Aqui se dá por terminada esta série, que não foi beneficiada por legiões de comentadores (m/f)..
.
Com um ar grave e solene o locutor de serviço na Televisão comunica à hora do noticiário que a emissão prossegue com um concerto de Freitas Branco, até que sejam transmitidos os comunicados do Movimento das Forças Armadas.O emissor do Rádio Clube Português transmite música portuguesa. Aguardo que retransmitam o comunicado da prisão do Presidente do Conselho de Ministros, refugiado no Quartel da GNR, no Largo do Carmo em Lisboa.
.
[Em Évora a] Rua do Raimundo, os carros nela estacionados, o pátio, o terraço, a casa de banho, estão juncados de restos de papéis queimados. Grande actividade vai ali na sede da Acção Nacional Popular (1) onde devem procurar livrar‑se de papéis comprometedores.
.
São já quase 20 horas e um novo comunicado informa que "Sua Excelência o ex‑Presidente do Conselho de Ministro se rendeu incondicionalmente a Sua Excelência o General António de Spínola, juntamente com os ex-Ministros do Interior e dos Negócios Estrangeiros" O Pai Tomás ainda não se rendeu. Penso que os regimentos de Évora ainda não aderiram ao pronunciamento militar. Pelo menos nenhum dos jornais que li hoje fala em Évora, sede de uma das quatro Regiões Militares. (...)
.
Foram pancadas secas as que me acordaram cerca das 8 h 30 m desta manhã, seguidas dum jorro de luz sobre os olhos e da visão do Diogo [Guerreiro] em pijama, o rádio na mão: "Ouve lá isto e vê se percebes alguma coisa!" Meio a dormir ouço, pelo rádio, um apelo aos médicos e falar nas operações iniciadas na madrugada de hoje. Estou baralhado e nada sei sobre o que estou a ouvir. A Emissora Nacional está silenciosa. Ouve‑se música portuguesa, especialmente do Zeca Afonso. Durante o resto do dia segue‑se a audição dos comunicados do Comando das Forças Armadas. No Instituto a malta aglomera‑se junto aos automóveis com rádio. A Filomena está assustada (Tem muito medo das revoluções!) e diz que é um golpe das esquerdas.Mas nada se sabe de concreto sobre a finalidade e orientação do Movimento [Enquanto Spníola e Marcelo se conluiavam para depor o Presidente da República, este conluiava-se com o General Kaulza de Arriaga para um golpe miliar para endurecer o regime fascista e aumentar a repressão].
.
Dizem‑me que os bancos estão encerrados e dou por mim a pensar se o dinheiro que tenho no bolso me chegará para o fim‑de‑semana. Felizmente que levantei ontem massas, se não estava lixado.
À cautela passo pelo Nazareth [Livraria] para arranjar um exemplar do "Portugal e o Futuro, de Spínola" , que não circula em Angola e que o [meu irmão Zé] tem interesse em ler.(...)
.
Venho até casa para saber de que lado está a RTP. A emissão começa à hora habitual - 12:45 - e surge um locutor de olhar esgazeado, olhando para a direita e para a esquerda, ouvindo‑se ruídos no estúdio. A emissão é interrompida. Será um locutor do Movimento? A emissão recomeça pouco depois e a dúvida desvanece‑se: o locutor, com ar atrapalhado, informa que seguir‑se‑à um filme da série Daktari, o telejornal das 13:45 e a Telescola. A emissão é novamente interrompida, recomeçando pouco depois com o filme anunciado: animais sendo caçados com laços.
.
(...) Nos comunicados do MFA o general Spínola é apresentado como o fiel intérprete dos sentimentos da população (que não se teria manifestado) (2 ) Eis o homem. Para já, teremos uma ditadura para restaurar as liberdades cívicas.
.
Nas ruas de Évora, durante o dia, a malta sorria‑se, euforicamente, numa euforia um pouco contida. (1974 ABRIL 25).
.
1 - Cujas traseiras dão para o pátio da casa onde moro.
.
2 - Ao contrário do que sucedia em Lisboa, com a população a encher as ruas e rodear os militares, determinando o rumo do Movimento, em Évora as manifestações populares foram muito comedidas.
.
É evidente que quem se teria de "render" para que "o poder não caísse na rua" teria de ser o ultramontano Presidente da República, Américo Tomás [a quem ninguém deu importância] e perante quem o Presdente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano era responsável. Mas Spínola e alguém no Posto de Comando das Forças Armadas jogou a cartada e deu luz verde para esta encenação da troca de poderes entre "sua(s) Excelência(s)".
