* Victor Nogueira
Trovas e Variações Sobre o Ninho que Passa
Uma palavra pequena,
Cinco letras d'encantar:
Flor inocente, açucena,
O ninho, sem escavar.
Ninho, florida palavra,
Terna, como passarinho,
É um campo onde se lavra
Devagar, devagarinho.
Lá no cimo da montanha
P'ra lá da núvem, o ninho
D'águia, liberdade sem manha,
Ou aterro no caminho.
Mas em terra de maldade
Há muito ninho de víbora,
Que não nos deixa saudade,
Em campo sem armadura.
O cuco, ave com vasa:
Sabe muito, espertalhão;
De outrem procura casa
Onde põe a criação!
O lobo quer a ovelha,
Não há bela sem senão
Faz-lhe o ninho na orelha,
E não semeia, papão!
Há quem seja arrumadinho,
Tudo certo, no lugar,
Não é dos ratos o ninho
Sem cotão a enredar.
Ninho de pulgas, de ratos,
É conceito sem doçura,
Diz a princesa sem gatos,
Ao sentir a mordedura.
Ninho feito, pêga morta,
Cantando sai trovador,
Assobiando p'la porta,
Mui ligeiro, sem ardor!
Com filosófica trova
Em finada escavação
De quadras, uma prova
Com ligeira saudação!
Nem tudo o que luz é d'ouro
Diz o povo sabichão
Doce ninho, um tesouro,
Com muita encenação!
Setúbal, 1993.07.20
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Trovas do Conde Niño
Na Fonte do Passarinho
Vive uma rara donzela,
Princesa do Conde Niño,
Cavaleiro de Castela.
Guardada pelo escudeiro,
Jovem belo, donairoso,
Era fiel mensageiro,
Confidente precioso.
Mora no cimo do monte,
Ninho d'águia, um castelo,
Sem linha no horizonte;
Um jardim sem paralelo.
Assim pensava o visconde,
Cavalgando no caminho
Em busca daquela Fonte,
De seu coração o ninho.
Cavalgava noite e dia,
Em busca do céu d'anil,
Não parava nem comia,
Mui garboso, mui gentil.
Era negro o seu corcel,
E d'espantar o seu canto,
Bem florido, um vergel,
Renascendo sem quebranto:
"Ai senhora da minha alma
Ninho do meu coração
Ai sois rosa doce e calma
Calmosa, sem aflição."
Calmoso, sem aflição,
Trovejava o conde Niño
Com tremido vozeirão,
Frágil, terno passarinho.
Frágil, terno passarinho,
Ai, quem diria, varão.
Caminhava p'lo caminho
Calmoso, com afeição!
Setúbal, 1993.07.20
Victor Nogueira
Rimance de dona maricota
Por Angola lá viveu
Para o Puto regressou
Estudando no liceu
A liberdade virou
Em vila real sentada
Posta em sossego à janela
Com a vida deslumbrada
Dando à pena espreitadela
De nome Maricotita
No bom versejar rompia
Era guapa e catita
Sua vida que nascia
Da prisão cria fugir
com dom miguel cavalgando
p'lo caminho a luzir
e na barca navegando
Seguia pois Maricota
musa de joão bimbelo
não em busca da marmota
mas do seu andor singelo.
A lisboa aportou
mas sem a rédea nem peias
a jovem niña cantou
mui contente nas ameias
Agora bem reparei
bela Maricota rima
com ave que bem cantei
gaivota lá mais em cima
3 de Fevereiro de 2012
Setúbal
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Era branco o dia
A partir dum texto de Susana Garcia
Era branco o dia
De neve coalhado
O vermelho ria
No colo pousado
Era princesa a niña
No banco sentada
Via, linha a linha,
O conto, prendada
Perto, a seu lado
Da graça pendente
Na pele enfiado
Afinava o dente
Era um príncipe
Vero, bem pasmado,
Sem frio nem gripe
Mui desassombrado
Um beijo aguardava
No fim da leitura
P'ra ver se passava
Com toda a lisura
O bom cavaleiro
Encantado estava;
Em negro atoleiro
Ser livre buscava
Setúbal, 2012.04.12
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)