sexta-feira, 20 de julho de 2012

em évoraburgomedieval - o estertor do regime prólogo sobre a guerra colonial e algumas reflexões posteriores



por Victor Nogueira a Quinta-feira, 19 de Julho de 2012 às 2:34 ·
* Victor Nogueira

Mas, onde estava eu no 25 de Abril, já alguém me perguntou, ansiosa sobre o post-25 de Abril. Está quase. Agora, vão os extractos de cartas que escrevi em 1961, tinha acabado de fazer 15 anos, andava eu no 4º ano do curso geral dos Liceus. E porquê 1961 ? Porque foi o ano do início da guerra colonial, em Angola, com massacres  das Forças Armadas Portuguesas , em Janeiro , regando com napalm e metralhando milhares de camponeses em greve, indefesos, a que se seguiram em Luanda depois de 4 de Fevereiro os massacres  indiscriminados dos brancos sobre os negros dos muceques (em 4 de Fevereiro o MPLA assaltara as cadeias de Luanda para libertar presos políticos  e que só causaram 7 baixas e apenas  nas Forças de Segurança]  culminando toda esta espiral de violência com os massacres  perpretados pelos guerrilheiros da UPA apoiados pelos EUA contra  centenas de brancos  e trabalhadores bailundos trazidos do Sul de Angola para trabalhar sobretudo nas roças e nas pequenas povoações do mato [ou sertão ou campo]

Já em  3 de Agosto de 1959 na Guiné Bissau tinha havido o "Massacre de Pidjiguiti" de que resultou a morte de dezenas de estivadores em greve, iniciando-se a luta armada liderada pelo PAIGC em 1962 Em   Moçambique esta fora precedida do  "Massacre de Mueda", a 16 de junho de 1960, que foi um dos últimos episódios da resistência dos moçambicanos à dominação colonial antes do desencadear da luta armada de libertação nacional em 1964 liderada pela FRELIMO.  


O inicio da guerra em Angola: O 4 de Fevereiro [de 1961]

Como já deves saber pelos jornais, houve assaltos a vários estabelecimentos de Luanda (cadeias civis, Casa de Reclusão Militar e Quartel da Brigada Móvel da PSP), na madrugada do dia 4 do mês corrente. No dia seguinte, domingo, quando a maioria da população desta cidade acompanhava à última morada os agentes da ordem mortos no dia anterior, alguns agitadores dispararam tiros, entregando‑se a demonstrações de provocação. A polícia e o exército intervieram logo, travando luta com os díscolos. Houve dez assaltantes mortos e muitos outros foram presos. Também num outro ponto da cidade houve motins. Vários polícias ficaram feridos. Na quarta‑feira, dia 8, os assaltantes atacaram a cadeia de S. Paulo. Morreram 17 assaltantes e muitos foram feridos, efectuando‑se numerosas prisões, tal como já acontecera no sábado, dia 4. A grande maioria dos assaltantes nativos estava fortemente drogados com “marijuana” e possuíam armas brancas (catanas) e armas de fogo de origem checoslovaca. Entre os assaltantes mortos ou presos havia alguns europeus pintados de preto. A polícia e o exército têm efectuado “rusgas” pelos muceques e prendido numerosos indígenas suspeitos de tomarem parte nos assaltos. Perto do cemitério foram encontrados muitos pretos feridos, tratados por duas feiticeiras, num hospital improvisado. Foram todos presos (1)

Os polícias da Brigada Móvel terraplanaram os terrenos à volta do quartel, instalaram projectores nos diversos edifícios do dito quartel e cercaram‑no de arame farpado que, segundo dizem, está pronto a ser electrificado no caso de um novo assalto. Na cadeia de S. Paulo foram instalados projectores e a guarda foi reforçada. No Quartel General da PSP a guarda foi reforçada. De vinte em vinte metros encontra‑se um polícia de metralhadora e com a baioneta calada. São ao todo seis polícias e um cipaio. Tirando isto e as “rusgas” aos muceques, tudo está normal, como antigamente. (MLF - 1961.02.23)