Efectivamente Spínola tentou manter a PIDE/DGS em funções, tentou impedir a formação de partidos políticos e não reconhecer a legalidade sobretudo ao PCP mas também ao PS ou a qualquer outro partido político, tentou não reconhecer a legitimidade dos Movimentos de Libertação das colónias, designadamente ao PAIGC, ao MPLA e à FRELIMO, tentou não libertar alguns dos presos políticos ...
Mas, na rua, o povo de Lisboa e no resto do País, em 1974/1975 determinou que não se tratasse dum negócio entre "suas excelências", que pelas mãos do ps-psd-cds, com o voto de quem neles tem "confiado" aí estão de novo, arrogantes, de bolsa cheia e carteira bem recheada, ciosos dos seus privilégios, depois de Mário Soares ter congregado multidões em defesa do "súcialismo" em Liberdade contra o que chamava a "Comuna de Lisboa" e a "ditadura do PCP" no Norte - e conjuntamente com Sá Carneiro e o PPD/PSDs - se ter aliado á Igreja Católica, aos caceteiros e rede bombista do general Spínola, entretanto afastado da Presidência da República.
.
Já é sábado, ao entardecer. Estou aqui na esplanada da pastelaria “ Mexicana", [em Lisboa] aqui na Praça de Londres. As pessoas falam animadamente; todo o comércio, no entanto, está todo fechado: está em vigor a semana de 5 dias de trabalho.
.
Assisti, ao meio da tarde, ao encerramento dos cafés e pastelarias, cujos clientes as abandonaram calmamente - muitos com pacotinhos de bolos - não fossem os manifestantes (que não cheguei a ver) partirem os vidros. Esperemos que a "palavra de ordem" não se tenha esquecido que há muita malta que precisa dos restaurantes para almoçar e jantar; no 1º de Maio, um tipo ainda aguenta, mas agora... (1 ) Ah! neste preciso momento abrem‑se as portas da pastelaria. Talvez o encerramento tenha sido apenas para o tempo da manifestação dos caixeiros, iniciada no Rossio. (Foi mesmo!). (MCG - 1974.05.11)
1 - No 1º de Maio passei o dia inteiro sem comer; estava tudo fechado.
.
Faço horas para ir até ao cinema [de Paço d'Arcos], ver uma "cowboyada". Já ontem à noite lá fui e têm piada estes [filmes]"spagetti" italianos, com uma violência risível, embora a história seja linear e sem enredos, tirada e mastigada a papel químico. (MCG - 1974.09.08)
.
Afinal o filme de ontem era um grande barrete. A "cowboyada" do dia anterior ("Chamavam lhe Aleluia") tinha mais piada. A sessão de anteontem tinha 2 filmes; o outro era um "policial" do Claude Chabrol ("O Carniceiro") como sempre metendo sádicos, assassinatos e tarados sexuais. A professorinha primária do filme - uma lourinha gira com olhos azuis tinha um Citroen 2 cavalos e ia passear para o campo com o apaixonado - que era o assassino - que ia jantar com ela ou fazer serão. Sozinhos em casa, imaginem ! E todos gramavam a professora na aldeia. (MCG - 1974.09.09)
.
Um breve regresso a Económicas - Está um dia de calor abafado. Desconhecendo ainda o que a casa gasta, saí de manhã com o guarda chuva na mão e o casaco debaixo do braço. O que vale é que Lisboa é grande e a minha parvoíce passa desapercebida. Estive em Económicas com a Manuela Silva, sobre a possibilidade de participação no corpo docente do ISESE. Para além disso S.Exa perguntou me o que fazia eu, e como lhe dissesse que estava no "exército industrial de reserva", perguntou-me o que me interessaria (talvez haja possibilidade no MEC) e ficou de contactar comigo. Os contínuos (o sr.Pinto e o sr.Cascais) - vê lá! - ainda se lembram de mim e perguntaram-me se eu voltava para Económicas. Ah!Ah!Ah! (1) (MCG - 1974.09.12)
.
1 - Em Luanda as entradas e saídas nos Liceus eram controladas. Pelo que em Portugal, na 1ª vez que entrei em Económicas, em 1966, dirigi-me ao porteiro, creio que era o Cascais, dizendo que era aluno e se podia entrar. Enfim, caloirices ingénuas, como depois verifiquei, pois a entrada nas faculdades era franca e ninguém controlava as movimentações.
.
