* Victor Nogueira
A propósito dum post em Citizen Mary - http://citizenmary.blogspot.com/.
A Blogosfera é como todas as invenções humanas: podem ser bem ou mal utilizadas e a boa ou má utilização dependem, no fundo, de critérios de classe, de cultura ou de religião. Mas o alcance da blogosfera, amigos, é limitada. De que servem os livros a um analfabeto ou se forem um conjunto de signos que não aprendemos ou não sabemos decifrar e, sobretudo, descodificar?
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Nós, que utilizamos a internet, nós, que pensamos e queremos que seja um espaço de liberdade responsável, de aquisição ou trabsmissão do saber ou do conhecer, somos uns privilegiados, uma minoria no mundo. E somos uma minoria porque a esmagadora maioria não tem acesso à internet, a esmagadora maioria não sabe ler ou escrever. E mesmo que o saibam, expressam-se em múltiplos idiomas e signos diferentes que uns e outros não sabemos decifrar. Podem dizer-me que há os tradutores automáticos, mas quem já os experimentou sabe que o texto obtido é completamente incompreensível quando não anedótico.
Mas hoje há uma outra forma de censura, sofisticada, invisível. As grandes superfícies comerciais e as livrarias tipo FNAC ou Bertrand [ou editoras como a LeYa] controlam uma elevada quota do mercado e só publicam [ou vendem] quem elas quiserem e, mesmo publicando, podem não publicitar a obra ou não colocá-la em escaparates. E se é verdade que a FNAC e a Bertrand ainda têm alguma diversidade de «mercadoria», o mesmo não sucede nas grandes superfícies comerciais, onde predomina a literatura «light» ou «esotérica» , de ler, esquecer e deitar no caixote do lixo, ou os livros e DVD's vendidos ao quilo, como se de um saco de batatas se tratasse.
Para outra diversidade, restam os alfarrabistas ou as «feiras» do livro como as que se faziam (fazem?), por exemplo, no Mercado da Ribeira, em Lisboa, ali ao Cais do Sodré. [Mas já não como as Livrarias Sá da Costa ou Portugal, em Lisboa; onde se encontravam livros "antigos" por detrás dos novos, preciosidades para quem soubesse procurar]
O mesmo se passa com os cinemas,onde predomina esmagadoramente a filmografia norte americana, pouco diversificada.
Antes do 25 de Abril havia espaço para pequenas editoras, com maior variedade e diversidade editorial, os cinemas iam desde o «piolho» até grandes salas como o Coliseu, o Rivoli ou o Batalha, no Porto, ou o Monumental, o Eden, o Tivoli ou o Condes em Lisboa. E depois havia os Cine-Clubes. E mesmo nas pequenas vilas e cidades havia um cinema, a maioria hoje desactivados ou em ruínas. A programação era diversificada e de muitos países, com predominância para os países da Europa, e mesmo na TV era possível ver filmes doutros países, o que tb sucedeu após o 25 de Abril.
De modo algum estou a defender o fascismo ou a dizer que nele havia liberdade. Digo que apesar do visto da censura ou do exame prévio, apesar das apreensões e buscas da PVDE/PIDE/DGS, era possíver saber doutros países, doutras culturas. doutras formas de expressão. E hoje, sem censura, ela voltou de facto, porque a maioria do mercado está em meia dúzia de mãos dos senhores do dinheiro e as pequenas editoras, os raros cinemas alternativos, alguns recuperados pelos Municípios, estão extintos ou em vias de extinção, sobretudo fora das grandes cidades. E os senhores do dinheiro defendem o mundo deles, publicam aquilo que «distraia» ou descomprima a «adrenalina» e não aquilo que vá contra o «pensamento único», que ponha em causa a alienação de que a maioria está possuída, ou o poder de quem manda e de facto ordena.
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Não talvez a maioria, ainda assim privilegiada que nós somos, mas a imensa maior maioria dos que têm fome no estômago e fome de justiça, dizimados pela doença, pela falta de cuidados médico-sanitários, por bombardeamentos dirigidos «cirúrgimente» mas com incontáveis danos colaterais.
Poderia dizer-se que a blogosfera tem muita gente, embora com objectivos diversificados. E mesmo aqueles que têm os mesmos objectivos, como se organizarão para tornar mais justa a sociedade diferente que é preciso construir?
[Nada substitui o contacto e o calor humanos, a organização e o confronto com o bom ou mau cheiro da vida, o trabalho em grupo, o olhar nos olhos de cada um, as mãos no ombro, lado a lado, ombro a ombro]
Um abraço a todos que acreditam, sem força porque dispersos ou desconhecendo-se, num outro mundo onde a humanidade não viva na opressão, na miséria, na vegetabilidade!
Publicada por Victor Nogueira em Terça-feira, Agosto 28, 2007
http://aoescorrerdapena.blogspot.pt/2007/08/somos-livres.html
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)