Espero que não esteja a repetir a dose para quem já as leu
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* Victor Nogueira
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1. - Escrevo isto: no entanto nada diz do meu desejo por ti e de toda a ternura que gostaria tivesse livre curso; são sensações e impressões, memórias e desejos vagos; já não sei onde eles terminam e estás tu, a tua pessoa. Gostaria de largar tudo e partir à tua busca, chegar e dizer: aqui estou, na fragilidade e na leveza dos gestos ternos que buscam a forma de expressão não nas palavras mas em si mesmos, no estar ali presente. E o meu entendimento perde-se no iinebriamento dos sentidos, por ti, que só os meuis olhos e os meus dedos conhecem: sermos apenas um completos em tudo o que nos rodeia. Mas isso, ah! isso é um instante fugaz na constância de eu ser eu, cada outro o outro e o mundo uma realidade distinta de nós. Sei isso. Sei-o até agora. A vida vai passando e nós com ela, em caminhos distintos que ainda não vejo como nem onde se juntarão. De mim sei apenas que vagueio de mãos vazias com tudo o que não floresceu senão incompletamente. Palavras, que algo em mim refreia enquanto Haydn se ouve além., no coro alto. Os meus dedos e os meus lábios percorrem o teu rosto e o teu corpo ao de leve, como brisa suave e cariciante; busco-te com ardor e tudo isto é memória ou imaginação, emoção que a nada conduz porque não é senão passado ou futuro, sem realidade no agora. Nada resta senão calá-la no fundo de mim. Hoje deixo-te apenas isto sem te falar do tempo que escorre pelos meus dedos abertos, como areia onde nada cresce, meu Senhor de mim !
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2. - Isto que eu sinto ao pensar em ti, ao ler, por exemplo, a tua carta de hoje, ao ouvir a tua voz no parlatório, de ir em busca de ti como rio para o mar, este sentido de fragilidade ... Que sgnifica? Que rumor de ave é este que me desperta? Quero e não quero e já não sei o que é feito de mim neste vai-vem. Toda eu sou qualquer força que me abandona. Mas a alegria quebrada, os gestos de amor suspensos e o prazer que não foi até à saciedade tornam-me dolorosamente dolorosas as memórias das alegrias que me deste. Meus olhos em ti ficam, meu Amor, com meus suspiros e cuidados ! Quereria escrever "Amo-te" e dói-me que o nosso amor não possa ser puro e límpido como riso cristalino na manhã clara. Que a cidade esteja cheia de olhos duros e dedos em riste que nos curvam a cabeça e tornam pesado e triste o nosso sorriso. Ah! não poder eu ir ao teu encontro, não poder eu rasgar este hábito com que me encerraram em vida e para o Mundo ! Me encerraram contra mim !
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3. - Este tempo enlouquece os sentidos e dos nossos lábios brotam as palavras ainda há pouco envoltas em espinhos e agora frescas e acetinadas, brilhantes como o orvalho. Dizem que a Primavera é a estação do amor. Mas o amor primaveril é recatado e suave. Mas o nosso, meu Amor, é quente como o fogo, convidando-nos à loucura; o nosso é um amor de Verão, pois é dos dias em que fora de nós estamos, em que o meu pensamento por ti me faz desejar-te até ao delírio, em que o sorriso e a voz terna fazem desejar-te, paradoxalmente, com toda a simplicidade que deveria haver entre um homem e uma mulher. Estás longe e os gestos e as palaras simples, os deslumbramentos, estão interditos. Não sei escrever coisas bonitas como as que me escreves. Queria apenas dizer-te da minha imensa ternura por ti, nestes dias quentes de verão, na cidade que proíbe os gestos que a mostrariam. envolta neste maldito vento suão. Ah! não poder escalar-te lábio a llábio, seguir-te com os meus dedos o perfil do nosso corpo em ti, em mim, até que a loucura corra livremente em nós ! Beijo-te e abraço-te e abandono-me-te com Amor, com ardor, porque não quero hoje pensar no futuro.
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Cartas não datadas escritas por Soror Maria Madalena, encontradas numa feira de velharias, vertidas em português actual por Victor Nogueira, na cidade de setúbal aos 3 de Julho de 2012
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)