por Victor Nogueira a Sexta-feira, 25 de Janeiro de 2013 às 21:40
Escrevo-te e não sei ainda se alguma vez lerás estas linhas sabendo que a ti são dirigidas, se alguma vez as decifrarás, estranhos que somos um para o outro, se alguma vez por ti o meu retrato mudará e para ti inventarei com signos gastos palavras novas que sejam mágicas e só tu saibas que te foram destinadas.Vejo-te à janela e entre nós o mar oceano da cor dos teu olhar é um caminho de veredas a construir, áspero ou suave, brilhante ou baço, aventura com a ventura da descoberta.
Para mim que apenas te vejo à janela com o universo entre nós és apenas e por enquanto uma imagem, o reflexo dos meus sonhos tecidos como se brocados fossem na sua tessitura, uma palavra aqui, um sorriso além, uma lágrima acolá … Uma imagem talvez fruto de enganos meus !
Imagem, reflexo, imaginação – não sabes quem sou porque ainda estranhos somos, na aparência do que não é nem o essencial nem profundo. Falo disso num poema arqueológico: queres lê-lo/interpretá-lo para mim, para nós !? Dir-me-ás que o tempo é outro, hoje de inverno ou de inferno, antítese do de outrora, mas ao mago todas as liberdades são permitidas para estender perante ti uma rede-teia-tela feita com o teu encanto e sedução, pois …
Neste jogo de palavras
e de gestos comedidos
.
Aqui
neste canto da cidade
preso à roda do leme
em sonhos
que sonho em ti
busco o passado que não fui
no futuro que não serei
suspenso do teu andar
Arde-me o sangue nas veias
neste fogo vento suão
murmúrio do teu sorriso
verde brisa na planura
fresca do teu olhar
Ainda não consigo inventar para ti palavras novas sobre sentimentos que parecem únicos mas se repetem remoçados ao longo dos milénios, transmitidos de geração em geração de modo imperfeito e com o sentido não de quem os viveu mas com a imaginação/reflexo de quem as lê !
Não sei se o escritor escreve interminavelmente sobre o mesmo embora com a aparência da novidade artesanal. Talvez assim seja, talvez quem escreve seja o eterno alquimista-litógrafo em busca da sempre longínqua pedra filosofal que no horizonte se perfila como o arco-íris que atravessa a abóbaba celeste, sete-céus na mouraria encantada, quanto o sol refulgente afasta as gotas de chuva após a tempestade. E no entanto as gotas de chuva irmãs do orvalho matinal estão lá, refractando a luz, desnudando a cor para lá da brancura num incessante jogo de união e síntese ou desdobramento e cisão.
Não sei pois o teu nome, qual inventarei para que apenas nós dois saibamos quem és, nem que rimance será por nós esculpido. Não basta que eventualmente me digas ou para ti murmures como outras, breve sumidas, mo fizeram, inconstantes ou temerosas: “tenho de conhecer este homem” partindo-se em voltas ao redondel em círculo fechado ou em espiral.
Sigo-te com o meu olhar, sigo-te moça, sinházinha dos cabelos do trigo em flor, em eterna mutação, acompanho-te com o teu ar decidido, encanto-me ao pensar no alvoroço do nosso primeiro beijo, sorrio com a tua voz cristalina, que imagino atenciosa/atenta, cálida e calorosa, como se estivéssemos na paragem do autocarro ou na estação dos comboios ou quando destemida ou confiante assomaste sorridente à minha porta ou estivemos no areal à beira-mar ou no terraço na vila alentejana com o céu estrelado, miríades de luzeiros no “céu”, rendo-me à tua (aparente) timidez, busco em nós uma paleta feita de cetim e veludo com a qual se constrói, dia a dia e para sempre, algo tão inconsistente, maleável, mutante e frágil como é o futuro.
As palavras levam-nos por vezes por caminhos que não eram os que projectámos no início e ficando escritas perdem a fluidez e aportarão/apontarão a ilhas ou continentes desconhecidos, com os quais não sonháramos - sonho ou pesadelo, noite e dia. Mas quem não se faz ao mar fica em terra rodeado de montanhas.
Sigo-te apesar do mar-oceano entre nós e espero-te, a casa aberta com portas e janelas escancaradas ao sol, ao mar e ao vento e à chuva se a chave e o caminho souberes encontrar. Para que as palavras ganhem outra qualidade e outro sabor. Porque estas são ainda imperfeitas ! Porque escondidos/desconhecidos estamos um do outro !
Setúbal, 2013,01.25
João Bimbelo
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)