(1) Toda a população branca da cidade foi aos funerais. Estava tudo dentro do cemitério da Estrada de Catete quando alguém gritou Eles venhem aí! começando a ouvir‑se rajadas de metralhadora. A partir daí foram o pânico generalizado e o caos, com as pessoas a correrem desordenadamente, aos gritos, uns para aqui e outros para ali, todos confluindo para o portão principal do cemitério, pequeno para tão grande avalanche. Lá dentro, havia sapatos pelo chão, pessoas correndo com um pé descalço e outras partindo árvores e estacas de sustentação para improvisadas armas.

Sem perder a cabeça, conseguimos sair, (eu, os meus pais e ormão) todos juntos, em direcção à carrinha no meio dos inúmeros veículos que estavam cá fora estacionados. De repente ouviram‑se novas rajadas de metralhadora, e aí deitei‑me no chão, esperando que uma cova se abrisse debaixo de mim para me proteger.

A viagem de regresso fez‑se a passo de caracol e seguramente que muitos brancos teriam sido chacinados se tivesse mesmo havido um ataque. E a imagem que me ficou, perante o absurdo evidente daquela retirada geral sem qualquer segurança, foi a imagem dum negro desolado à beira da estrada, esfarrapado e ensanguentado. Essa noite e os dias que se seguiram foram de represálias e massacres indiscriminados sobre os negros dos musseques, perpetradas pelos civis brancos armados.

ADENDA - Antigamente havia quem escrevesse muito e muitas dessas cartas acabam por ser testemunho dos tempos que corriam, interpretados de acordo com os diferentes ângulos de visão, que também ao longo dos tempos podem mudar.

Estudando em Angola, de Angola pouco sabíamos, como registo no meu poema Raízes. Lembro-me que na 4ª classe havia um pequeno livro de capa avermelhada dedicado à História de Angola, que começava com a chegada de Diogo Cão ou Paulo Dias de Novais. Para trás nada havia e os feitos «celebrados» eram os dos «descobridores» brancos de Portugal, encarregados de levar a «Fé Cristã» e a «Civilização» aos bárbaros, ímpios e pagãos primitivos que povoavam África desde tempos imemoriais.

Havia salvo erro uma referência à rainha Nzimba Mbandi NGOLA [que se opôs à clonização portuguesa] Mas depois, no ensino secundário, Angola desaparecia perante a omnipresença de Portugal Continental, o «Puto», como se dizia. E no entanto, nos livros em inglês ou em francês que me ofereciam nas datas festivas, Portugal resumia-se, quanto muito, a uma escassa meia dúzia de linhas, talvez apenas a Vasco da Gama e Fernão de Magalhães.

Afinal, como descobri depois, havia uma outra história e outras culturas e mundividências e o começo da guerra em Angola contra os «brancos» começara muitos séculos antes, praticamente desde a chegada dos portugueses ao território que daria origem a uma colónia denominada Angola, «juntando» povos [tribos] rivais, cuja divisão se fomentava, dentro do princípio de que para reinar é preciso dividir e acirrar os antagonismos.

Mas, mesmo entre os brancos, havia quem quisesse a independência de Angola, cujo desenvolvimento económico a Metrópole coarctava. Mas esta seria para muitos uma independência que lhes permitisse manter a sua situação privilegiada face à esmagadora maioria da população, do mato e dos musseques.

RAÍZES


............."Maianga Maianga
.............Bairro antigo e popular
.............Da velha Luanda
.............Com palmeiras ao luar ..."

.............''A Praia do Bispo
.............Cheiinha de graça
.............De manha á noite
.............Sorri a quem passa ..."

............(das Marchas Populares em Luanda)


Longo era o bairro ao longo da marginal
Longo era o bairro do morro de S. Miguel ao morro da Samba
Grande era o bairro e grandes as casas
No meio o bairro operário e a igreja de S.Joaquim,
estreitas as ruas, pequenas as casas.