Mestre "Cuca" II - Contrariamente aos outros anos, parece me que desta vez a casa [de Paço d'Arcos, da minha tia-avó Esperança, que fora de férias, deixando-me sozinho] anda mais desarrumada. Ainda nem sequer lavei a louça do almoço, ali empilhada na pia. Hoje os meus parcos dotes culinários sofreram um rude golpe, ao tentar grelhar lulas. Ah!Ah!Ah! Uma "pessegada"! Espero que o esturricado saia e não dê cabo da frigideira (daquelas que estrelam ovos sem gordura!) Se não, lá vou entrar em despesas. (MCG - 1974.09.12)
.
Sentado aqui no "Copacabana" vejo as pessoas que passam aqui na rua ou que "estacionam" na esplanada. Um velho mal barbeado pede qualquer coisa às pessoas com chávena, pires e copos mais ou menos vazios diante de si, mas ninguém lhe liga. Relanceio o meu olhar ao meu redor e são velhos e velhas que enchem as cadeiras da esplanada. Além, na "Mexicana", a juventude é a nota característica. Que fazem estas pessoas ? De que vivem? Tão ociosas que estão!
.
Faço horas aqui na Avenida Guerra Junqueiro, junto à Praça de Londres. (...) Levanto o olhar e dou pela papelaria em frente; na montra títulos de livros ou assuntos na "berra": "Sobre o Capitalismo Português", "4 ismos" (uma porcaria!), "O Drama do Chile", "Tarrafal, Aldeia da Morte", "Watergate, o Processo do Século"´ (e eu a pensar nos julgamentos de Nuremberga ou de Estocolmo, respectivamente, sobre os crimes contra a humanidade, dos Nazis e dos Americanos no Vietname!), "O Capital" (Karl Marx), "O Estado e a Revolução" (Lenine), "Como Iludir o Povo" (idem)...(MCG - 1974.09.12
.
Uma viagem aventurosa na linha do Norte - Cheguei ontem à noite, depois duma viagem chata e atribulada. (...) A viagem foi chata porque 6 ½ horas num comboio é demasiado ... para um homem sozinho. Vim ao Porto para representar o ISESE numa Reunião Geral das Direcções Associativas (Movimento Associativo Estudantil). Vínhamos no comboio que saía de Santa Apolónia (Lisboa) ás 15h 17m, mas a malta acabou por mudar a correr para o comboio das 15:10, para ir o maralhal todo junto. Eis senão quando, o comboio já em marcha, dou pela falta da bolsa, (1) com o livro de endereços e a máquina fotográfica. Uma conversa com o revisor fez me apear na estação seguinte, para apanhar o primitivo comboio. Mas se a carteira lá ficara, o facto é que alguém a abafara. A esperança não é muita, mas pode ser que alguém a tenha encontrado na estação (Santa Apolónia) e esteja nos "Achados".
,
Em Aveiro a corrente eléctrica foi abaixo e lá ficou o comboio parado e eu cheio de sede e de fome, a ver que íamos ali passar o resto da noite! Lá para as tantas entrou o "Foguete" na estação, rumo ao Porto. Vai daí, eu e mais alguns expeditos mudámos para ele, e assim consegui viajar confortavelmente, em poltronas estofadas e com aquecimento (1ª classe), conseguindo chegar ao Porto à tabela, i.e, ás 21:30, sem pagar bilhete. (Soube depois que o resto da malta, do outro comboio, só chegou depois das 23:00). Enfim ... (MGG - 1974.09.22)
.
1 - Embora normalmente encontre tudo o que perco, não me lembro se esta foi a excepção que confirma a regra, isto é, se perdi mesmo a bolsa e o seu conteúdo.
.
Ontem fui ao cinema ver "Laranja Mecânica" [de Stanley Kubrick]. O supra sumo da violência , dizia a crítica. Da violência, tenho visto e sentido pior.
.
Hoje foi um domingo de trabalho (1974)! A resposta ao apelo do general Vasco Gonçalves, [1º Ministro], por causa do general Spínola [Presidente da República que procurava contrariar o processo revolucionário]. Havia movimento, talvez não tanto quanto aos dias de semana.
.
No Marquês (2) grupos de voluntários limpavam as inscrições na pedra do monumento enquanto nos prédios circunvizinhos se arrancavam os variadíssimos cartazes colados post-25 de Abril. Tal como na estação do Rossio, onde 3 raparigas varriam o passeio enquanto uma mulher, casaco de malha castanho e ramo de cravos vermelhos na mão esquerda, limpava os cartazes da frontaria com a mão direita. (MCG - 1974.10.06)
.
