quinta-feira, 28 de julho de 2011

Convívio entre Abril e Maio (3) - 25 de Abril no ISESE




Gravura - Building a rainbow de Tito Salomini
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O antes e o depois
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Prefácio
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TERÇA-FEIRA, 10 DE JULHO DE 2007


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Da Carta
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1. Se as cartas não fossem cartas, muitas vezes escreveria a V.M. como desejo, mas porque o são o não ouso fazer, pois as não leva o vento, como palavras e plumas, antes se guardam tão bem, que a todo o tempo se pode pedir razão de como se escreveram e porque as escreveram (…) (Garcia de Resende a D. Francisco de Castelo Branco, 20.11.1535)
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2. (…) Antigamente as pessoas escreviam muito e as cartas eram meio de transmitir notícias e muitas delas, com maior ou menor valor literário, tornaram-se testemunho dos factos, acontecimentos, ideias e sentimentos. Mas hoje, hoje as pessoas telefonam ou encontram-se, devido à facilidade e rapidez dos transportes e das comunicações, e o tempo é pouco, paradoxalmente, devido à sobrecarga do que se gasta em transportes, sentado frente à TV ou em tarefas domésticas. O mesmo sucede com o convívio e a conversação: por vários motivos os cafés e as tertúlias desaparecem, só se conhece o vizinho da frente ou do lado, quando se conhece, e as pessoas metem-se na sua concha, casulo, carapaça ou buraco. Muita gente junta, ao alcance da mão ou da voz, não significa que estejamos mais acompanhados e humanizados. (…) (Victor Nogueira à «Maria do Mar», 18.08.1993)
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[Conforme Da Carta - Garcia de Resende e Victor Nogueira]

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clicar no texto para ler

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Notas

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Desenho

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concepção - Camilo Monteiro e Victor Nogueira

desenho - Camilo Monteiro

Fundo - vermelho

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Falta o grafismo final. O cartaz venceu o concurso da Comissão de Festas dos Finalistas de 1973 (ISESE), mas a CENSURA impediu a sua impressão.

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Proclamação

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Aprovada no Plenário de Estudantes em 3 de Maio de 1974.

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A proposta resulta da síntese de três documentos aprovados pelos estudantes em plenário de 26 de Abril de 1974, dessa síntese ficando responsável o editor deste blog - Victor Nogueira

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O 1º Plenário realizou-se no entretanto ocupado edifício da Legião Portuguesa (salvo  erro ao lado da Igreja da Misericórdia e perto do Salão Central Eborense), porque a Direcção do ISESE não autorizou a sua realização nas instalações do antigo Tribunal da Inquisição, onde funcionava o Instituto, pre-cursor da «restauração» da Universidade de Évora sob a Direcção e Controle da Companhia de Jesus, após a sua extinção pelo Marquês de Pombal, no século XVIII.

O 2º Plenário realizou-se nas instalações do ISESE, com autorização da respectiva Direcção, incluindo estudantes, professores, jesuítas ou não, e empregados, com sucessivas tentativas da Direcção para impedir o Plenário. Apenas os estudantes tinham direito a voto naquele Plenário embora todos os participantes tivessem liberdade para intervir.

Face à atitude dos jesuítas, o editor deste blog, que presidia ao Plenário, avisou então que o mesmo se realizaria naquele local ou prosseguiria imediatamente noutro  e, perante o apoio dos estudantes, as sucessivas obstruções cessaram.

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Hoje o Verbo é o ISCSTE, mas antes deste existir já havia o Mundo e se estudava Sociologia e Gestão de Empresas, no Instituto dirigido pela Sociedade de Jesus e financiado pela Fundação Eugénio de Almeida [Conde de Vilava] para formar os quadros superiores para gerir com outra «abertura» as empresas capitalistas e a Administração Pública.

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Salazar nunca viu com bons olhos aquela Escola, onde a Sociologia era por ele tolerada numa semi-clandestinidade e frequentada também por filhos de grandes capitalistas. E talvez por isso e devido à intervenção dos "subsidiantes" e da Direcção do Instituto a  PIDE/DGS nunca incomodou os estudantes contestários, incluindo a Direcção da Associação dos Estudantes, ao contrário do que sucedia nas restantes Academias, que   olhavam  para a AEISESE com um certo "distanciamento"
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«Sociologia» já pelo nome era na altura subversivo. Quando disse ao meu padrinho, em Lisboa, que ia trocar «Economia» em Lisboa por «Sociologia» em Évora, ele comentou que eu fazia mal, porque isso do «comunismo» era uma treta. Eu gostava muito do meus padrinhos, que tinham andado comigo ao colo em Luanda e cujos quintais confinavam com o r/c da vivenda da Rua
 Frederico Wellwítsch, alugada aos meus pais pela senhoria que morava no 1º andar.
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Entretanto retirado em Lisboa com os rendimentos do comércio de armamentos que manteve em Lisboa depois de 1961 (4 de Fevereiro e 15 de Março) exigia naturalmente, como a minha madrinha, que a criada Maria Antónia, vivendo no quarto de «arrumos» (1), estivesse de serviço permanente e desperta para recebê-los fosse a que horas regressassem de madrugada e que estivesse de manhã cedinho a pé para servir-nos o pequeno-almoço, na casa onde havia sempre um quarto para mim, aparecesse eu quando aparecesse. Por outro lado os negócios em Lisboa e de armamento em Luanda permitiam duplas virtudes e privados defeitos, que era manter uma «espanhola» que sustentava em apartamento por ele pago para garantir a «fidelidade». Entretanto, a minha alegre e rica madrinha ia curar as «neuras» que fingia não ver para as Caldas da Rainha.

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(1) - Este quarto de «arrumos» existia normalmente anexo à cozinha, quer nas vivendas de Alvalade ou dos andares das Avenidas Novas em Lisboa, quer nos «andores» então «finos» do Bairro do Liceu, em Setúbal. Apesar de tudo, sempre tinham melhores condições de habitabilidade vigiada que os tugúrios da «bucólica» aldeia de origem das «criadas», para todo o serviço ou não.
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A Maria Antónia, tal como as «criadas» para todo o «serviço» permanente, tinha uma tarde de domingo de «folga» cada 15 dias. Na altura eu tinha 16 anos e estudava no Porto, mas quando vinha a Lisboa tinha sempre um quarto na casa dos meus padrinhos. Às vezes eu e a Antónia, jovens, saíamos, passeávamos, conversávamos ou íamos ao cinema. Apenas como amigos e nunca como amantes, o que era um caso raro entre um «menino» e uma «criada». Depois regressei a Luanda e durante anos escrevemo-nos com regularidade espaçada. Um dia, a correspondência cessou abruptamente, não porque ela tivesse morrido mas talvez por se ter «entregue» a algum magala. Nunca mais soube dela, embora anos depois uma das minhas tias a tenha encontrado numa rua de Lisboa e terem falado uma com a outra.
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Porque fui parar a Évora?

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Falar sobre Évora respondendo ao teu desafio? Fui parar a Évora em 1968, desiludido com Económicas, no Quelhas, que troquei por Sociologia numa Escola dos jesuítas. Os Jesuítas revelaram-se uma desilusão e a cidade, para mim parada no tempo, era uma ilha de pedra e cal no meio do deserto, e de que gostava quando a via pelo retrovisor da carreira dos Belos, a caminho do Porto ou de Lisboa.


Nós, os não alentejanos, parávamos pelo Café Arcada, que trocávamos pelo Portugal em dia de Terça-Mercado, quando era ocupado pelos agrários, cinzentos como cepos sem vida. Enquanto estudante vivi num quarto alugado com vista para um pátio, sempre invadido pela malta quando não estávamos no café, para desespero da hospedeira. Habituado a ter como horizonte o mar infindo, aquela janela virada para uma parede foi um «tormento», um sufoco, Claro que poderia ter trocado por um quarto igualmente amplo com vista para a rua (do Raimundo), mas isso significaria perder o silêncio e o sossego pelo na altura para mim insuportável ruído daquela.


Depois de casado alugámos uma casa na Serpa Pinto e qualquer delas ficava ao pé da Praça do Giraldo. Hoje, não te sei dizer se gosto ou não de Évora. Voltei lá um dia destes, mas já não era o mesmo. A malta dispersou-se. o Arcada era outro, o Portugal uma loja, a casa da D. Vitória estava em obras porque ela morrera e seria alugada a outrem e, na praça do Giraldo, junto à Livraria Nazareth, já não estava a malta, dispersa sabe Deus por onde. De Évora e dos amigos comuns vou sabendo quando telefono a uma amiga minha que por lá ficou.


[Estive para ir em busca do Pe. Augusto da Silva, sj, com quem sempre tive uma relação cordial e de estima que julgo era retribuída, apesar das nossas divergências e «discussões», mas desisti. Almocei na «Pensão os Manuéis» e, surpreendentemente, decorridos tantos anos, o empregado e a cozinheira reconheceram-me e cumprimentaram-me efusivamente]
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[Depois de escrever estas memórias resolvi telefonar ao Pe. Silva, que me reconheceu logo. Disse-me que já tinha 78 anos e eu retorqui-lhe que pouco mais novo era que ele, que me respondeu imediatamente que não, que eu era um jovem que devia ter ... 63 anos, ao que lhe respondi rindo: enganou-se por pouco: tenho 62 e veja lá como éramos jovens quando nos conhecemos, cada um então do lado «diferente» da barricada!
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Tivemos uma longa, amigável e franca conversa, trocamos opiniões sobre as lutas estudantis e as nossas divergências, verifiquei que tínhamos opiniões idênticas na apreciação dos acontecimentos e dos professores, deu-me notícias com o seu habitual bom humor, agora menos retraído, sobre colegas meus e alunos dele, do Henrique Granadeiro ao Victor Ângelo, do Carlos Fortuna ao Sertório, do Custódio e da Fátima Cónim ao João Lucas, entre muitos outros, e a meu pedido deu-me notícias sobre os jesuítas - alguns deles já falecidos e sugeriu-me que em Lisboa visitasse o «Ginjas», que haveria de ficar contente ao ver-me. E fez-me prometer que quando fosse a Évora o procuraria para almoçarmos e conversarmos]

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Não é esta uma viagem virtual como a que se calhar esperavas. Tu dirás de tua justiça. (Kalinka -2007.o6.03)

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Fui ao «engano», verifiquei depois.


 Em Angola, no Verão, o Centro de Estudantes Católicos da Universidade de Luanda promovia Cursos de Férias, dos quais frequentei dois:


* A Igreja no Mundo Contemporâneo - III Curso de Férias do Centro de Estudantes Católicos, Luanda, 1966 Agosto

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* Economia e Sociologia do Desenvolvimento - VII Curso de Férias do Centro de Estudantes Católicos, Luanda, Agosto 1970

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Os cursos, em regime de internamento, abertos a rapazes e raparigas universitários de Angola ou de Portugal, caracterizavam-se pela sua abertura e pela franca convivência, não sendo requisito para a sua frequência o ser-se católico. Mas a maioria dos seus participantes eram aquilo que se considerava então serem os católicos progressistas, numa perspectiva aberta pelo Concílio Vaticano II (1962-1965). Eram dirigidos por sacerdotes jesuítas, os Padres José Primeiro Borges (brasileiro) e Miguel Ponces de Carvalho.


Como fui parar ao III Curso não me lembro, mas talvez tivesse resultado de ter muitos amigos e colegas de Angola alojados no Colégio Universitário Pio XII, em Lisboa, onde me deslocava frequentemente e com quem convivia, mas não só.