Nas traseiras, o morro,
no alto o Palácio,
Na frente a larga avenida,
o paredão, as palmeiras e os coqueiros
a praia que já não era do Bispo
mas das pedras, dos limos e dos detritos.

Mais além a ilha que era península
com a sanzala dos pescadores
casas de colmo no areal
da extensa e boa praia
o mar sem fim.

Em Luanda nasci
Em Luanda vivi
Em Luanda estudei

Não Angola mas Portugal
Todos os rios e afluentes
Todas as linhas férreas e apeadeiros
Todas as cidades e vilas
Todos os reis e algumas batalhas
as plantas e animais
que não eram do meu país.

De Angola
pouco sabíamos
até ao 4 de Fevereiro, até ao 15 de Março
Veio a guerra e
....................a mentira
que alimenta
..................a Guerra,
Veio a guerra e a violência
veio a guerra e a liberdade.

Em Évora a 11 de Novembro
Em Luanda a bandeira do meu país
no mastro subiu.
Era o tempo da liberdade e da esperança.

No Porto
Em Lisboa
Em Évora estudei
Em Évora casei
Em Évora vivi e nasceram o Rui e a Susana.

Em Setúbal moro e no Barreiro trabalho

Perdidos os amigos,
perdida a infância
Estrangeiro ......sem raízes ......sou em Portugal.

Victor Nogueira
1989

 O 15 de Março [1961] e os Massacre no Norte de Angola

* Victor Nogueira

Das cartas por mim então escritas e os comentários que o tempo e outra visão ditaram posteriormente

Registaram‑se massacres no Norte de Angola, praticados por terroristas. Os europeus e os indígenas que não quiseram aderir aos terroristas foram martirizados e mortos. Muitos dos mortos foram cortados às postas pelos terroristas. Grande número de fazendas ([1]) e pontes foram destruídas. Em Luanda os civis têm‑se exaltado. Anteontem foram falar com o cônsul americano, o qual lhes perguntou o que desejavam. Após ouvir as alegações dos civis, teria respondido: “Vão‑se embora que isto é dos pretos.” Aqueles, ouvindo isto, arvoraram a bandeira portuguesa no mastro do consulado e atiraram o automóvel do cônsul ao mar. Ontem outro grupo de civis atacou a Missão Evangélica, mas foi disperso com bombas lacrimogéneas. ([2])

Têm‑se formado Milícias de Defesa Civil do Território, nos bairros da cidade. Na Praia do Bispo ainda se ofereceram 15 homens, que têm feito a ronda nocturna. No entanto ontem eu e outro rapaz andámos a distribuir os papéis de inscrição pelo bairro. Houve uma casa em que me responderam:“Nós somos velhos, não precisamos disso. Vai‑te embora.” Essa é uma casa de mulatos. Se eles aceitassem menores de 18 anos para fazer a ronda eu oferecia‑me [eu tinha 15 anos, na altura] . Assim só precisam dos menores para fazer os serviços dum contínuo quase.

A semana passada aprendi a carregar e descarregar uma espingarda, quando fui com o meu pai ver os funcionários das O.P. [Direcção Provincial das Obras Públicas de Angola] que ficam de velada à noite. O meu pai [como chefe do Servço de Armazéns] é quem abre as portas dos armazéns onde dormem. (JLF - 1961.03.24)

Registaram‑se no Norte de Angola, nas regiões de Maquela do Zombo e S. Salvador insurreições de indígenas. Há a lamentar numerosas vítimas, quer entre os europeus, quer entre os indígenas (principalmente os bailundos) que defenderam as fazendas. Segundo os relatos dos refugiados os insurrectos após martirizarem os europeus e indígenas cortaram‑nos às postas! Para evitarem a fuga dos europeus os revoltosos abriram valas nas estradas e derrubaram as pontes. Felizmente que a calma já se encontra restabelecida! ([3])