Ontem fui pela 1ª vez ao teatro de revista ver “Pides na Grelha", ali num barracão ao Martim Moniz [Teatro Ádoque] (...) Uma chuva miúdinha caia à saída e no percurso que fiz a pé até ao Cais do Sodré fui vendo "os homens da noite" ou seja, os coladores de cartazes. Bem... o primeiro "homem da noite" era uma velhota que colava cartazes manuscritos nas traseiras da Igreja de S. Domingos. Na Praça da Figueira, um grupo colava cartazes do PS enquanto que na Rua do Carmo os MRPP anunciavam o comício - que pretendem homenagem nacional - em memória de Ribeiro dos Santos, estudante [de Economia] assassinado pela PIDE há dois ou três anos.(...)
.
Pois ontem fomos almoçar à cantina da Associação de Estudantes de Economia e a páginas tantas uma voz forte silenciou o vozear das conversas e um MRPP começou a denúncia da "traição dos sociais fascistas" (PCP mais a pró-UNEP) e da provocação que foi o arranque das placas que assinalavam o Largo Ribeiro dos Santos. (3) Ao fim de algum tempo a malta ligou à terra e continuou a conversar, mas o "MR" prosseguiu o seu arengar às massas e... pôs à votação uma moção de protesto e um comunicado (perante o desinteresse notório e ostensivo da maioria dos presentes na cantina). Entretanto MR's vendiam pelas mesas o "Luta Popular" e UNITÁRIOS (PCP) o "Avante". Quem vota contra? Quem se abstém? Quem vota a favor?
.
(Sentado a um canto da cantina observo, mas não vejo qualquer braço levantar-se. De resto, a partir de certa altura, mal consigo perceber o que o MR lê ou comenta. Assim, muito surpreendido, ouço o tipo proclamar a aprovação com 4 abstenções e nenhum voto contra! Ah! Ah! Ah! Esta táctica é que eu não conhecia. Enfim... (Foi mais ou menos assim que se aprovou a Constituição de 1933) (MCG - 1974.10.11)
.
Ali as Galerias ITAU, aqui na Alameda D. Afonso Henriques, estão fechadas - e deve ser há muito - pelo que resolvi sentar‑me na Esplanada do Pão‑de‑Açúcar a lanchar e, enquanto faço horas para ir até à Gulbenkian, vou escrevendo. O barulho é muito: dos carros que passam, o roncar dos motores e as buzinadelas, o chiar dos pneus no asfalto e o roçar das cadeiras e mesas de ferro no empedrado da calçada, isto sem falar no homem que varre o passeio e no vozear das pessoas que conversam. Enfim, uma "sinfonia" pouco agradável, mas lá dentro o ar está quente e de cortar à faca. (MCG - 1974.10.17)
.
"A Grande Farra": uma grande estupidez, aquilo das pessoas comerem até rebentarem. Achei o filme chato e quanto às "cenas eventualmente chocantes", (1 ) a minha moralidade e a minha teoria há muito que deixaram de ser burguesas. (MCG - 1974.10.17)
.
1 - Aviso que acompanha determinados filmes.
.
Perante a vastidão da tarde que se abria perante mim resolvi ir ao S. Jorge ver o celebérrimo "O Último Tango em Paris", que ainda me deixou mais desmoralizado, não "pelas cenas eventualmente chocantes" - uma mulher nua passeando-se pelo ecrã ou filmagem do acto sexual por duas vezes - mas porque estou farto de "non sense" embora eu saiba que tudo isto da vida e dos sentimentos é tudo uma ilusão (...) (MCG - 1974.10.19)
.
Desta vez escrevo do café Gelo, aqui no Rossio, avistando ali uma nesga da Rua 1º de Dezembro e da Estação [do Rossio]. Defronte a mim o [Emídio] Guerreiro acabou de lanchar e lê agora o jornal. Mais adiante, o empregado da tabacaria, calças aos quadrados., camisola preta e longos cabelos louros, vai lanchando e arrumando a loja. Esperamos que o Carlos [Nunes da Ponte] saia do emprego.
.
O Guerreiro chegou ontem e temos percorrido Lisboa em busca dum emprego que não aparece, apesar do coração de Portugal estar doente e ser uma chatice se deixar de trabalhar (Pelo menos é o que diz o anúncio da RTP). Assim, temos deixado impressos devidamente preenchidos... aguardando.
.
As minhas tias, especialmente Esperança, andam inquietas, pois dizem que eu sou bolchevista (ai, credo!) e assustam‑se quando digo que vou começar a assaltar bancos. (...) (MCG - 1974.10.22)
.