Depois do III Curso (1966), criei uma nova rede de amigos e amigas universitários católicos - religião que já não professava em 1968. Todos nos reuníamos regularmente em Lisboa, sob a direcção «espiritual» do referido sacerdote jesuíta, e que não impediu a minha saída da Igreja. Continuei sócio do Cine Clube Universitário de Lisboa mas não me inscrevi no Círculo de Cinema da Procuradoria dos Estudantes Ultramarinos ou no Cine Clube Católico. Era  sócio da Procuradoria, que sucedera à subversiva Casa dos Estudantes do Império,  como muitos outros estudantes das então colónias, porque era a única maneira de beneficiarmos de substanciais descontos nos bilhetes da TAP, nas Férias Grandes, e de   assistência  médica no Hospital do Ultramar, em Lisboa (hoje Hospital Egas Moniz)

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Desiludido com Económicas, com um ensino absurdo e magistral, de que darei testemunho noutro «artigo», não querendo voltar atrás para mudar de alínea no 3º ciclo liceal para poder seguir engenharia geofísica, electrotécnica ou mecânica, desaconselhado de ir para a Universidade Livre de Bruxelas, postas de lado a frequência do ISCSPU - Ciências Sociais e Políticas (pela sua conotação ideológica) ou do ISPA - Psicologia Organizacional ou do Trabalho (escola superior particular não reconhecida pelo Governo) restava-me Sociologia, em Évora, uma Escola dos Jesuítas.

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Antes de decidir matricular-me, ouvi várias pessoas - os psicólogos Maria Belo e João Santos, o dr. João Salgueiro, economista, que fora  professor no Quelhas  e, claro, o sacerdote Jesuíta José Primeiro Borges e todos me incentivaram a inscrever no ISESE, como escola com futuro.

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Fui pois frequentar um curso de sociologia, cujo programa de estudos conhecera antecipadamente. Mas a escola, os professores, o tipo de ensino e as relações humanas, culturais e sociais que fui encontrar foram um autêntico balde de água fria e um choque brutal. Nada tinha a ver com a «abertura» dos Cursos de Férias da Universidade de Luanda, nada tinha a ver com a «igualdade» na Academia de Lisboa, nada tinha a ver com a «fraternidade» do grupo de católicos progressistas com quem convivia e continuei a conviver, estes sob a direcção espiritual dum outro sacerdote da Companhia de Jesus, que nada tinha a ver com o que fui encontrar, nem com o «espírito» do Vaticano II (Creio  que apenas eu e o Victor  Ângelo nos matriculámos em Sociologia por opção consciente e não como único ou último recurso)

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O que encontrei foi uma sociedade fechada, um ensino essencialmente dogmático, livresco, escolástico. Uma escola com uma «rigorosa» separação e segregação sexual - que o nosso curso de sociologia e de economia estilhaçou. Uma escola claramente estratificada - uma «elite» de meninos queques que faziam vida à parte, com uma ou duas excepções, todos em Economia, uma massa pequeno burguesa citadina ou rural que pretendia ascender socialmente, e um grupo heterogéneo da classe média das colónias - eu, o Camilo, o Lira Fernandes - e outros do Porto, Lisboa, Santarém ou Alentejo. (como por exemplo,  o João Garcia e a Filomena, o Nunes da Ponte, o Mota de Oliveira, o  Luís Carmelo, o Vidigal Pereira, o Manuel Gonçalves,a Maria Antónia, o Tó Veladas, o Valentim e a Domingas, a Lúcia, a Dídia e o irmão, o Zé Pinto, o Tobias e a Lídia  ... )  Éramos um grupo sedeado no Café Arcada, heterogéneo, crítico, «independente», com intervenção cívica e cultural na cidade, que fazia a ponte entre os «perdidos» ex-seminaristas - em Sociologia - das Beiras e de Trás os Montes (sem eira nem beira nem dinheiro para gastar no «café») e os «eborenses» do Café Portugal.

E naturalmente porque tinha «luxos» e «preciosidades» como máquina de escrever Olivetti Lettera 2000 e de calcular Facit, máquina fotográfica, mas não automóvel, «chasso» que fosse, gira-discos e discos e uma biblioteca razoável, havia dois pólos de reunião para além do Arcada - o meu quarto - o das discussões políticas e culturais (para desespero da minha hospedeira porque era sempre um corrupio de rapazes e de algumas raparigas, incluindo grande parte das hóspedes, meninas ou senhoras) - e o cenáculo em casa da Margarida Morgado, das sessões musicais de piano ou viola e de poesia ao vivo - onde muitas vezes, dado o meu pragmatismo e realismo, fazia papel de elefante numa loja de porcelana.
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Também era o único «estrangeiro» que tinha um televisor mas esse emprestei à dona da pensão e hóspedes, indo assistir aos raros programas que me interessavam, incluindo as conversas do Marcello e o Zip Zip, no popular Café Alentejano.

Éramos «naturalmente» influentes, independentes, críticos do partido comunista que no entanto respeitávamos, por isso não anti-comunistas, e o volume I do Livro Branco do ISESE escrito pelo jesuíta António da Silva - tão disciplinado e «obediente» como os comunistas - dá toda a razão aos estudantes, acerca da mediocridade mental, «dualista» e não isenta cientificamente. A História do ISESE não é aquela que o jesuíta António da Silva «dita» sem contraditório para a «posteridade». Acredito que o irmão Augusto da Silva seria mais isento e seguramente que o texto seria outro se escrito por mentes abertas como a de Lúcio Craveiro da Silva, Vaz Pato ou Francisco Primeiro Borges. Ou estarei enganado? É da prática que nasce a teoria e a sua validade e adequação demonstra-se na prática. Não será aqui que se distingue a escolástica da dialéctica? «E no entanto, a terra move-se».

Dá vontade de rir se não fossem indigentes considerações as que consideram que estávamos orientados e controlados pelo Partido Comunista, que fôssemos a anti-autoridade (o demónio?) que queria destruir a Escola e correr com a Companhia. Deliberadamente ou não, quem «perdeu» a Escola foi o Director jesuíta António da Silva. Por causa do 25 de Abril e de então o Poder ter aparentemente caído na rua. Surge clarinho como água, hoje sem ilusões, ao reler o Livro «negro» do ISESE.

Em 25 de Abril o grupo «subversivo» era maioritariamente dos 4º e 5º anos de Economia e de Sociologia», que, terminado o curso, deixou Évora. Quem continuou e «dirigiu» a luta, a partir de então, foram os alunos de cursos posteriores. Com uma ligeira «nuance»: ao contrário do anterior, a maioria eram, nessa altura, esquerdistas, anarquistas, puros ML ou brigadistas, e anticomunistas, inimigos da burguesia e do «social-fascismo». Todos eles seguiram depois rumos diferentes mas sempre consegui estabelecer uma ponte com eles. A maioria deles reconhecia a «nossa» liderança na qual - com isenção «científica» e sem falsas modéstias - se destacavam o Viegas e a minha pessoa. Constato como simples facto, sem qualquer «interpretação» ou juízo valorativo, que no ano anterior um membro da Direcção do ISESE me propôs ser-me reconhecido apenas a mim [em 72/73] o plano de estudos anterior à «reforma» curricular (o que de facto significava «largar» o grupo de estudantes do 5º ano que reivindicavam o plano de estudos vigente à altura da sua matrícula - 68/69 e 69/70]
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A contrapartida era regressar a Angola. «Deus» sabe quanto a mediocridade de évoraburgomedieval me era tormentosa, quanto desejava sair do sufoco de Évora e do ISESE, mas coerente e naturalmente não aceitei a quebra da solidariedade, da razão e da «justiça» em proveito próprio. E hoje é a 1ª vez que o digo em público porque acabei de (re)ler o «faccioso» livro negro do jesuíta e antropólogo António da Silva. Grato a este por, decorridos tantos anos, uma «releitura» da sua «obra» me ter «aberto» definitivamente os olhos e mostrar sem piedade alguma santa inocência ou ingenuidade que ainda estava em mim.

O  post 25 de Abril de 1974

A lista dos professores a sanear foi decidida por votação maioritária em cada curso e cada ano, comunicada no tal Plenário Geral pelo delegado livre e democraticamente eleito em cada curso e sujeita à ratificação da Assembleia. Ninguém estava impedido de falar e de votar contra, ninguém foi perseguido se o fez, todos foram convocados antecipadamente e ninguém foi impedido de comparecer, neste ou em qualquer outro Plenário subsequente. Se isto não é democracia, então eu vou ali e já volto. Nunca esteve na minha maneira de ser fazer votos de «obediência» cega ou prescindir do meu escasso «livre-arbítrio» ou armar em xico-esperto, estando este a ver para que lado sopra o vento mais conveniente.
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Aceito as decisões democraticamente tomadas por maioria, desde que não vão contra os meus princípios éticos e a minha crença na Humanidade, apesar da sua «obra» destrutiva da Vida e da Natureza, mas de que apenas uma minoria tem consciência ou vê para além do palmo à frente do seu nariz.
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Os cursos do 5º ano de Economia e de Sociologia e os delegados
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Não sei quem encomendou a «obra» testemunho dum autor/actor «responsável pela «Direcção» autocrática do ISESE que se seguiu à do «diplomata» florentino Lúcio Craveiro, «Direcção» de que se teria demitido para dar lugar á do interino Vaz Pato, aberto e aceite pelos estudantes, na fase de entrega transitória das chaves das paredes.
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Coincidentemente ou não, a ocupação estudantil dá-se em 17 de Setembro de 1974 (páginas 180/182), escassos dias antes do célebre «acidente» manifestação da «maioria silenciosa» em 28 de Setembro de 1974, sendo elucidativo o comunicado «autocrático» e provocatório (fruto do «centralismo», democrático ou não?) do «Director» António da Silva, sj (e não da «Direcção») de 1 de Agosto de 1974 (páginas 162/164) e o comunicado da «Direcção» interina do Padre Vaz Pato, sj (comunicado das páginas 183 a 188) e a publicitação do reconhecimento da justeza da luta estudantil pelo PCP/PS - comunicado conjunto - do MJT (MDP) e do MES (páginas 189/193). Dos «arquivos» só constam estas? Não houve outras? E se não houve, porquê? Note-se a suspensão das actividades feita por comunicado «prudente» da Direcção datado de 18 de Setembro de 1974 (páginas 186/188).
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Os chamados últimos ataques dos «ocupantes» (FASE G) na isenta análise científico/militar do «atacado na defesa» datada de 28 de Novembro de 1974 (370 dias antes do vitorioso golpe contra-golpe «democrático» de 25 de Novembro de 1975, que na Região da Grande Lisboa instaurou o estado de sítio e a proibição da edição da imprensa e amordaçou a comunicação social, «livre» ou «eufeudada», durante 3 dias) ...
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Em 1974 «Direcção» do ISESE ainda não «previa» o futuro nem sabia ou «conhecia o inquestionável «vencedor» do 25 de Novembro de 1975, apesar de residir paredes meias na residência do Espírito Santo com a da dos filhos de Campalimaud e doutra «companhia».
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Note-se o ponto 6 do comunicado do «Director» do ISESE, (1 de Agosto de 1974) e toda a fraseologia paternalista, eivada de «menoridade mental dos alunos» dos primeiros anos, que pretendiam utilizar os meios humanos e financeiros do ISESE, «de modo a não «serem desviados do autêntico serviço do povo e malbaratados por qualquer grupo de privilegiados da fortuna mas reservados ao progresso cultural das classes trabalhadoras de facto» (páginas 162/164)
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«Privilegiados» a maioria pequeno-burguesa ou de ex-seminaristas dos 3 primeiros anos? Onde param eles e os que os antecederam, Qual a base «científica» desta conclusão? «Progresso cultural das classes trabalhadoras»? Quais, se não havia alunos «voluntários», salvo os que tivessem cumprido o serviço militar. obrigatório ou não, na defesa dos valores da «civilização ocidental e cristã»? Os «pobres» filhos dos assalariados rurais alentejanos ou dos operários da Siemens tinham qualquer representatividade no corpo discente? Qual a percentagem? Que acções de natureza cultural promovia o ISESE comparáveis às da Sociedade Cultural e Operária Joaquim António de Aguiar, às visitas guiadas de Túlio Espanca ou ao Centro de Cultura Musical dirigido por professores do Liceu de Évora (salvo erro o Serpa  e  o Patrício)  ou do Núcleo de Évora do Centro de Estudos e Animação Cultural, com sede na Figueira da Foz e dirigido e animado por um sacerdote católico? Que cursos de férias promoveu o ISESE? Seriam «subversivos» os que os Padres Jesuítas José Primeiro Borges e Miguel Ponces de Carvalho dirigiam no Centro de Estudantes Católicos da Universidade de Angola, em Luanda, e que o primeiro «acompanhava» espiritualmente em Lisboa? Seria subversivo o sacerdote Basco da Companhia que leccionava Sociologia Urbana?
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Que trabalhos de campo, de investigação participante constavam do plano de estudos do ISESE ou eram incentivados, para ligar a teoria à prática e conhecer a «realidade»?
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Que «comunidade académica» era aquela que surgiu em Maio de 1974? Comunidade «real» em que devia haver voto de obediência cega como dizem ser a dos comunistas e praticada pela Companhia, a inquestionável senhora da Verdade e única intérprete do «autêntico serviço do povo», definidora dos «autênticos alunos» contra «qualquer grupo de privilegiados da fortuna», contrários «ao progresso cultural das classes trabalhadores»?
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Donde provieram «minorias» (não representativas e sem poder por «minoritárias») como Champalimauds e «amigos»? Quem é ou foi membro de Conselhos de Administração ou Presidente de Fundações ou «fracas» empresas de «sucesso», essas sim, que têm como objectivo o «autêntico serviço do povo» (é assim mesmo que está escrito, mas não Povo, talvez por «modéstia» do intérprete do Verbo) (cf página 164). Quantos são «quadros» superiores de «modestas e pequenas» empresas ou altos representantes do Poder Central Democrático ou eleitos pelo pagode ou zé povinho e maria ou manel, para o cada vez mais asfixiado Poder Local Democrático? Quantos e quais são «quadros» dirigentes da Administração Pública e do Estado? Que Poder têm e com que finalidade o utilizam?
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Bom tema para investigação a ser efectuado sob a direcção de qualquer professor da Sociedade de Jesus na estadual e pública Universidade de Évora!
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Naturalmente a «Direcção» do ISESE sabia tudo o que se passava entre os estudantes. As reuniões destes eram abertas, nenhum estudante era impedido de intervir, apresentar propostas, defender as suas e «atacar» ou criticar as outras e serem todas submetidas à votação.
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Não foi a nenhum colega «brilhante» por altas classificações em exames finais que os estudantes entregaram a redacção da «Proclamação», síntese de 3 documentos e das intervenções aprovadas em 30 de Abril (páginas 97/99) sujeita a debate a aprovada no Plenário de 3 de Maio de 1974 (páginas 101/102). Em 30 de Abril o Plenário dos estudantes reuniu-se  fora das instalações do  ISESE  e na entretanto ocupada sede da Legião Portuguesa, por acaso instalações disponíbilizadas talvez pelo MDP/CDE - Movimento Democrático Português, apenas porque a Direcção do Instituo proibiu a sua realização dentro do antigo Palácio da Inquisição.  