Em Luanda os civis têm‑se exaltado e já por diversas vezes atacaram pretos pela simples razão de serem pretos. Anteontem um grupo de civis foi falar com o cônsul americano, mas estes ter‑lhes‑ia dito: “Vão‑se embora que isto (Angola) é dos pretos”. Claro que os civis indignaram‑se e, após espatifarem o carro do consulado, atiraram‑no à baía, cantando “A Portuguesa” e dando vivas a Salazar. Ontem outro grupo de civis queria fazer uma manifestação em frente do consulado americano, mas a polícia dispersou‑os com bombas lacrimogéneas. No entanto mudaram de rumo e depredaram a Missão Evangélica. (NID - 1961.03.24)

Registaram‑se no Norte da Província, nas regiões de Maquela do Zombo, S. Salvador e outras, insurreições dos indígenas. Estes praticaram atrocidades. Além de assassinarem os colonos europeus mataram os pretos que a eles não quiseram aderir. Sanzalas inteiras e fazendas foram arrasadas. Graças à rápida intervenção das forças armadas as insurreições acham‑se quase dominadas. Têm‑se efectuado numerosas prisões. A grande maioria dos europeus até aqui presos são pequenos funcionários, a quem tinham prometido os cargos de ministros dos governos do Negage e de Camabatela, que se haviam de formar. As zonas assaltadas pelos terroristas estavam cheias de colonos barbaramente mutilados, estando muitos vexados, principalmente as senhoras e raparigas.

Em Luanda os civis têm‑se exaltado. No dia 22 um grupo de civis foi falar com o cônsul americano. Este ter‑lhes‑ia dito: “Vão‑se embora que isto é dos pretos.” Aqueles exaltaram‑se, arvoraram a bandeira Portuguesa no consulado e atiraram com o carro do cônsul à baía. No dia seguinte tentaram fazer outra manifestação no consulado americano, mas a polícia dispersou‑os com bombas lacrimogéneas. Nesse mesmo dia assaltaram a Missão Evangélica partindo todos os vidros. (...) A Missão situa‑se perto do Colégio das Irmãs e o Consulado na Av. Marginal,  

Não sei se conhecias o Cónego Manuel das Neves, aquele padre velhote que celebrava a missa na Sé, geralmente às 9 horas. Pois bem, foi preso. Com ele foram encontrados planos para diversas insurreições, uma delas em Luanda. Esse cónego seria um dos ministros do novo estado!!! (JG - 1961.03.27) ([4])

Isto cá por Angola não vai muito melhor. No entanto os nossos mortos podem contar‑se pelos dedos, comparados com as pesadas baixas que temos infligido aos terroristas. (JG - 1961.06.19)

[1] - Herdades agrícolas ou roças.
[2] - Neste processo os maus da fita eram os EUA e as igrejas protestantes, acusados de apoiarem a UPA (União dos Povos de Angola), movimento tribaliista de Holden Roberto, apresentado como um preto estrangeiro que nem português sabia falar!
[3]- Estava creio que numa festa de aniversário quando soube dos massacres no Norte de Angola, massacres atribuídos ao mau exemplo da independência do Congo ex‑belga tempos antes, sendo Lumumba apresentado como um malfeitor e Tschombé, separatista do Katanga, como um amigo.

Os massacres pareciam inexplicáveis, tanto mais quanto a maioria de nós desconhecia que semanas antes a aviação militar portuguesa tinha bombardeado aldeias e chacinado camponeses no Norte de Angola, em greve devido ao regime de monocultura estabelecido pelas grandes companhias, em detrimento das culturas tradicionais de subsistência. Neste contexto poderá ser explicado o ódio aos fazendeiros e indígenas com eles colaborantes [os bailundos, do Sul de Angola], independentemente doutras considerações.

A verdade é que entre os brancos se instalou um autêntico clima de histeria, alimentado pela publicação de fotos, notícias e romances dos massacres dos europeus, sem que a outra parte pudesse fazer o mesmo. Eram frequentes os boatos em Luanda sobre o envenenamento da água das canalizações ou da descida dos negros dos muceques, infiltrados de terroristas, para massacrar os brancos da cidade.