A Câmara Municipal de Lisboa mandou arrancar as placas no Largo Ribeiro Santos que o MRPP e o povo do bairro tinham colocado em substituição das antigas (Largo de Santos), em homenagem ao estudante Ribeiro Santos, assassinado pela PIDE. (MCG - 1974.10.21/22) (1)
.
1 - Houve na altura uma grande controvérsia pois a Câmara de Lisboa de então não concordava com o baptismo do Largo, ali para Santos e perto de Económicas, como se dará notícia mais adiante. (1998.Maio)
.
O tempo está húmido e frio e quando cheguei de Lisboa estava farto da viagem e da constipação (...) No comboio duas raparigas - especialmente a que se chamava Nani - tentaram provocar conversa comigo - as deixas foram muitas - mas sem grande resultado. Não sei o que seriam: empregadas de escritório, operárias ou qualquer outra coisa. A máquina de discos aqui doutro café da rua principal de Paço de Arcos transmite qualquer coisa barulhenta e desconchavada cujo estribilho é "Oh Mary". Não vale a pena a troca, pois aqui também não há pregos nem leite. Tenho mesmo de ficar mal jantado. (MCG 1974.12.26).
.
O dia hoje está cinzento e montes de jornais e livros enchem aqui a mesa da sala de jantar [em Paço de Arcos] Um deles, "O Combate", tem escrito a toda a largura da 1ª página: "A libertação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores". E a titular a 1ª notícia: "MFA, liberal na política, autoritário na economia! A polícia e o exército reprimem os trabalhadores em luta no Ribatejo" (...)
.
Da cozinha vem o ruído das costeletas a fritar. Olho ausente para espelho defronte a mim,, para ver qual será o próximo tema, e verifico que tenho o cabelo revolto e a barba já se vai notando.(1974.11.20)..
..
O regresso a Paço de Arcos, pela auto-estrada, foi uma limpeza em rapidez, pois Agosto é um bom mês para férias, porque o pessoal sai da cidade, para as suas “vacances”, havendo pouco trânsito e muitos locais para estacionar. (MMA - 1993.08.19)
.
NOTAS
.
Depois de Abril de 1974 os pedintes desapareceram das ruas de Lisboa e doutras cidades, não por qualquer medida repressiva, mas porque as condições de vida melhoraram. Vinte anos depois regressaram, tal como os encontrei na Madeira, embora muitos sejam jovens que agressivamente exigem dinheiro pela arrumação de carros em lugares que indicam, muitas vezes para aquisição de droga. Contudo não se amontoam às portas das igrejas, como outrora.
.
Do Coliseu, ali à rua das Portas de Santo Antão, nada me recordava. Pensava no entanto que teria um aspecto grandioso ou ao menos imponente, pelo que há uns anos fiquei desiludido quando lá voltei, para assistir a um plenário sindical. Nesta zona situavam-se muitas casas de espectáculos, como os cinemas Politeama, Arco-Íris, Odeon, Condes e, no outro lado da Avenida ou nas cercanias, o Éden, S. Jorge , Tivoli, para além doutros mais modestos, como o Olímpia, o Restauradores e o Arco do Bandeira, este com uma inconfundível fachada arte nova. A maioria deles já encerrou, após agonia de alguns como salas de filmes pornográficos, e outros foram reconvertidos, ou em salas mais pequenas, ou em hotéis para lá da fachada, como o Éden.
.
Dos teatros de revista do Parque Mayer apenas persiste o ABC, estando os restantes encerrados, o espaço transformado em parque de estacionamento pago, subsistindo alguns restaurantes e dois modestos alfarrabistas. Dois edifícios, no Rossio, foram devorados pelas chamas e reconstruídos. Um foi o Teatro Nacional D. Maria II, em 1965, e outro a Igreja de S. Domingos, em 1959, embora nesta tenham deixados as marcas do fogo e derrocadas marcadas nas colunas, altares e paredes.
.
Ao fogo estiveram outrora estes edifícios ou anteriores ligados. O primeiro, porque dele partiam as procissões e autos de fé de quem seria queimado por heresia,a mando e sentença dos dominicanos e da Santa Inquisição,cujo palácio, entretanto reconstruído pelo Marquês de Pombal após o terramoto de 1755 e no século seguinte destruído também por um incêndio, se situava no local onde Almeida Garrett mandou erguer o Teatro Nacional que já teve o seu nome. Também a Igreja de S. Domingos, destruída pelo mesmo terramoto tal como sucedeu com o vizinho Hospital de Todos os Santos, esteve em 1506 ligada à intolerância, por nela se ter iniciado a matança de 2 000 judeus e cristãos-novos. (1998.Maio)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)