Mas a sede do MDP/CDE passou a funcionar depois na Rua do Raimundo, nas instalações da ANP/UN - Acção Nacional Popular/União Nacional. por acaso paredes-meias com o casarão onde estive hospedado durante 6 anos, para cujo pátio dava uma janela que, apesar de gradeada, não impediria que durante todo esse tempo a ANP/UN se deliciasse com a música clássica ou do José Afonso, Adriano, José Mário Branco, Les Chants Revolucionaires du Monde entre outras que jorravam diária mas não provocatoriamente para o exterior da janela aberta do meu quarto alugado com vista para a parede defronte. Foi ao Victor Nogueira, «autêntico aluno» mas não figurante do Quadro de Honra. O resultado da «luta» estudantil seria o mesmo e o documento estandarte dos estudantes seria outro. 

Mas ... «subversivo» um documento que reflectia o apoio ao MFA, sem «cautelas», que invocava a Doutrina Social da Igreja e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU), base para negar a gestão autárcica da Companhia? «Ataque reivindicativo e desestruturante - Fase A» (página 95) quando apenas foram saneados quatro professores, considerados incompetentes, uma minoria no corpo docente. Um deles membro da Companhia, minoritário face à não posta em causa competência dos restantes «companheiros»? E ficaram de fora um, pessoa assim e assim, que tinha uma sebenta de Estatística, simples cópia confusa e mal plagiada e apresentada como de sua autoria. Mas era uma cópia mal resumida da de Economia (ISCEF), que por azar ou sorte eu tinha. E ficou de fora outro, boa pessoa, mas que apenas lia a sebenta nas aulas e não sabia responder a qualquer pergunta dos alunos. O único saneado que na minha opinião era «inocente» era o Professor de Previdência Social.
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Os cursos do 5º ano elegeram cada um o seu delegado (o de Sociologia foi o Victor Nogueira) e o Plenário votou dos dez delegados quais constituíram a Comissão Coordenadora das Actividades da Associação dos Estudantes. Os cursos do 5º ano de economia e de sociologia e os seus delegados não apresentaram qualquer nome para saneamento.
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Foi a heterogénea Comissão Coordenadora (para a qual fora eleito) que fez a ponte para evitar a «cisão» dos estudantes. Os «radicais» do 1º, 2º e 3º anos queriam a abolição imediata de todos os exames o que significaria que os do 4º e 5º anos não terminassem os cursos e ficassem entre o dilema de não os concluírem ou «quebrarem» a unidade da justa luta em que todos estavam envolvidos. Assim os «autênticos alunos», responsáveis, conseguiram uma «lúcida» solução de compromisso que não «encravasse» qualquer das partes: os estudantes do 4º e 5º anos podiam apresentar-se aos exames e os do 1º, 2º e 3º anos não se apresentariam. assim se manteve a unidade e solidariedade entre a esmagadora maioria dos estudantes.
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O autocrata jesuíta António da Silva, recém-convertido à democracia mas com reserva mental, manipula números e representatividades, em defesa duma «maioria silenciosa», termo idêntico à que livremente e a partir do "autêntico" Portugal, do Norte, manipulado pela Igreja Católica mas não só,  desceria em 28 de Setembro de 1974  para esmagar 
   Comuna de Lisboa e para prestar apoio ao democrata de última hora, o general do pingalim e monóculo, acompanhante das «civilizadas» tropas nacional-socialistas durante a invasão dos sub-humanos eslavos na II Guerra Mundial, na Frente de Estalinegrado.
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Vaidoso e sedento de poder, o homem a quem «ilegalmente» o jurisconsulto Marcello entregou o poder para que este não caísse na rua, foi habilmente lançado para a frente de combate onde se queimou ingloriamente, em 28 de Setembro de 1974 e em 11 de Março 1975, em fuga para a Espanha da Falange   de Francisco Franco, para liderar a rede do bombista do ELP/MDLP e das miméticas FP 25 de Abril doutro grande estratega Otelo, que com a PIDE foram as causadoras dos crimes de sangue e ataques bombistas e incendiários, a esmagadora maioria a Norte de Rio Maior, onde ficava o verdadeiro Portugal. Um deles que não queria libertar de Caxias os acusados de crimes de sangue nem os comunistas, outro impante declarou que metia todos os reaccionários na Praça de Touros do Campo Pequeno. Ambos brilhantes estrategas, um em fuga a 28 de Setembro e 11 de Março, outro «desaparecido» e a dormir em casa depois de em 25 de Novembro dar luz verde para a saída das suas «tropas»,  por ele abandonadas no terreno. Que teria sucedido se não tivesse havido nessa madrugada uma reunião entre Costa Gomes, Melo Antunes e Álvaro Cunhal? Que teriam feito Jaime Neves e os da outra «companhia»?
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A «Análise do Processo» (páginas 79/98) é isenta e a terminologia «científica»? «Ataques e contra-ataques» têm ressonância militar e pouco «evangélica». Mas quem sou eu para emitir tais opiniões! Onde está a fundamentação dos estudantes? Não existe uma colecção completa nos arquivos da Companhia? Se não existe, que imprevidência a duma instituição vocacionada para a «neutra» investigação social em acautelar a «guarda» de documentos publicamente distribuídos. Se existe, porque não é publicada pelo menos em anexo, para possibilitar um livre arbítrio e formação da opinião? E se o Livro é branco, não deveria publicar os «documentos» classificados e não «abertos» ao público?
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O cerne do processo é o Poder de transmitir a ideologia aos «alunos autênticos» e a sua legitimação. O resto é fumaça.

Um dia que seja possível comparar lado a lado a documentação do livro «negro» dos detentores da Autoridade inquestionável, e a do livro «branco» dos estudantes ver-se-á quem em Évora estava ao lado da democracia, da
 justiça social, dos pobres e do Vaticano II.


Mas a dialéctica tem disto: há os que encornam acrítica ou interesseiramente (para manter o status social ou para «subir» na vida, e os que questionam. A ambos, verdade seja dita, os jesuítas de Évora deram as mesmas armas e os mesmos livros. Só que nenhum de nós tinha feito nem voto de pobreza, nem de castidade, nem de «obediência» cega. E mesmo a «obediência» pode ser inteligente. E a defesa da «Fé» não se compadece com a «soberba» ou falta de «Esperança». Deviam ter tido mais fé no demo-crata republicano, súcialista, jacobino e laico Mário Só-Ares.

E o que se poderia esperar do Livro Branco escrito pelo jesuíta António da Silva - o que detém a «Verdade», é que na prática demonstrasse a «isenção», o «respeito» pelo Outro e a assepcia científica que livrescamente «admitiam» nalgumas aulas e por alguns professores. E que defendendo a investigação no terreno e participante - assim ao estilo dos padres operários e da Igreja da Libertação - soubessem ser neutros na «investigação» científica em ca(u)sa própria.


Tal como em qualquer escola «superior» há o bom e o mau, a cegueira ou o livro arbítrio, Paradoxalmente ou não, aos jesuítas cabe o mérito de nos terem dado as «armas» cujo «controle» e «direcção» perderam, deliberadamente ou não. Só eles sabem qual a sua estratégia e qual a melhor táctica para não darem «armas» ao outro lado da barricada. Cristo era judeu e foi Pedro quem o negou e os seus compatriotas que o «mataram» e à Boa Nova.


Tivémos em Évora bons professores, jesuítas ou não. E como em toda a parte, tivemos também maus professores. Jesuítas ou não. Diferente foram a (des)aprendizagem ou (a)pontaria!  