Muitas vezes fomos todos dormir para o escritório do meu pai, num arranha‑céus na Marginal, adultos e miúdos todos deitados uns ao lado dos outros, à espera do que viesse. Este clima de histeria desculpava e justificava os massacres indiscriminados sobre os negros, linearmente o inimigo, logo ali abatidos pelas milícias populares ao menor gesto suspeito.

A célebre frase de Salazar, «Para Angola e em força», marcou uma viragem no ânimo dos civis, levado ao rubro pela chegada e desfile dos primeiros contingentes militares que marchavam pela Marginal perante as ovações de quem pejava os passeios. Tropa mal preparada, que nos primeiros tempos morria como tordos nas emboscadas, com armamento obsoleto que muitas vezes rebentava na cara e nas mãos dos soldados, os maçaricos como depreciativamente começaram a ser tratados pelos brancos de Angola.

[4] - O Cónego Manuel das Neves era um velhote simpático, mestiço, com quem gostava de falar, que me baptizou, crismou e deu a 1ª comunhão. Apesar de todas as histórias que se passaram a contar, nunca o vi como um terrorista sedento de sangue. Aliás, nunca consegui embarcar nas teses maniqueístas dos brancos bons vítimas da maldade dos negros a soldo do estrangeiro.

Foram criados negros que andaram comigo ao colo, me embalaram e contaram histórias para adormecer; foram negros os criados com quem brinquei; eram negros a lavadeira e os criados com quem conversava, que gostavam do menino Vitó porque os tratava sem arrogância, os considerava seus iguais e procurava que tivessem os mesmos direitos que os brancos! Lembro‑me da Maria, lavadeira, velhota, que fumava os cigarros com o morrão para dentro. Lembro‑me dos criados, como o Sebastião, o Laurindo, o Ambrósio ou o Fernando, este que se dizia filho dum soba e sucessor do pai lá  para o sul de Angola.

Massacres em Angola - 1961- pontos de vista
.
Notas de Victor Nogueira [editor] ao texto Massacres em Angola - 1961- pontos de vista, da autoria do senhor Coronel de Infantaria reformado VDC, publicado no PortugalClub e que com a devida vénia é reproduzido no D'Ali e D'Aqui  e contraditadas por VN no Mundo Phoographo de  6 maio 2008 .

. O Editor publica o texto que refere no início deste post apenas como um testemunho descontextualizado, que respeita, mas reafirma que os massacres da UPA foram fomentados e financiados pelos Estados Unidos da América durante o mandato do Presidente John F. Kennedy num contexto de exploração de rivalidades tribais acicatadas e da «Guerra Fria»

. O editor relembra que foram os EUA e não a URSS que lançaram as duas bombas atómicas sobre o Japão, para experiências sobre as consequências sobre seres humanos e para amedrontar a URSS, feito que o General Mac Arthur tentou repetir durante a guerra da Coreia, na Presidência do anti-comunista Truman, mas que não repetirá no Vietname, onde, não obstante, a actuação dos EUA foi a de criminosos de guerra e contra a humanidade.

. Aliás toda a política externa dos EUA tem como base a Doutrina Monroe e a Teoria do Dominó, da autoria de John Foster Dulles prosseguida ou implementada com maior ou menor empenho pelos sucessores do Presidente Eisenhower.

. O editor relembra que o actual Presidente dos Estados Unidos [Georges Bush] pretende repetir o mesmo e que os EUA se recusam a aceitar colocar-se sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, continuando a apontar armas contra a Rússia, apesar da queda do Muro de Berlim, da implosão e desagregação da URSS e do «fim» do comunismo e da sua conversão ao capitalismo.

. O editor reafirma que a colonização portuguesa não foi menos violenta e opressiva que a dos outros países, que a esmagadora maioria da população, negra, não gozava dos benefícios da pretensa superioridade da autodenominada civilização cristã ocidental, que não concorda com o terrorismo bárbaro da UPA nem com o terrorismo bárbaro da Força Aérea Portuguesa que tempos antes regara com napalm os camponeses e as suas aldeias, em greve contra a Cotonang.

