 Que na cintura mantém.

 Bem pesado é o fado
 De quem quer algo inovar
 Logo está ameaçado
 De não poder inventar!

 Não há princesa no conto
 Assim quero, pois então!
 Por isso aqui aponto
 0 que tenho na razão.

 Bem podeis vociferar
 0 cavaleiro vai sozinho
 Não tem quem acompanhar
 Indo só pelo caminho.

 "Sete anos serviu Labão ..."
 Assim Camões escreveu
 Mas não tem dona João
 Por nenhuma ensandeceu.

 Esta vida é um novelo
 Numa roca a girar
 Sem forma nem modelo
 Nunca para de rodar.

 Aqui nesta lazeira
 Em remanso vai surgindo
 Uma grande cantareira
 Verso a verso subindo.

 Deixemos o cavaleiro
 Seguindo a sua jornada,
 A caneta no tinteiro:
 Até 'manhã, camarada!



1991.06.20
SETUBAL
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8904.086.2 / 7.004

HISTORIAS DO JOÂO BIMBELO OU DO SOL ARRANCADO ANTES DE NASCER

                Vivia João Bimbelo na Quinta de Todos Nós,  rodeado de papéis e do silêncio dos gestos e das palavras contundentes quando encontrou a Maria do Mar e dela se agradou num dia de Verão. Tudo teria ficado apenas por aqui, com o sabor das coisas que se não experimentaram ou conheceram, se as voltas do tempo os não tivessem cruzado novamente ao  virar duma estação, quando as árvores se vestem de amarelo e dei­xam cada vez mais entrever os dias ainda luminosos e levemente cálidos. De novo se encontraram pois a Maria do Mar e o João Bimbelo e deram grandes passeios nas noites sem luar percorrendo o areal  e tecendo os fios do que parecia vir a ser uma amizade diferente.
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Mas tudo não seria mais que isso, com o sabor simples da amizade e da camaradagem, se o dobar dos tempos os não tivesse cruzado novamente  ao voltar duma nova estação, quando o ar esta frio e o céu cinzento e chuvoso. Ainda não sabia João Bimbelo que flores germinariam naqueles dias descoloridos e vazios de calor mas, quaisquer que elas fossem, parecia-lhe que seriam únicas, inestimáveis e delicadas como a porcelana rendilhada.
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Na quinta de Todos Nós  não era livre João Bimbelo e foi com a mágoa dos gestos resguardados que ele deixou a Maria do Mar, voltando ao lugar donde partira, prosseguindo a sua peregrinação, envolto como estava na guerra com os Dragões da Mãozinha Misteriosa, que não poderia perder porque era o futuro do dia-a-dia que estava em jogo
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E, no intervalo das batalhas com os Dragões da Má Vida, procurou de novo a Maria do Mar e nela encontrou abrigo e, pensava, tudo aquilo que é tão simples e simultaneamente grandioso: os dias cheios de alegria e ternura que, dum modo silen­cioso e cativante, entrelaçavam os seus gestos. O futuro parecia surgir ali ao alcance da mão, apesar das sombras que se projectavam sobre a Maria do Mar, que lhe surgia demasiado frágil.
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Tão frágil que as palavras os  separavam, cada vez mais preso João Bimbelo ao peso das pontes que entre eles desapareciam e a Maria do Mar ao sentido das palavras que não entendia do mesmo modo.
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Era João Bimbelo homem duma só cara e dum só viver e custava-lhe sobremaneira  o distanciamento da Maria do Mar, que assim  desmentia a veracidade e forta­leza das suas palavras de amizade eterna, quaisquer que fossem o tempo e o lugar. Duro era também o esboroar de algo em que acreditara, como planta frágil e valiosa, que deste modo se perdia com o peso crescente dos enganos que não quisera cometer. E as janelas da Maria do Mar fecharam-se e de novo se encontrou João Bimbelo no mar alto sem porto nem maré, com o norte que a sua fragilidade lhe indicara, ensombrado pela inesperada indelicadeza da Maria do Mar, apesar de entrecortada por gestos aveludados de amizade e ternura.
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Muitas vezes procurou João Bimbelo reencontrar o que perdido parecia estar,  devido aos silêncios, as  histórias e sombras que mascaravam a expressão dos sentimentos que a Maria do Mar nutria pelo João Bimbelo  histórias  que lhe pareciam inventadas por ela, presa aos fantasmas da sua vida passada e das mulheres com vida e pensar semelhantes ao seu. Como desde o primeiro instante parecia a João Bimbelo que era com a Maria do Mar que estava o futuro  assim como os dias luminosos e as noites  estreladas. No entanto tratava-se dum puro engano porque sendo agora "ambos' livres, cada vez menos se cruzavam os caminhos da Maria do Mar e do João Bimbelo, pois cada vez mais historias e silêncios envolviam a Maria do Mar, deixando o nosso peronagem cada vez mais inquieto na busca vã da chave no tempo e no espaço que os se­paravam cada vez mais.
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Encontrava-se João Bímbelo de mãos vazias e sem jeito; perdidos cada vez mais estavam  o esplendor dos longos passeios ao luar ou o encanto da voz, da presença e da paz que haviam preenchido os dias cinzentos de outrora, pois ninguém em seu e perfeito juízo gosta de ser escorraçado, mesmo que seja dia não semana sim.
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No entanto, fazendo jus ao seu nome, pensava João Bimbelo que ainda valia a pena lutar pela Maria do Mar e por isso a procurou de novo, após um longo silencio, porque a ela dera o seu afecto, porque ela o seduzira e conquistara. Mas novos con­tos e novelas surgiram ligados a novos enredos e pareceu ao nosso “herói” que era tempo de dar descanso à parede sob risco dela começar a ficar pintalgada de vermelho mais ou menos vivo e coberta a sua moleirinha de galos que o acordariam estremunhado todos os dias ao romper da bela aurora e o fariam andar bêbado de sono pelas ruas e pelos escaninhos da cidade
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                Tudo estava dito e redito entre o João Bimbelo e a Maria do Mar,  que prosseguiam as suas vidas, cada um para seu  lado.  Para trás ,  cada  vez mais  para  trás ,  ficavam o  afecto e  amizade  que  cada um deles procurara no outro,  que ela rejeitava por razões que lhe escapavam completamente,  Pois parecia a João Bimbelo que o amor e a amizade se constroem  de coisas que estavam   cada  vez mais ausentes deles:  a confiança,  o encontrar da paz no murmúrio  frágil e pleno do afecto,   o saber que outrém está ali,  ao alcance da  mão,  do gesto e da  voz ,  qualquer que seja ou fosse o tempo. Parecia a João Bimbelo que o amor e amizade se não encontram ao virar da esquina e ao alcance dos  pontapés e que  por  isso,  quando há novas do seu achamento, como apregoara a Maria do Mar, se devem protegê-los como quem protege a chama do fósforo com que se acende a candeia ou a luzerna.
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E porque  lhe parecia que assim não sucedera,  resolveu João Bimbelo  prossegui a sua caminhada em busca de outros  portos e marés, de  amizades  feitas de portas que se não fecham e  de janelas abertas e rasgadas ao sol e ao luar, como sempre o encontraria a Maria do Mar, qualquer que fossem o tempo e o lugar em que vivessem e o procurasse.

Paço de Arcos 1989.04.01 (Setúbal 1989.06.30)

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