.A "história" do ISESE

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Quando um dia for escrita a história do ISESE, verificar se à quão castradora foi a sua acção - e esterilizante - quão veementemente destruiu nas pessoas a espontaneidade, a solidariedade, a camaradagem. Não propriamente destruir, porque esta maldita sociedade portuguesa feudalizada, cinco séculos de história contribuíram para nivelar as pessoas no temor, na mediocridade e na inautenticidade. A coragem, a hombridade, a lealdade, o entusiasmo inovador, eis o que falta ao castrado povo português! (NSM -
1971.01.14)

.Uma "loucura"

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Escrevo te e ouço a "Sagração da Primavera" do Stravinsky. Sou doido! Estou endividado, preciso urgentemente de renovar o meu inestimável guarda-roupa, não quero pedir dinheiro para casa, não sei como ganhá-lo ... E continuo a gastá-lo em livros e discos! Sei que não devo fazê-lo, que ficarei chateado por isso, mas continuo a fazê-lo. (NSM -
 1971.01.14]

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De balde procurando emprego

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Évora, já em tempo normal de aulas é de um tédio estupidificante, assustador. Pensei arranjar um emprego, mas aí começam as dificuldades, pelo menos pensando em termos de Évora. Inscrevi me no Serviço Nacional de Emprego, (por descargo de consciência, mas sem grande esperança, no Liceu (há uma vaga para professor de Geografia do 4º, 5º e 7º anos). (NSF -
 1971.11.17)

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Baldadamente tenho procurado emprego. Um lugar de professor de Geografia no Liceu ardeu, por falta de cunhas. Um lugar de professor de Matemática na Escola de Regentes Agrícolas de Évora (à falta de Engenheiros Agrónomos interessados) é uma possibilidade a confirmar (ou não) na próxima semana. Um emprego junto dos serviços profissionais possibilitar me ia ir preparando o trabalho de fim de curso. Traduções ou explicações são outra hipótese para melhorar a minha (cronicamente) desequilibrada e crónica situação financeira. Outras poderiam surgir ou ser encaradas, mas o carácter eventual que têm de assumir, (quase) forçosamente, é uma grande dificuldade. (NSM -
1971.12.09)

.Évora e o Mota de Oliveira

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(...) Falei te dum poeta açoriano, admirador do Antero de Quental. É um jovem entusiasta, extremamente emotivo, com os nervos à flor da pele; é um cata-vento agitado por emoções e sentimentos, para quem Évora é contra indicada. Para ele tudo é extremamente belo e maravilhoso. Falei também da sua intervenção na ASSEMBLEIA de Dezembro, que sabe, mas não diz, que isto é uma "pileca velha, sarnenta e cheia de moscas."

Pois o Carlos [Mota de Oliveira], que é um temperamental, não suporta o Rola [cónego Henrique Marques]. Perante uma intervenção daquele, o Rola começou a desviar a conversa e a falar na imaturidade impreparação dos estudantes para discutirem, pela falta de visão panorâmica da matéria - blá, blá, o que levou o Carlos a abandonar pura e simplesmente a aula. Mostrou me o rascunho da carta [que ia enviar à Direcção do ISESE] mas não consegui convencê-lo a suprimir o final do primeiro período do sexto parágrafo [de A CONSCIÊNCIA]! Não sei o que lhe sucederá ! (1) (NSM - 1971.01.14)

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1 - Entretanto o Carlos abandonou o ISESE e nunca mais soube dele. Sei que tem livros de poesia publicados porque os tenho visto em livrarias. (1998)
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Carlos Mota de Oliveira

Carlos Mota de Oliveira nasceu na cidade de Lisboa, em 1951. Passeou-se pela Escola Primária na ilha de S. Miguel, o Liceu em Luanda e Lisboa, a Universidade na cidade de Évora. Escreve, publica e é publicado desde 1973.
Obras publicadas na Caminho
 Versículos Sacânicos 
(1.ª edição, 2003)
«Caminho da Poesia», n.º 76


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Pátria e Poejos
Carlos Mota Oliveira
Capa mole. Editorial Teorema, 2001
9726954541 / 972-695-454-1 
http://www.criticaliteraria.com/images/Q/a99e8c67278d5e7da9d9c44447ef2f5d/9722115367/mini.jpg
Versículos Sacânicos
Carlos Mota Oliveira
Capa mole. Editorial Caminho, 2003
9722115367 / 972-21-1536-7

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Do nosso «grupo» do Café Arcada fazia também parte o
 Luís Carmelo mas este já passou à História ao contrário deste bloguista.

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A malta e cenas do Arcada I
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Olho à minha volta e vejo malta conhecida: além, o Morte que me acena, como o Calisto, que há muito não via. O namorado da Gabriela discute acaloradamente e o senhor D. Alexandre de Lencastre (
[1]) conversa com dois amigos (sê‑lo‑ão ?), que falam também com a cabeça e as mãos. Aqui, à minha esquerda, está o velhote pequenitates que anda à Charlot; costuma pôr uma flor no copo de água que normalmente acompanha a bica, fala em verso - os dois últimos primam quase sempre pela falta de rima e métrica - e oferece moedas da sua colecção às personalidades importantes que passam por Évora e às caras bonitas. Fala com toda a gente e não sei se falará com alguém. Quando regressei de Luanda reparou que eu tinha rapado a barba ... largos meses depois do acto solene que me tornou irreconhecível ao espelho, provocando‑me, durante alguns dias, ataques de hilariedade frente àquela face rejuvenescida e francamente risonha, sem o sorriso voltaireano que dizem ser o meu - irónico e trocista - de que muitas vezes me apercebo mas não contenho, mesmo nos momentos mais solenes e sérios, de gravidade de circunstância. (...) O ar está [agora] pesado; olho à minha volta e há clareiras na humanidade que me cercava. (NSF -1971.01.31)
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[1]. - O senhor D. Alexandre de Lencastre era entre nós conhecido pelo BIDON, porque a família o baptizara como «D. Alexandre de Lencastre», conveniente para o devido tratamento numa república. Mas assim sendo, ele ficou a ser o Senhor D. D. Alexandre de Lencastre! Se a história verdadeira é esta, não sei, mas lá que era o que corria, disso não tenho dúvidas.

Estou no café, no "velho", barulhento e de ar viciado que é o Arcada. Deixei os jornais em cima de uma mesa, para marcar o lugar, enquanto ia à tabacaria comprar uma folha de papel. (...) Ao regressar encontrei um moço a folheá-los muito descontraidamente. Devia ser dos Regentes Agrícolas. Que ficou algo atrapalhado e balbuciou pensando serem do café. Que não acabou de lê-los, apesar da minha cordialidade.

Enquanto escrevo vou bebendo o galão e comendo a sanduíche de fiambre, acto quotidiano das 17 horas. Na sala meio cheia umas pessoas conversam, outras lêem os jornais da tarde, alguns estudam, uns olham simplesmente para coisa nenhuma, embrenhados sabe se lá em que pensamentos. Reconheço alguns, poucos, companheiros indiferentes, quase móveis da casa. Dos outros, é de assinalar o seu mau gosto no vestir, fatos escuros, a boina ou o chapéu de abas viradas para os olhos. Conversam com a cabeça apoiada na mão, uns sorridentes, outros de rosto grave, testas enrugadas. Por vezes recostam se para trás nas cadeiras, outras juntam as cabeças, convergindo para o centro da mesa, quais conspiradores.

Olho à minha volta e o café está [continua] meio cheio. O João Luís [Garcia] chegou e começou a ler o jornal. Daqui a pouco chegarão o Camilo e o Carlos, que virão do exame. Domingo Évora será um deserto, estupidificante. Eis que assomam à porta do café o Chico Garcia e o Manel. Ficaram se pelo balcão da pastelaria. Entretanto entra também o Álvaro Lapa, que é pintor, e corresponde cordialmente ao meu largo aceno. Entretanto o João Luís protesta porque não consegue ler o jornal; a mesa está desengonçada e tremeliques. (MCG - 1972.03.18)

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A malta do Arcada III

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No Arcada o João [Garcia], a Filomena, o Camilo, o Zé Pinto, o Ribeiro, o "Chinês" e o irmão cantavam em coro desde as cantiguinhas da primária ("Ó Rosa, arredonda a saia", "Tia Anica de Loulé"...) às excursionistas ("Santa Catarina", "Rapsódia Portuguesa" ...) passando por cânticos gregorianos e pelos coros alentejanos e canções da Beira Baixa. Enfim, uma grande audição, no café cheio e entretido com outros assuntos. (1) (MCG - 1974.02.11)
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1 - Bem, por vezes dávamos outros espectáculos no café, quando a noite ia adiantada, cujo programa era imitarmos vozes de animais, ao desafio!

.Fim de festa

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Estou na sala da AE. Isto é uma autêntica lixeira. O chão juncado de papéis, as mesas e os móveis juncados de sebentas, de listas, de stencils amontoados. (Aqui ao meu lado um cesto de papéis ... vazio!) É impossível trabalhar nesta pocilga. Na secretária onde escrevo, uma resma aberta, o ficheiro de sócios, cinzeiros, químicos, cola, agrafador, furador, lista de vendas. Parece que foi tudo saqueado. Na realidade a Associação de Estudantes não existe. Bem sei que os que trabalham em qualquer coisa, que a fazem andar, são uma minoria. Mas aqui somos de menos! No princípio deste ano eu e o Viegas discutimos se deveríamos candidatarmo-nos de novo. Ou deixar isto extinguir-se. Venceu a primeira hipótese. Mas a messe é grande demais. Se acudimos a um lado, eis que deixamos uma parede para construir outra, eis que aquela começa a desmoronar-se. E perante isto, estas paredes sempre a ruírem, o que muito me custa, penso que o melhor é deixar isto cair de vez. Se a malta prefere agir individualmente, em grupúsculos, sempre falando muito bem e agindo menos e mal, então feche se isto. Poucos como somos, uma acção eficaz exigiria uma programação eficaz, uma dedicação grande, um não desperdiçar energias e gestos. (...) (NSM - 1971.04.11)
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Amizade e camaradagem

Obrigado pelo Camilo que se sentou à minha mesa, pela simplicidade do Rocha, pela mão do director no meu ombro, pelo sorriso - sempre é sorriso - do Rola, pela malta de Económicas que me reconheceu, pela amizade do Artur [Horta] e do Luís Filipe. (POE -1971.04.14) ( 1)

.1 - Do poema Obrigado, 1ª versão escrita em Évora em 1971.04.14


A Belocas

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Perdi a semana passada uma amiga. Era um quadrado no "Diário de Luanda", uma dúzia de linhas e um nome:

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- Maria Isabel Belo Serpa Pimentel -

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Não havia dúvida, era a Belocas, aquela miúda cheia de vida, duma franqueza generosa, dum sorriso riso sonoro que nos dispunha bem, a Belocas que eu e o Camilo tanto apreciávamos. Que ficou de telefonar me quando passasse por estes dias em Luanda, a caminho de Moçambique, para onde a convidaram. Com 21 anos, a Belocas (como eu e o Camilo lhe chamávamos) morreu. No seu primeiro salto o pára-quedas não se abriu. Sinto me desolado. O meu estoicismo não me é suficiente. Dou por mim a pensar nisto tudo, no porquê e no para quê da nossa existência e de tudo o que nos rodeia. Porque corremos nós?! Estudo, e não estudo nem o que quero nem como quero. Morrerei, mas não sei quando nem como (o que de resto não me preocupa muitas vezes) Entretanto não serei eu. Estou emocionado porque quero e como a emoção - neste caso - não leva a parte alguma, tenho de querer não estar emocionado. Mas estou!

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É meia-noite. No meu colo está aninhado o "Chá-Chá", um gatito preto cá de casa. Tudo é silêncio, salvo o ronronar do gato e o zumbir dum insecto encadeado pela luz da lâmpada, além dos carros que passam além na rua (é a hora do regresso do cinema). Amanhã entro na segunda semana de estágio [na Petrangol, em Luanda] . (NID -
1971.08.22)

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A Isabel era sobrinha do Conde Vilalva e Vice-Presidente da Direcção da Associação dos Estudantes. Alinhando sempre connosco, creio que isso foi o que impediu a nossa expulsão do ISESE, quando um dos Jesuítas em vão proclamava nas aulas que ou os Estudantes demitiam a Direcção da AE ou a Direcção do ISESE demitiria aquela. [2008.05.17]


Os Companheiros das horas vazias

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Abraça por mim a malta da mesa do café Arcada, companheiros das horas vazias. Como estas no Porto, aguardando os exames de Fevereiro. Um abraço especial para a Guida [Morgado] e para a "terrorista" que é a Zeca. (1) (Lídia - 1972.01.01)

.1 - A Lídia, a quem se dirigia esta carta, era uma das nossas companhias num tempo em que as meninas sérias não andavam com os rapazes nem iam ao café. Por isso tinha má fama perante as boas consciências eborenses. Depois empregou-se nos correios e entretanto nunca mais soube dela.
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Salut, camarada!