. O editor, então adolescente, estava lá e assistiu ao horror da chegada dos brancos fugitivos a Luanda e dos massacres indiscriminados praticados pelos brancos e pela OPDCA [Organização Provincial da Defesa Civil de Angola] sobre as populações negras dos musseques ou que descessem à cidade do asfalto.

. O editor compreende os massacres praticados pelas tropas expedicionárias portuguesas em reacção à barbárie da UPA instigada e financiada pelos EUA mas isso não serve de desculpabilização nem justifica branqueamentos da história.

. O editor esclarece que não põe em causa o heroísmo das tropas portuguesas nem o sofrimento dos colonos e das populações negras do mato ou da cidade do asfalto.

. O editor entende que o processo de descolonização deveria ter sido outro, mas responsabiliza em 1º lugar o regime de Salazar e Caetano e quem os suportava, e depois os oficiais do quadro permanente que prestaram juramento de fidelidade e defesa do regime fascista e colonialista, contra os «ventos» da história.

. O editor percebe as razões do senhor Coronel de Infantaria Reformado e não põe em causa uma brilhante e louvável caderneta militar.

. O editor regista as palavras do senhor oficial reformado sobre os «deveres para com a Pátria, mormente, o do sacrifício da vida, inscritos no Código e no Juramento de Honra do cidadão militar» . Só que os militares não são apolíticos, não são falhos de inteligência e gozam dos direitos de cidadania e dos deveres de respeito pela Carta das Nações Unidas (e resoluções desta), pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pelas Convenções Internacionais, como as de Genebra ou as que tipificam os Crimes de Guerra ou contra a Humanidade.

. A «Honra Militar» não é um albergue espanhol tal como a palavra Camarada. Infelizmente esta é com aparente indistinção utilizada pelos Militares de Carreira, pela «histórica» Mocidade Portuguesa do«Lá vamos cantando e rindo levados levados sim». pelos socialistas, pelo movimento operário e pelos comunistas.

. Quanto à honra militar, ela cobre tudo. Desde a sedição dos generais e tenentes que estiveram à frente do 28 de Maio contra a República, incluindo Gomes da Costa, Mendes Cabeçadas, Sinel de Cordes e Óscar Carmona, como aos oficiais que apoiaram uns Salazar ou Caetano (incluindo os coronéis do lápis azul [censura prévia] ou a triste «Brigada do Reumático») e outros, insuspeitos de estarem a soldo de Moscovo, que tentaram apeá-lo muitos com o apoio dos EUA, como o Marechal Óscar Carmona, ou os Almirantes Mendes Cabeçadas e Quintão Meireles, ou os Generais Norton de Matos, Craveiro Lopes, Humberto Delgado e Botelho Moniz, ou que não foram «acéfalos», como os Generais Vassalo e Silva, António de Spínola, Costa Gomes ou o coronel Vasco Gonçalves  e os «sediciosos» capitães de Abril.

. Em 1961, branco nascido em Angola estava em Luanda e como muitos outros interrogávamo-nos porque éramos obrigados a «estudar» a fundo e com pormenor o Puto e não as plantas, os animais, a história, a geografia ... duma terra longínqua em detrimento da realidade que nos cercava, Angola. Orgulhávamo-nos «infantilmente» de Luanda ser a 3ª cidade de Portugal, com os seus arranha-céus, amplos horizontes e avenidas largas.

. Vivi com angústia o desespero dos brancos durante o funeral dos «agentes da ordem» mortos nos ataques do 4 de Fevereiro e o medo dos sucessivos boatos após o 15 de Março de que os negros dos muceques iam descer à cidade do asfalto para massacrar os brancos ou envenenar os depósitos de água.

. Revoltei-me com as chacinas praticadas pela UPA desconhecendo durante anos os massacres da Baixa do Cassange.

. Vibrei com entusiasmo com a frase de Salazar «Para Angola em Força» [derrotado o Golpe Botelho Moniz]  e estava entre a numerosa multidão que aclamou com delírio a chegada das primeiras tropas portuguesas a Luanda.

