Sete anos andou João
Vagueando p'lo deserto
Sem vinho, água ou pão,
Indo por destino incerto.
A mingua d'água mirrava
Sem o frescor duma fonte
Em fome se esgotava
Sequioso duma ponte.
Em tiras estava o fato
Sem veludo que se visse!
Descalço o pé, sem sapato,
A vida era uma sandice.
Fizera grande viagem
Com o coração cinzento
Sem escudeiro nem pagem
Ou pedra que fosse assento.
Pela areia caminhava
Joelho aqui, pé além.
Na jornada trauteava
Sem saber o que lá vem!
Seu coração era grande
Para quem lá coubesse
Cantando mui radiante
Como se mal não houvesse,
Seu cavalo não era novo
Cansado da caminhada
De Luanda a Porto Covo
Por terra já navegada,
Que buscava não dizia
Calado com seu segredo
Por ver que não merecia
Ser mal preso, em degredo.
Seu caderno era escrito
Com tinteiro invisível,
Silencioso, sem grito,
Em novela incredível.
Então que é feito bela
Deste rimance heroina,
Personagem da novela,
Tão certa como haver sina?
Assim perguntava arraia
Miúda como convém,
Atenta ao rolar da saia
Que na cintura mantém.
Bem pesado é o fado
De quem quer algo inovar
Logo está ameaçado
De não poder inventar!
Não há princesa no conto
Assim quero, pois então!
Por isso aqui aponto
0 que tenho na razão.
Bem podeis vociferar
0 cavaleiro vai sozinho
Não tem quem acompanhar
Indo só pelo caminho.
"Sete anos serviu Labão ..."
Assim Camões escreveu
Mas não tem dona João
Por nenhuma ensandeceu.
Esta vida é um novelo
Numa roca a girar
Sem forma nem modelo
Nunca para de rodar.
Aqui nesta lazeira
Em remanso vai surgindo
Uma grande cantareira
Verso a verso subindo.
Deixemos o cavaleiro
Seguindo a sua jornada,
A caneta no tinteiro:
Até 'manhã, camarada!
1991.06.20
SETUBAL
Sem comentários:
Enviar um comentário
Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)