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Se puede enganar
a todo el pueblo
parte del tiempo
Se puede enganar
a parte del pueblo
todo el tiempo
pero no se puede enganar
a todo el pueblo
todo el tiempo. (Lincoln)

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Aqui está a minha esperança! Nós venceremos. Mesmo que eu seja derrotado ou me venda, outros tomarão o meu lugar, empunharão o estandarte. Algum dia venceremos! Algum dia!

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Salut, camarada! (MCG - 1972.08.13)

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10 º retrato do pessoal da pensão de Évora

Verdadeiramente o quarto até parece outro, mesmo atendendo à evolução na continuidadeQuem não gostou muito da brincadeira foi a D.Vitória, que ficou enxofrada por eu ter posto no corredor a abominável moldura do espelho da cómoda. Ao regressar a casa hoje aquilo estava de novo no meu quarto, arrumado embora num canto. Quando desci a ilustre senhora começou a mandar vir, que aquilo ficava no meu quarto e mais blá‑blá que me ia enchendo as medidas. Enfim, disse‑me que me alugou o quarto para dormir e se eu queria uma sala de convívio que alugasse um apartamento. (!) Ah! Ah! Ah! ... e este até tem sido um ano sossegado: pouca gente vem para cá para o paleio e para ouvir música ou estudar como nos primeiros anos, nem as meninas ([1]) ainda cá puseram os pés, como algumas de outrora, muito menos tendo eu feito qualquer tentativa nesse sentido. Enfim, a gente tem de desculpar os nervos dos outros! (Aquilo deve também ser por causa das fotografias e posters "imorais e contra os bons costumes". " Porcarias e palhaçadas", como doutras vezes desabafou. ([2]) Mas o problema é que o monstro acima referido não ficará no meu quarto. Vamos deixar arrefecer o copo de água e quando a vozinha estiver menos agreste e o olhar menos sofredor atacarei novamente, desta vez com um sorriso Pepsodent, que doutro modo não vai a ilustre senhora. (MCG - 1973.03.13)
Os ares lá por casa andam tempestuosos. Começou já não sei bem porquê, continuou no dia em que paguei a pensão e deve ter piorado ontem: o João Luís e a Maria Antónia estiveram no meu quarto, à tarde, ouvindo música. A D.Vitória não grama o João Luís e uma rapariga lá em cima - ai Jesus, credo, que lá se vai o bom nome da minha casa! Para além disso o João Luís não tem o mínimo sentido das conveniências, o que de modo algum serve para lançar água na fervura. (MCG - 1973.03.20)

A Ermelinda veio cá este fim‑de‑semana, agora com o cabelo castanho fulvo e ondulado, mais o seu ar imponente, majestoso, de quem se julga e sabe boa (ou "sexy", que é o mesmo), de gata que brinca com o rato. Tenho ganas de quebrar‑lhe toda aquela prosápia de mulher‑fatal. Mas, adelante. (MMC - 1973.03.25)

Temos uma criada nova, a Ricardina, míope e vestida de preto, com um ar submisso e tímido. O que não a impediu de pedir-me um casaco velho para o pai. Não, foi a resposta. ([3]) (MCG - 1973.03.30)



[1] - Hóspedes da casa.
[2] - As porcarias a que a D. Vitória se referia eram um poster com um casalinho sentado junto a um muro e beijando-se, com o título O amor é um pássaro azul no alto da madrugada. Outro era uma inocente fotografia a preto e branco dum dorso feminino, das nádegas ao pescoço. Um terceiro era uma fotografia retirada duma revista (Paris Match?), salvo erro relativa ao Maio de 68 e mostrando jovens de ambos os sexos sentado no chão dum modo descomposto. Enfim ... Não sei se também incluiria duas fotos coloridas, uma expressiva do rosto da Liz Taylor chorando, do filme Quem tem medo de Virgínia Wolf e outra relativa à guerra do Vietname, com uma mãe chorando com o filho morto ao colo, talvez um guerrilheiro vietcong!
[3] - Não percebo nem me lembro da razão desta minha secura, que hoje me incomoda ao lê-la.
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Outra visita, mais rara, era a «Belocas» (2008.05.18)
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Irritação

Uma discussão de duas horas em Sociologia do Desenvolvimento. (...) Quisera encolher os ombros, mas vivo demasiado o que faço e o que digo. O resultado é o despiste quando alguém como o Armando Nogueira ironiza para rebater as minhas concepções e a «Tita» manifesta espalhafatosa e silenciosamente, gestualmente, o seu escândalo pelas minhas opiniões e ideias, para frisar perante o professor, deliberadamente, o seu desacordo pelo herege. Não suporto a sua mesquinhez! Pronto! (MCG - 1973.01.19)
Ausente da aula [de Sociologia do Desenvolvimento] a «Tita» (que sofre que se farta naquelas aulas, porque só sabe falar em crochet e similares), o [Henrique] Troncho (em lua de mel) e o Biscaia. A Conceição bocejava e a Domingas conversava ora com o Ferro ora com aquela. De modo que o bate papo se restringiu ao Armando Nogueira (professor) e aos três restantes: o [Emídio] Guerreiro, o Ilhéu e eu. (MCG - 1973.06.01)

No 5º ano de Sociologia ... o Cónim deixa-nos montes de trabalho [Estudos Demográficos] e a «Tita» anda desnorteada porque queria trabalhar com o Guerreiro mas ele deu-lhe com os pés e, como ela se armava em parva, não pode vir trabalhar comigo - nem eu estaria disposto a que S.Exa gozasse os louros do meu trabalho. Estude, que a cabeça não é só para penteados e coscuvilhice. Enfim ... (MCG -1974.03.08)

É já ao entardecer. Passei a tarde de volta dos apontamentos que a «Tita» me emprestou ontem: estão uma salgalhada e amanhã tenho de ir com o Pe.Vaz Pato para que me diga qual é efectivamente a matéria que vem para o exame. (MCG - 1974.07.14)

A »Tita» tinha notas altas em todas as cadeiras de «encornanço». Mas naquelas em que tinha de usar a cabeça ou aplicar os «conhecimentos», ficava completamente à nora, procurando «juntar-se» a quem lhe deitasse a mão, Tirando isso, era uma boa moça, vítima activa da sociedade em que à mulher apenas se exigia que «exibisse» como «prenda» o ser «casta» e «fada do lar», especializada em «ditos e mexericos», «senhora» de públicas e asfixiantes virtudes e privados vícios. Tenho saudades da Outra «Tita» que talvez estivesse prisioneira da «máscara» que «livremente» usava. Mas nunca acedi ao assédio dela e à pressão dos nossos colegas para que fizéssemos par para subir ao altar com cheiro a flor de laranjeira! (2008.05.18)
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O Pe. Pires Lopes

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O Manuel Antunes e o
 Pe.Pires Lopes [sj] discutem direitos naturais e personalismo - estamos numa aula de Doutrinas Sociais. O resto da malta está se nas tintas. Um zunzum, denunciador do desinteresse da maioria da malta, percorre a sala. Uns passam a limpo os apontamentos de Contabilidade Industrial. O Aristides tomou-me como aparelho receptor das suas habituais críticas a todos estes assuntos. Faltam 8 minutos para tocar para a saída. (...) (NID - 1970.11.03
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4º Retrato do pessoal da pensão de Évora
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(...)
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Sabes quem apareceu por Évora, hoje? O Aristides ! Vem fazer quatro exames, regressando aos Açores no fim de Outubro. Até lá será hóspede da D.Vitória a quem pagará ... 50$00 diários. Safa! (MCG - 1972.09.29)
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7º Retrato do pessoal da pensão de Évora
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Tenho de interromper que a D.Vitória já me chamou pela 3ª vez - com inflexões de zangada - e o Aristides
 deve ir no 2º prato. De resto o coraçãozinho deve estar em trevas, pois hoje uma miúda amiga veio visitar o Aristides e ele mandou-a subir. E como era uma miúda toda alegre, nova e de mini saia ... bem, imagino a tempestade que deve ser o sentido de honra e decência da recatada senhora! Se a coisa me não tocasse também dar-me-ia vontade de rir de tudo isto. Raio de gente que só vê pernas abertas e "poucas vergonhas!" (MCG - 1972.10.17)
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11 º retrato do pessoal da pensão de Évora
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Apareceu me hoje o Aristides
 pelo café; veio dos Açores para fazer exame de Economia II. Penso que tenciona fixar residência no Porto. Ficou hospedado na casa da D.Vitória, mais concretamente, no meu quarto. Esperemos que não me chateie muito a molécula. Sou amigo dele, mas isso não impede que me aborreçam algumas das suas tiradas. Reage, parece-me, mais com ressentimento do que sentido revolucionário. (MCG -1973.07.04)
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(...)
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O Aristides foi-se embora hoje. Reprovou a Economia II. O que não é de admirar, cada vez mais desnorteado que ele anda, inquieto e sem rumo. (
1) (MCG - 1973.07.20)
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1 - O Aristides era um açoriano "perdido" no Continente. Ex-seminarista, como muitos nos cursos de Sociologia do ISESE, fizera a guerra colonial. Era um revoltado, sempre contra a situação, mas tinha uma bonita voz a cantar. Não aceitava as imperfeições dos outros e sempre ia dizendo que nem sempre estava com o nosso grupo, mas como não se podia incompatibilizar com todos, então nós éramos os menos maus. Nunca mais soube dele, salvo numa notícia de jornal, post 25 de Abril, sobre uma manifestação do PRP-BR (Partido Revolucionário do Proletariado - Brigadas Revolucionárias), lá no Norte, onde aparecia o seu nome.
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O cónego Henrique Marques, pároco de S.Manços

Daqui irei até ao correio e depois para o "colégio" da Sé, ler mais umas coisas de Direito Natural, esse Direito cuja razão de ser ainda não encontrei; razão de ser como disciplina autónoma da Moral e oposta à Filosofia do Direito, dos tão negregados (pelo professor) civilistas. [O cónego Henrique Marques, pároco de S.Manços é ] o protótipo do professor cheio da sua sabedoria, vendendo banha da cobra que só é comprada por quem come tudo o que lhe ponhem à frente ou é obrigado a fazê-lo! Que pensar dum professor de Direito Natural, sacerdote católico, que usa expressões como "a estúpida moral protestante", "esses malditos ingleses", "os generalecos comunistóides", que aproveita as aulas para fazer a sua propagandazinha facciosa e proclamar as suas ideias e convicções ultrapassadas, convicto da sua superioridade e da inferioridade dos alunos, que achincalha se ousam fazer-lhe frente?! (1)
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Que me diz em plena aula que a missão dos alunos é comer e calar (para mais não têm capacidade) e riposta que as dúvidas proponhem-se e tiram-se no exame? Parece-me que em cinco anos do Instituto fui o único aluno a fazer-lhe frente abertamente nas aulas e (facto inédito) a abandonar uma aula depois do professor se recusar a responder directamente à questão proposta, não encontrando melhor argumento que mandar-

me calar. Esta é a história das pegas entre mim e o Rola. Vamos ver quem será colhido dentro de dias! (2
(NSM - 1969 ?)