. Vibrei com a tomada e «libertação» de Nambuangongo e doutras povoações. Acreditava na multiracialidade de Portugal, sobretudo em Angola, onde não havia o evidente «racismo» da África do Sul e dos ingleses.

. Não defendia então a independência de Angola nem questionava o regime de Salazar nem a sua figura, apresentado como o homem que salvara a Pátria dos descalabros da «anarqueirada» e «desordem» da I República.

. Por influência  paterna, nunca acreditei na superioridade dos homens sobre as mulheres e nunca também acreditei na superioridade dos brancos nem na inferioridade dos negros, por estes apresentados como «matumbos» (ignorantes), «crianças grandes», «mentirosos compulsivos» ...

- Afinal eu convivia com eles e o meu pai não era nem nunca foi racista nem até então o ouvira alguma vez defender ou louvar o regime de Salazar, antes de algum lado me viera a convicção, talvez errada, de que em Angola quem vencera as eleições [em 1958] fora o General Humberto Delgado.

. Nunca ouvi ao meu pai uma palavra de justificação e compreensão pelos massacres indiscriminados perpetrados pelos brancos da OPDCA, em cujas missões e expedições me parece nunca participou ou pelos massacres dos militares portugueses. Proibiu-me terminantemente e sem justificações de me inscrever ou participar na OPDCA. Nunca lhe ouvi dizer que os brancos eram superiores aos negros ou defender a inferioridade destes. Nunca o ouvi tomar partido nem pela UPA nem pelo MPLA.

. Surpreendia-me no entanto que os brancos aceitassem com naturalidade e para mim contraditoriamente que o patrão branco desse duas chapadas ao criado negro [mesmo adulto] ou que à mínima falta, mesmo sendo homem adulto, um criado negro pudesse  ser levado ao chefe do posto, o «Poeira», para levar humilhantes palmatoadas ou ser mesmo condenado (sem julgamento) a uns dias de trabalho forçado na estrada.

. Mas apesar dos meus 15 anos, com a minha inteligência, comecei a registar todas estas contradições. a tomar conhecimento das chacinas dos brancos sobre os negros dos musseques e dos soldados sobre os negros na sua caminhada "heróica" para Nambuangongo, e a questionar a hipocrisia e mentira dum Portugal apresentado como tolerante, humanista, não racista, do Minho a Timor.

. Como muitos outros brancos de Luanda comecei a questionar o comportamento machão e de auto-convencida superioridade das tropas de elite que eram os paraquedistas e aviadores da FAP [Força Aérea Portuguesa] , que consideravam que todas as brancas eram presa sua rendidas a seus pés e aos seus encantos.

- Indignámo-nos com a expedição punitiva que os Paraquedistas fizeram lançando uma granada para dentro da pastelaria Versalhes, frequentada pela «alta-sociedade» local, donde alguns deles tinham sido expulsos pelo gerente face ao sistemático assédio às mulheres brancas. Lembro-me das sirenes das ambulâncias que nessa altura atroaram os ares de Luanda.

. Congratulámo-nos com a sua punição expedita e envio imediato para a frente de combate.

. Lentamente fui criando outra consciência, condenando o tribalismo racista da UPA, o apoio que a esta lhe dava o tio SAM, e tornando-me simpatizante do MPLA. E fui-me distanciando das mentiras e do regime de Salazar. No sétimo ano. no Liceu Salvador Correia, nas aulas de Geografia dadas pelo Reitor, amigo da família e meu, o dr. Armindo Gonçalves,  (…) nós defendíamos a independência de Angola e uma das minhas «coroas» de glória foi conseguir que a professora de OPAN (Organização Política e Administrativa da Nação), a «Piriquita», na sequência duma hábil sucessão de perguntas minhas, tivesse de reconhecer que face ao que o obrigatório livro único explanava, do ponto de vista teórico nada distinguia o corporativismo português do nacional-socialismo de Hitler e sobretudo do fascismo de Mussolini [Em casa havia muitos livros contra o nazismo]

. Não faço revisões do meu passado nem da história, mas coerentemente continuo anti-racista, tolerante para com todos menos em dar Liberdade aos Inimigos da Liberdade, deixei de acreditar na superioridade da civilização cristã e ocidental e considero todos diferentes /todos iguais. Continuo a acreditar na generalidade dos ideais e princípios até agora teóricos da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1791) ou da Declaração dos Direitos das Mulheres e da Cidadã (1791 - Olympe de Gouges) bem como na Declaração de Independência das colónias britânicas da América em 1776, a a respeitar os decretos da Comuna de Paris e a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela ONU. Com as mesmas reservas relativamente a esta formuladas por José Saramago. . (…)

. [O meu pai] Viu atentamente a série de Joaquim Furtado sobre a guerra em África e confessou que desconhecia factos aí relatados e que eles (os negros) tinham (alguma) razão. Continua mais salazarista que Salazar [ele que na minha meninice e adolescência nunca o fora] , apesar de ser um homem inteligente e culto. Vários ex-soldados insuspeitos de simpatia por Moscovo ou Cunhal, ao encontrarem-me na rua, dizem-me com lágrimas nos olhos: é verdade aquilo que mostram mas muitos fomos obrigados a agir assim por ordem dos oficiais.

. Também tenho amigos que foram oficiais milicianos nas frentes de combate que apesar disso não apoiavam a guerra nem os massacres sobre as populações negras que procuraram evitar.

. Nas vésperas da minha vinda para o Puto para prosseguir estudos universitários, pela madrugada fora o meu pai disse-me que enquanto estudante de engenharia, nos idos de 1940, fora contactado para ingressar no PCP mas recusara. Seguiu-se depois um longo discurso, que me não metesse na política, que os comunistas mandavam os ingénuos para a frente sendo estes presos enquanto os comunistas ficavam na sombra e escapavam.

. Ao chegar a Portugal verifiquei que a censura era muito mais férrea que em Luanda, mas que podíamos ler nas entrelinhas ou não do Diário de Lisboa ou do República, da Seara Nova, do Tempo e o Modo, do Notícias da Amadora, do Jornal do Fundão (azul) ou o Comércio do Funchal (rosa), do Encontro (da JUC), para além da imprensa do Movimento Associativo Estudantil Universitário. Verifiquei que podíamos comparar o noticiário «ofícial» da restante imprensa e da RTP com as clandestinas, quase inaudíveis e «ruidosas» emissões da britânica BBC, da subversiva Rádio Portugal Portugal Livre ou da mentirosa Rádio Moscovo («A verdade é só uma, rádio moscovo não fala verdade»).

. Apesar disso verifiquei então que a censura cultural era muito mais férrea na Metrópole que em Angola. [Mas posteriormente ] e quando ia a Luanda nas Férias Grandes verifiquei que em Luanda e seguramente em toda a Angola os meios de comunicação tinham passado a afinar todos pelo mesmo diapasão e que a censura se tornara ainda mais férrea [que em Portugal]. Era uma autêntica lavagem ao cérebro e de nada servia dizer ao meu pai que estavam todos a ser enganados, que se tratava duma guerra económica e internacionalmente perdida, que a «independência», qualquer que fosse o seu sentido, era inevitável. O meu pai, angolano de coração e adopção, zangava-se comigo e acusava-me de sofrer «lavagens ao cérebro», mas embora hoje seja mais salazarista que Salazar, continua não racista nem xenófabo e acredito me dá a razão que então se recusava a aceitar, nem que seja a contragosto e por meias palavras. E acredito que não colaboraria e continuaria adversário de chacinas e banhos de sangue.

. É a vida e são outras visões, tão isentas e aceitáveis como as do respeitável senhor Coronel de Infantaria na reforma. . .  ______________________

Goya - Os Desastres da Guerra
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Picasso - Guernica
1951 - Foto de família - Luanda - os 3 "manos"


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    Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)