.1 - Este professor era um poço de pedantismo e soberba. Leccionava também Psicologia Social com absoluta incompetência. O que nos valia eram os livros base, do Stoetzel e do Klineberg. Dava por exemplo e por vezes as aulas em alemão, indiferente ao facto da totalidade ou da maioria dos alunos não perceber aquele idioma. Em muitas das aulas abordava reaccionariamente múltiplas questões. Dele, pároco em S. Mansos, contava-se que organizara uma rifa na paróquia, tão bem organizada que o Mercedes lhe saíra a ele e os dois prémios seguintes ... a dois empregados. Doutra vez insurgia-se numa aula contra o facto de correr que tinha uma amante. Que não, como podia ele ter uma amante com o ordenado que auferia!? Numa das aulas de Direito Natural assentava este em Deus. Intervindo, disse que tudo aquilo era muito bonito, mas em que se baseariam as suas normas se Deus não existisse ou se nele não acreditássemos? Cala-te, cala-te, Victor! e não valeu a pena insistir. Terminada a aula, chamou-me ao estrado, para me aconselhar: Quando quiseres pôr questões dessas, fá-lo em particular, porque doutro modo estás a desvirtuar os espíritos jovens que estão a ouvir te! Após o 25 de Abril foi saneado pelos alunos.
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Na aula em que os representantes da Associação dos Estudantes lhe comunicaram que os alunos não lhe permitiam que continuasse a dar aulas, conforme decidido em plenário, pretendeu expulsá-los, pelo que tive de retorquir lhe: Até agora o senhor mandou calar toda a gente, agora o tempo é outro e o senhor senta-se, cala-se, ouve e acata a deliberação dos estudantes. E pronto, lá se calou e não voltou a dar aulas. Desta cena já não me lembrava, mas contou-ma o Gavela anos mais tarde, numa reunião em Lisboa: Lembras-te daquela vez ...?
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2 - Passei no exame de Direito Natural com ... dez valores!

.O Pe. Borges sj, inseguro como sempre

No estrado, o Pe.Borges [s.j.], inseguro como sempre, tenta explicar as "funções de custo a longo prazo" [Economia I] para uma assembleia algo desinteressada; dá a nítida sensação de não ter decorado bem a lição. Porque ponhem um sapateiro a tocar rabecão? No princípio tinha pena dele, desculpava-lo supondo ser aquilo falta de à-vontade. E é! Mas não só! Tornou-se-me profundamente antipático,apesar do apreço que mostra por mim,  pois tenta disfarçar a sua insegurança e/ ou a sua ignorância atrás duma atitude cinicamente zombeteira, sarcástica, duma ironia pretensamente superior, tudo isto à custa dos alunos. E tenho de aturá-lo ainda cinco vezes por semana, até ao fim de Maio!

[Tive no exame final 14 valores] (NSM - 1969.04.09)

.O Pe. Vaz sj, vulgo "Ginjas"

Tive hoje exame de Geografia Económica com ... quinze valores. (...) Comecei a rever o Froment mas 560 páginas pareceram-me excessivas pelo que resolvi passar para as 200 intragáveis do Pierre George, que achei indigestas, e vai daí resolvi contentar me com as resumidas e chatíssimas oitenta páginas do "book" do 6º ano [liceal]. Cada vez mais perdido na imensidão da matéria resolvi mandar tudo passear, incluindo a minha pessoa e à noite fui ver o Zip-Zip, um programa do Raul Solnado na TV.

Bem, hoje de manhã, contrariado, lá vesti o fato das cerimónias, pus a coleira [gravata ?] ao pescoço, ouvi um disquito e ala para o Instituto que se faz tarde. Comecei a estudar a técnica do professor, a ver que me safaria nuns assuntos e me enterraria valentemente noutros. Bem, "Allea jacta est" como dizia o Júlio César, e lá fui para a carteira da verdade (que ás vezes o não é!!). Cumprimentei o ilustre Ginjas (de seu nome José Vaz sj, mas muito apreciador de vinhos e de ginja) mais o ilustre Director e aguardei. Diz o Ginjas, enquanto eu ia pensando: "Bem, então pode falar sobre aspectos demográficos (óptimo óptimo), metais não ferrosos ('tá quieto, pá) ou a pesca". Vai daí, como quem não quer a coisa, eu escolho o primeiro assunto, que me agrada francamente, e desato a falar, levanto-me, vou ao quadro fazer uns gráficos, sento-me de novo e ainda ia a meio do sermão e ele manda-me parar, que estava satisfeito, que se via que eu estudara o assunto com profundidade e diz-me para escolher um tema e desenvolvê-lo.

Que vamos nós escolher? ,  penso. Pode ser a cultura cerealífera - quase toda a malta falou nisto, tenho de escolher outro assunto, talvez a pecuária - bolas, também já está muito batido ... ou os transportes. O tipo saltou na cadeira, o seu sorriso feliz aumentou e eu vi que marcara um tento a meu favor. Desta vez foi ele a escolher (os transportes) e eu a desbobinar de novo. Lá me calei.

Todo sorridente deu o meu exame por terminado. ... E eu que estive para não pôr lá os pés !!! (1) (NSF - 1969.10.07)

Na aula de História das Teorias Políticas e Sociais preleccionada pelo ilustre Pe. Vaz [sj], um poço de erudição e sabedoria, que não consegue transmitir aos seus alunos. (NID -1970.11.03)

.1 - Este jesuíta leccionava e examinava do mesmo modo outras disciplinas como História da Sociologia e História das Teorias Políticas. Era uma boa pessoa, mas era difícil seguir as suas prelecções, pois deixava as frases a meio e mudava de assunto como quem bebe um copo de água. De repente parava, sorria timidamente para o curso e começava a falar doutro assunto sem completar o anterior. Os exames eram uma lotaria.

A um colega nosso, duro de ouvido, em Teorias Políticas propôs-lhe três temas para desenvolver um oralmente, ao que o examinando retorquiu: Ah! pois, escolho a Revolução Francesa. Retorquia o Ginjas: Não, não foi esse tema que propus. E repetia a proposta inicial. Respondia o aluno: Pois, é esse mesmo que escolho: a Revolução Francesa! E a história repetiu-se até que o professor concordou com o aluno, que falou com brilhantismo e teve uma nota elevada. No fim perguntámos-lhe: Então não ouviste o que ele te perguntava? Retorquiu: Lá ouvir, ouvi, mas não me convinha pois só sabia a Revolução Francesa! E pronto, lá se safou à conta da surdez!

A mim, também num exame de Teorias Políticas, deu-me um filósofo à escolha e respondi-lhe com o Marx. Em 5 minutos disse-lhe o que me parecia essencial e calei-me. E o Ginjas, impenetrável, nem uma nem duas. Como faltavam dez minutos e o silêncio se tornava incomodativo, recomecei a lenga-lenga, incomodado porque me estava a repetir. Calei-me e o Ginjas continuou calado, impenetrável, como normalmente acontecia nos seus exames. Eu olhava para o Ginjas, o Ginjas olhava para mim, de negro vestido. Eu olhava para o Ginjas e este, moita-carrasco. Num repente, disse-lhe: Vou-me embora, volto em Outubro. Com licença e bom dia!

Tentou reter-me mas eu já tinha desarvorado. Na 2ª época lá estava caído e passei com onze, embora soubesse para muito mais. Contingências de determinados métodos de examinação.


O Pe. Pires Lopes, sj

O Manuel Antunes e o Pe.Pires Lopes [sj] (1) discutem direitos naturais e personalismo - estamos numa aula de Doutrinas Sociais. O resto da malta está-se nas tintas. Um zunzun, denunciador do desinteresse da maioria da malta, percorre a sala. Uns passam a limpo os apontamentos de Contabilidade Industrial. O Aristides tomou-me como aparelho receptor das suas habituais críticas a todos estes assuntos. Faltam 8 minutos para tocar para a saída. (...) (NID - 1970.11.03)

1 - Este era utópico e um dos poucos jesuítas humanos e não completamente frio e controlado, mas as aulas dele eram perfeitamente intragáveis: leccionava Direcção de Empresas I e Doutrinas Sociais. Na oral da 1ª tivemos uma discussão, porque ele sustentava que o Director do Pessoal podia nas empresas tomar o partido dos trabalhadores e da melhoria das condições de trabalho, ao que eu lhe retorqui que o director de pessoal era um simples empregado que ou cumpria as orientações da Administração ou então era despedido.

Naturalmente nenhum de nós convenceu o outro!

A sebenta de Doutrinas Sociais era intragável e os exames escritos eram extensos e à base de encornanço e pergunta-resposta: não havia tempo para reflexões. A filosofia da cadeira era: o capitalismo tem algumas coisas más, o socialismo algumas coisas boas, mas a verdade está na Doutrina Social da Igreja. A propósito e a despropósito, página sim, página não, desancava no Marx.

Tanto sectarismo fez com que para rebatê-lo, bastantes alunos de Sociologia passassem a estudar e ler os livros de Marx e Engels, existentes na Biblioteca do Instituto, e se politizassem.

Numa aula, perante o desinteresse ostensivo da maioria dos alunos, descontrolou-se, foi para o meio das carteiras de braços abertos clamando: "Matem-me! Matem-me!" Aproveitando a deixa retorqui-lhe: "Ninguém quer matá-lo; só não estamos interessados nas suas aulas". "Então que querem que eu faça?" perguntou. "Que não sejamos obrigados a vir às suas aulas, até ao fim do ano", respondi lhe. "Ah! mas isso não pode ser, por causa do regime de faltas", respondeu.

Bem, lá se assentou que no início de cada aula assinaríamos o ponto e quem quisesse poderia ausentar-se sem mais consequências. E na(s) aula(s) seguinte(s) fazia-se uma bicha enorme no corredor central, assinava-se o ponto e ala que se faz tarde, ficando o curso às moscas, salvo duas ou três engraxadoras e um lambe-botas.

Mas aquilo era um escândalo no Instituto, pelo que entretanto o Piricas afixou um aviso dizendo que a partir da terceira parte do curso, em que seria abordada a Doutrina Social da Igreja, voltava a ser obrigatória a assistência às aulas.

Fizeram-se reuniões mas, perante a perspectiva de perder o ano por faltas, a maioria resolveu acatar a determinação, pelo que os recalcitrantes foram obrigados a comparecer às aulas. Na 1ª aula, levantei me quando o professor entrou na sala e disse-lhe que ele faltara à combinação com os alunos, pelo que estava ali obrigado, para não perder o ano por faltas, mas que continuava a não estar interessado nas aulas pois não havia modificações.

Disse e sentei-me. Sucessivamente, levantam-se o Viegas e o Pingarilho que declaram: "Faço minhas as palavras do Victor!" E pronto, acabou a contestação.

Incapaz de encornar a sebenta, fui desistindo ou adiando a apresentação a exame de Doutrinas Sociais, até que chegou a altura em que se tornava necessário fazê-lo para terminar o curso. Pelo que me dirigi ao Pe. António Silva, sj, secretário do Instituto, comunicando-lhe uma vez mais que aquele género de exames eram uma violência e não apuravam conhecimentos, antes mediam apenas a capacidade acrítica de memorização, pelo que em alternativa me propunha apresentar e desenvolver um trabalho, e que se o professor não aceitasse a minha proposta eu não faria a cadeira e ficaria com o curso incompleto.

Pelo que se chegou a uma solução de compromisso; exame e trabalho, escolhendo eu o tema "A Doutrina Social da Igreja e a Paz no Mundo" [em que condenava a Guerra Colonial Portuguesa].

E assim terminei Doutrinas Sociais, com a brilhante nota de ... 10 valores, pois entregara o ponto em branco.


O senhor Todo Poderoso

A malta no café hoje está indignada porque o Mesquita reprovou o Alpendre em Direito Corporativo. O Alpendre perdeu assim o ano e vai para a tropa. Mas eu já estou calejado demais para trovejar como o Camilo ou ficar com a lágrima ao canto do olho como o Carlos. O Mesquita (1) é um incompetente, não prepara as lições e mete água. Mas é o Mestre, Senhor todo-poderoso enquanto os estudantes continuarem a falar pelos cafés, cada qual metido no seu individualismo, no seu morno egoísmo, na sua indiferença quotidiana! (MCG - 1972.10.18)

Alô! Daqui Évora, aqui numa aula do Mesquita, que fala sobre Legislação do Trabalho. Os vidros estão cheios de água condensada. Lá fora está sol, mas um sol que não aquece o vento gélido. (...) Ainda só são 9h 30m. Quase tudo chateado, minha gente. É a mesma fita todas as semanas. (...)

Ainda só são 9h 34m (suspiro fundo!) Estou a escrever lentamente por dois motivos, o principal dos quais é o facto desta nova carga da esferográfica ser extra fina, e portanto pouco deslizante pelo papel. A outra é a conveniência de olhar para o professor de quando em quando com ar interessado e reflexivo, para mostrar o meu enorme interesse pelo seu desinteressante discurso. Daqui a pouco tenho de fazer uma intervençãozita.

Aquilo é que é falar bem, como o sr. Padre do púlpito. Ora ouçam: "mens legislatoris" (em vez do corriqueiro "espírito do legislador") Enfim ...

Já são 9h 46m. Daqui a quatro minutos, se o contínuo não estiver a dormir, será o toque de saída. Mas esperem, como o meu cebola se atrasa ... Olhem, ainda se atrasa mais do que supunha. Acabou de tocar. Ciao. (MCG - 1973.01.23)

Na aula [de Direito do Trabalho] apenas 12 alunos, i.e, metade do curso. Como sempre, o Biscaia, a "Tita", a Conceição, a Lena e a Adelaide ali na 1ª fila, bem á vista dos professores, registam para a posteridade as suas palavras. Quanto ao resto? O Guerreiro (2) põe os apontamentos em ordem. O Ferro boceja. O Paulo lê a Constituição. O Camilo, o Queiroga e o Mello Breyner devem estar muito longe daqui, embora aparentemente estejam atentos. Falto eu. Mas está -e mesmo a ver que ocupo o tempo mais proveitosamente [pondo a correspondência em dia] (Não consiga eu uma sebenta ou um programa detalhado da matéria e logo verei onde irei parar!) (MCG - 1973.03.20)

.1 - Este Mesquita era deputado à Assembleia Nacional e ignorante relativamente a matérias que leccionava, tendo a sua brilhante carreira política sido interrompida com o 25 de Abril. Dava aulas de Direito Corporativo e fazia parte do lote de professores afectos à situação política de então que davam aulas no ISESE, como o Cabral (delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência - Legislação do Trabalho), o Silva Leal (do Ministério das Corporações e um tipo fixe - leccionava Previdência Social) ou o Mira da Silva, latifundiário (Direito Civil e Obrigações).

Do outro lado, especialmente depois do 2º ano, havia o Armando Nogueira (Economia IIe Sociologia do Desenvolvimento e que dava economia marxista chamando delta à mais valia!), a  Manuela Silva (ligada ao Graal e à SEDES, leccionava Planeamento Social) ou um padre basco jesuíta que começava as aulas de Sociologia Urbana dizendo: "Não sou marxista mas vou fazer uma exposição objectiva do que o marxismo diz acerca desta matéria", táctica que também usava no País Basco para despistar os ouvidos do esbirros do generalíssimo Franco.

Nos dois primeiros anos dos cursos o ensino era essencialmente magistral e a maioria dos professores conservadora. Nos três últimos anos já havia outros professores, alguns dos quais davam aulas numa perspectiva progressista e nestas os alunos participavam com interesse.

Noutras a assistência era um frete, sendo muitas delas dadas por professores comprometidos com o regime. Esta ideia de equilíbrio foi-nos transmitido uma vez pelo Director do ISESE, Pe. Lúcio Craveiro da Silva, sj, quando perante o placard da Associação de Estudantes cheio de artigos e propaganda contra ou crítica do regime, nos dizia: "Acho muito bem que vocês afixem estes papéis, mas deveriam também afixar os da outra parte, por uma questão de equilíbrio", ao que lhe retorqui que a outra parte já tinha placards e jornais que chegassem para transmitir as suas perspectivas.

Também havia os professores tecnocratas, como o Sertório Barahona (Direito Comercial), o Prates Canelas (Direcção de Empresas Agrícolas), o Abílio Fernandes (Análise de Balanços e Contabilidade Industrial), para além de outros como os de Contabilidade Geral, Informática, Psicologia do Trabalho ou Direcção de Pessoal, cujos nomes não recordo.

2 - Este chegou a Presidente da Câmara de Estremoz e creio que está agora na de Évora, cujo Presidente, o Abílio Fernandes, foi meu professor de Análise de Balanços no Instituto. Este é indiano e como resultado das primeiras eleições post 25 de Abril ficou presidente da Câmara de Évora, mas as funcionárias do Município é que não queriam estar pelos ajustes e iniciaram um movimento para tentar correr com ele, que aliás ainda continua sucessivamente reeleito: "Um presidente preto, era o que nos faltava!" Na altura ainda não se tinham apercebido que os tempos já eram outros!

.Uma Mulher de armas

Tivemos hoje à tarde a 1ª aula de Planeamento Social, com a Manuela Silva, já minha conhecida do ano passado, quando frequentei voluntariamente as suas aulas. Sua Excelência - que tem um sorriso e olhos bonitos e cerca de 40 anos - é também uma mulher de armas. O curso quase todo apaixonou-se pela sua simpatia e frescura. Mas Sua Excelência deixou-me algo intimidado, com as suas deferências para comigo, quer durante as aulas, quer no intervalo (a aula dura 4 horas). "Pois é, era das pessoas que me levava à certa. Oh! se levava!" (1) (MCG - 1972.10.31)

1 - Esta economista fazia parte dum movimento católico laico: o Graal. Os seus exames eram com consulta livre, o que escandalizava os jesuítas eborenses. Tendo deixado o meu para a 2ª chamada, fui o único numa sala vigiada pelo secretário, Pe. Augusto da Silva, que pretendeu impedir-me a consulta dos elementos de estudo. Lá o consegui convencer que não era essa a posição da professora que vigorava nos seus exames e que para quem não soubesse a matéria, não havia consulta que lhe valesse. Pelo que voltou atrás,  deixou-me sozinho na  sala e passei com 14 valores.


O programa segue dentro de momentos

O contínuo do Instituto [o sr. Veladas] está doente desde sábado, não havendo por isso marcação de faltas. O resultado são as aulas quase vazias. (MCG - 1973.01.22)


O fabuloso Simões Lopes

Houve uma reunião do 4º ano com o professor de Estruturas da Economia Portuguesa - a seu pedido - para uma troca de impressões sobre este curso, que se iniciará no 2º semestre, portanto, após o Carnaval. Já tinha sido meu professor de Geografia Económica Portuguesa nos meus recuados tempos de universitário em Lisboa, no actualmente extinto Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeira (agora [rebaptizado como] Instituto Superior de Economia).

Continua o mesmo: uma grande verborreia e facilidade de expressão, exibicionista. E se me não lembro dele como pessoa sorridente (que não é), continua o mesmo tipo amável e de salão. Dos tais que com uma das mãos nos dão palmadinhas amigáveis e cordiais nas costas enquanto vão pensando como e onde cravar a faca com a outra, quando não estão já a fazê-lo. (1) (MCG - 1973.01.29)

1 - Em Económicas as aulas de Geografia Económica Portuguesa estavam sobrelotadas, como aliás sucedia em todas as teóricas, ao menos nos primeiros anos, pelo que muitos alunos e alunas assistiam às mesmas de pé. Numa das aulas do Simões Lopes, apinhada, com alunos sentados e outros em pé, chegou uma aluna que mandava estalo e que se foi chegando para a frente. Vendo isto, cavalheiresco, o Simões pega na sua cadeira e oferece-lha para que se sentasse. Azar dele, que esta retorquiu-lhe agradecendo e acrescentando que havia colegas (rapazes) que tinham chegado primeiro e estavam em pé, devendo por isso oferecer a cadeira a um deles!


Um exame ... exemplar

(...) De tarde requisitei a sala de jantar, mais fresca, e lá fiz o estendal de livros e códigos e leis e decretos-leis, para tentar fazer um esquema da matéria para ver se amanhã me conseguia safar [no exame de Direito do Trabalho] (MCG - 1973.06.28 B).

Entretanto crescia em mim o nervoso miudinho, daquele que faz picadas no estômago e amarga a boca; o amigo Diogo entretanto regressou e como não estava para estudar mais matemática resolveu ligar a televisão e fez-se desentendido, mesmo às mais directas. Enfim, agarrei na trouxa e fui para o Arcada (aquilo, quando me for embora de Évora - ai que alívio! - até põem lá uma lápide rezando: "Só lhe faltou trazer para cá a cama e o bacio")

Resumindo e concluindo, não fiz esquema nenhum, não estou com cabeça para fazê-lo e amanhã devo fazer uma linda figura. (MCG - 1973.07.01)

O professor chegou com meia hora de atraso e quanto a desculpas a mim ou à «Tita», tá quieto! Chegasse eu atrasado cinco minutos que fossem, a ver se me não "trasladavam" para Outubro. Pois é, de manhã e à tarde sublinhei as "leis" que vinham - as partes mais importantes - fiquei a saber onde estava o paleio e depois de muitos "vou", "não vou", "eh! pá, mas que vou lá eu fazer, não sei nada disto", enquanto ia sublinhando e falando com o [Emídio] Guerreiro (ás voltas com a Sociologia do Desenvolvimento), com a  "Tita" (aguardando o professor, como eu) e a Domingas (a dar-nos conforto moral) e o Veladas (o empregado), a ver se me descosia com os meus passados amores - soube depois correspondidos - pela Zé [P.]). Enfim, o tempo ia passando e entretanto a "Tita" saiu da sala de exame e entrei eu. Este exame seria a minha coroa de glória se estivesse mais reflectido. Claro, que a minha memória e sabedoria não pescavam nada daquilo, de modo que ia estudando enquanto folheava a legislação, metendo água aqui, emendando ali e às tantas eu e o professor falávamos grosso um com o outro, sim, que ele sabia tanto como eu - isto é, pouco - e ele dizia-me que não e eu dizia-lhe que sim e ele dizia-me que sim e eu respondia-lhe que não "porque o artigo não sei quantos" - que eu tinha acabado de ver pela primeira vez de relance - dizia (e lia-lhe o artigo), às vezes eu via que ele tinha razão e que eu estava a meter água (e o Director fazendo muitos gestos com as mãos, a indicar-me a resposta ou a sugeri-la), outras vezes topava que o profe não sabia nada daquilo, enfim ... um pratinho! Passei com onze.

Também não posso ser mais exigente. Sim, que o amigo Ginjas, o Pe.Vaz, diz que o onze é a nota dos inteligentes, mas cábulas, o que será verdade. (MCG - 1973.07.02)

.Personalidades
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O professor de testes (Psicologia do Trabalho) [José Marques, na altura trabalhando na NORMA] num gesto generoso e raro cedeu-nos um dos testes com que trabalhamos nas aulas. Este é "caracteriológico" e toda a minha gente agora faz testes no café. Já estou farto.

Descobrimos que o João Luís é sanguíneo para-colérico, o Camilo apaixonado, o Pedro fleumático-para sanguíneo. O Carlos estava todo contente - descobriu que era um sentimental - que feliz que ele estava - só visto! Eu digo que ele é sanguíneo ou fleumático, mas ele não se convence! E eu? Ora, que haveria de ser ? Está-se mesmo a ver que eu sou eu. Todos os [meus] testes deram o mesmo! Mas como já disse ando farto daquela febre de testes. Felizmente hoje ninguém falou nisso. (MCG -- 1973.01.22)

.Estou metido numa alhada

Estou metido numa alhada. A brincar disse que se arranjassem 80 assinaturas apoiando-me e dando-me plenos poderes, aceitaria a Direcção da Associação. Levaram-me a sério. Amanhã há uma reunião para preparar a estratégia que permitirá convocar uma outra, alargada, para formar uma equipa. Tenho de usar de toda a minha dialéctica e "sabedoria" para conseguir ficar de fora, ou ao menos, sem a Presidência. A ver vamos. (1) (MCG - 1974.03.12)

Sempre houve a reunião da Associação de Estudantes, à qual compareceram uns 15 tipos. Ficou decidido que a actual Comissão convocará uma outra reunião para um dos últimos primeiros quinze dias de aulas. A minha proposta será que a Associação cesse as suas actividades - salvo no que se refere à secção de Folhas. Isso permitir-me-à formar um grupo para lançar um jornal e ir preparando terreno para despertar uma outra consciência dentro do Instituto. (MCG - 1974.03.29)

1 - Salvo erro em 72/73 o Viegas e eu resolvemos não formar lista para a Direcção da Associação dos Estudantes, pelo que, à falta de candidatos, os jesuítas nomearam uma Comissão Administrativa para geri-la. Mas em 73/74 a malta dos três primeiros anos resolveu retomar a associação através de eleições e pressionavam-me para que encabeçasse a lista.

Realizávamos então reuniões clandestinas numa sala das traseiras do Café Parque, junto à Praça de Touros, para preparar o processo eleitoral e programa da lista. Dos conspiradores lembro-me que também faziam parte o Tó Veladas, o Carrageta, o Manuel Gonçalves, o João Garcia e creio que a Maria Antónia, entre outros. Entretanto aconteceu o 25 de Abril e em Plenário Geral de Estudantes estes elegeram uma Comissão Coordenadora das Actividades da Associação dos Estudantes, que nos primeiros meses incluiu a minha pessoa.

.O dia do Marquês

Hoje foi o dia do Marquês. Distribuímos jesuítas (250) e ginjinhas (5 litros) pela malta, a começar pelo Secretário [Pe. Augusto da Silva, sj]. Ah!Ah!Ah! Ontem eu e a Domingas desenhámos dois cartazes (com piada!) e hoje enforcámos bancos com gabardina no Instituto. O Ilhéu tocava corneta e eu descobri uma vocação de tamborista. Fenomenal. (Tu [Celeste] a cantar e eu ao batuque havíamos de formar um lindo dueto). Todos disseram que os "jesuítas" estavam bons e a "ginjinha" deliciosa, incluindo os jesuítas.

Trouxe o badalo para casa e agora o sr. Veladas só tem uma sineta rachada [para os toques de entrada e saída] (1)

Tenho muita pena mas não sobrou qualquer jesuíta. Só 6, que são intragáveis: Os manos Silva [Augusto - secretário - e António - Director ], o [Manuel] Belo, o "Piricão" [Pires Lopes], o "Ginjas [Vaz], e o Pato. Para esses ainda não apareceu nenhum Marquês [de Pombal]. (MCG - 1974.03.28)

1 - O senhor Veladas sempre desconfiou que eu trouxera o badalo para casa e pretendia que eu o devolvesse, mas como nunca lhe acusei o toque acabou por esquecer.

.A "Brigada de Saneamento"

A "Brigada de Saneamento" chegou ao Instituto: o Movimento foi crescendo e engrossando desde o 26 de Abril, em que a Direcção do ISESE tentou impedir a realização duma Reunião Geral de Alunos [RGA] e impor uma Comissão Administrativa da AE do seu agrado. E desde 6ª feira passada, 3 Maio, o ISESE está em polvorosa e com reuniões de cursos para discussão e deliberações sobre cadeiras e professores que vão desde decisões de reorganização de programas, supressão de cadeiras, demissão de professores e abolição de aulas e exames.

Entretanto os Jesuítas voltaram completamente a casaca e já aceitam diálogos e participações e até convocaram a Comunidade Académica (Professores, Alunos e Empregados) para uma reunião hoje à noite! Comunidade Académica !!?? Como é possível mudarem se as pessoas dum dia para o outro? Estou estupefacto! Enfim ... (1)

Tenho tido muito trabalho: durante todos estes dias e noites estive praticamente sozinho tentando levar a água ao moinho da unidade dos estudantes para a gestão do ISESE. A Direcção do ISESE tem sido completamente desautorizada e fazendo esforços para controlar a situação. A Comissão Organizadora [da AE] tem estado a estruturar-se especialmente desde ontem e é preciso agora organizar as comissões de trabalho para não serem torneadas pela Direcção [do ISESE] (2) (MCG - 1974.05.07)

1 - Os jesuítas sempre boicotaram a participação dos estudantes na gestão do ISESE, reservando à Associação dos Estudantes papéis como a marcação dos exames e das frequências e realização da festa de finalistas, tolerando actividades como a publicação das sebentas e actividades culturais.

Tentaram impedir a realização dum plenário solicitado pelos estudantes proibindo a sua realização nas instalações do Instituto mas como este se realizou nas instalações da extinta Legião Portuguesa, tomadas de assalto, recuaram e vieram com a Comunidade Académica. No decorrer dos trabalhos, onde foi aprovado um Manifesto, os jesuítas levantavam montes de objecções e o Miguel Bacelar, surpreendentemente para nós, preocupava-se com questões formais, acusando-nos de dirigir os trabalhos sem isenção. Perante a obstrução (o Miguel dizia depois que pretendia apenas que os jesuítas não contestassem as deliberações da assembleia, fazendo ele o papel de advogado do diabo para que tal não sucedesse) eu, na qualidade de presidente da mesa, disse que o plenário se realizaria ali ou noutro sítio se as obstruções continuassem. Foi remédio santo!

2 - A recusa da Direcção do ISESE em partilhar a gestão do ISESE com os estudantes, pretendendo reservar a última palavra para a Companhia de Jesus, levou à radicalização do processo e à ocupação do Instituto pelo corpo discente. Contudo à medida que o tempo avançava os estudantes iam abandonando o processo e regressando a suas casas - a maioria não era de Évora, pelo que nas vésperas do Natal e Ano Novo não havia quem assegurasse a ocupação, pelo que fácil teria sido aos jesuítas reocuparem as instalações. Penso contudo que o evoluir da situação política e a perda de controlo final sobre a gestão e orientação ideológica do Instituto não era do seu agrado, pelo que assinaram um protocolo com o Governo visando a suspensão das actividades do ISESE e assegurando uma situação transitória para os que não tivessem terminado os cursos, mediante a criação duma escola de duração limitada no tempo - a Escola Bento de Jesus Caraça - (re)criando-se depois a Universidade de Évora, extinta pelo Marquês de Pombal no século XVIII, embora gorando-se a expectativa dos Jesuítas retomarem o seu controle. Os cursos do ESESE, permitidos graças ao contributo da Fundação Eugénio de Almeida e do Conde de Vilalva, pretendiam no Alentejo formar as elites que assegurassem a gestão das empresas, numa perspectiva económica e social. Economia era escolhido por filhos de gente como os Espírito Santo, Champalimaud e outros, enquanto Sociologia era frequentado por ex-seminaristas e ambos por rapazes e raparigas cujos pais não tinham posses ou preferiam tê-las longe da depravação e agitação de Lisboa. Em Sociologia poucos lá estavam por opção, como eu ou o Victor Ângelo. Aliás, com defeitos embora, era o único curso de Sociologia em Portugal antes do 25 de Abril, já que o Governo de então considerava este ramo do conhecimento como sendo pouco aconselhável por potencialmente subversivo.


Fora com o calor, já!

O Calor é aquele monstro que nos empasta o cérebro, é uma pancada súbita quando se passa do átrio do instituto para a rua, é aquela viscosidade que nos encarapaça o corpo, os dedos, o tronco coberto pela camisa, os sovacos, a região púbica. FORA COM O CALOR, JÁ! (MCG - 1974.07.24 - aniversário da Revolução Cubana)


Um breve regresso a Económicas

Está um dia de calor abafado. Desconhecendo ainda o que a casa gasta, saí de manhã com o guarda-chuva na mão e o casaco debaixo do braço. O que vale é que Lisboa é grande e a minha parvoíce passa desapercebida. Estive em Económicas com a Manuela Silva, sobre a possibilidade de participação no corpo docente do ISESE. Para além disso S.Exa perguntou me o que fazia eu, e como lhe dissesse que estava no "exército industrial de reserva", perguntou-me o que me interessaria (talvez haja possibilidade no MEC) e ficou de contactar comigo. Os contínuos (o sr. Piinto e o sr.Cascais), seis anos depois - vê lá! - ainda se lembram de mim e perguntaram me se eu voltava para Económicas. Ah!Ah!Ah! (1) (MCG - 1974.09.12)


A Revolução na ponta da língua

Ouvem-se as bátegas da chuva no lajedo da calçada, enquanto o Olímpio (1) e outro camarada assobiam, por entre o tac-tac ensurdecedor que atroa a sala da Associação dos Estudantes. (...) Entretanto o ambiente aquece aqui na sala com o "revolucionarismo" do Carrageta, que quer destruir - verbalmente - o poder burguês ! Rajadas de palavras cruzam o ar, por causa do colectivismo e da anarquia ! (...) Bem, vou tomar ar para outra freguesia: ler o jornal, lanchar e espairecer. O Carrageta continua ao ataque, contra a escola burguesa, contra os professores, pela escola anarquista, com intervenções verdadeiramente revolucionárias, que não devam nada à burguesia e à sociedade de consumo. "Destruamos a civilização, contra os autoritários que não querem destruir as instituições mas reformá-las. A prática quotidiana dirá o que surgirá dos escombros das instituições burguesas destruídas pelos anti-autoritários." Terminada a "Revolução Carragetiana", há um intervalo para um bagacinho. Mas o bar está fechado e o Carrageta sobe ao balcão e num brilhante improviso convoca os presentes para se juntarem à classe operária pela destruição do capitalismo com a Manuela a fornecer as balas para a G 3, porque "a Revolução não está no verbalismo pequeno-burguês mas na ponta duma espingarda".

O ambiente aquece à medida que se aproxima a hora da revolução, perdão, ... da avaliação. (MCG - 1975.02.08).

1 - O Olímpio era padre, tal como o Abrunhosa, que abandonou o sacerdócio e se casou com uma colega nossa, salvo erro a Alice.

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Uma "manife" em Évora, num verão quente
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Ontem, no comício do PC, ali no Rossio de S.Brás, o Álvaro Cunhal falou na independência dos povos das colónias. Mas nem uma única palavra, ou referência, aos movimentos de libertação: MPLA, FRELIMO, PAIGC! ([1]) Ainda antes do Álvaro Cunhal falar o palco foi abaixo por duas vezes. Uma multidão imensa concentrava‑se em redor do palco, junto ao Monte Alentejano, agitando‑se inúmeras bandeiras vermelhas do PC. Bem orquestrada, a multidão repetia as palavras de ordem, de punho erguido. Detecto, junto a mim, um grupo que deve ser da "claque". Quando se falam nas torturas sofridas pelo Cunhal e outro comunista, uma mulher ao meu lado diz‑me: "Coitadinho! Bandidos!" E a multidão grita: "Morte à PIDE!". Dois delegados dos Sindicatos Agrícolas (Évora e Beja) enumeram as quebras dos contratos colectivos de trabalho e o nome dos latifundiários. A multidão grita: "Morte aos cães!" "A terra a quem a trabalha!". Ao meu lado, algumas mulheres dizem: "É assim mesmo!" e "Essa sou eu!", quando se fala em ranchos despedidos. O Álvaro Cunhal cita as lutas revolucionárias dos trabalhadores alentejanos e a "palha" que os latifundiários teriam mandado dar aos trabalhadores que imploravam comida. E a revolta; que enquanto houvesse ovelhas, galinhas e porcos não comiam palha os trabalhadores!
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O Partido faz a sua campanha e no palco estão tipos que já conheço de há muito. Por detrás deles, enormes, em fundo vermelho, as efígies de Marx, Engels e Lenine. A brancura de Évora é agora quebrada por cartazes do PC. Marx, Engels e Lenine enchem as ruas, conjuntamente com cartazes com a foice e o martelo. (MCG - 1974.07.28)



[1] - Movimento Popular de Libertação de Angola, Frente de Libertação de Moçambique, Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. (MCG - 1974.07.28)

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Alfabetização

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Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se ... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra !!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler, não achas? (MCG - 1974.11.17)

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Memórias e Opiniões
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Poesia
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6ª Feira Santa

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Narureza Morta
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Circulando entre Abril e Maio após Novembro

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)