.
De Setúbal a Santarém
.
Este foi um percurso feito inúmeras vezes, durante alguns anos, quando a sede nacional do STAL ([1]) era em Santarém. Conforme as boleias, umas vezes o percurso era por Lisboa, Alverca (onde visitei o Museu do Ar), Vila Franca de Xira, Azambuja e Cartaxo (terra de vinho, onde duma feita fotografei uma fábrica de tijolos de traça original), via AE nº 1 e EN nº 1, outras via Porto Alto, por Pinhal Novo, Atalaia, Passil, Ponte das Enguias, Samora Correia, Benavente, Salvaterra de Magos, Muge, Benfica do Ribatejo e Almeirim. Este último percurso era muitas vezes tornado moroso devido à circulação de tractores agrícolas que no atrelado transportavam carregos de vermelhos tomates, por vezes transbordando para a estreita rodovia que durante infindáveis quilómetros não permite ultrapassagens. No entanto a paisagem, sobretudo a partir de Azambuja, é verdejante e vêm-se muitos vinhedos.
.
De Setúbal à Atalaia o percurso ainda é feito por estreita e movimentada estrada, passando por povoações à beira desta sem algo de notável para assinalar. O Santuário da N.Sra da Atalaia, cuja traça actual remonta ao século XVIII (com um museu de arte sacra rico em ex-votos e azulejaria) era a primeira agradável surpresa, lá no cimo da escadaria que parte do amplo terreiro onde existe um cruzeiro do século XVII (com representação escultórica de Nossa Senhora da Piedade, numa das faces, e Cristo na Cruz, na outra). Em Agosto, anualmente, celebra-se uma romaria com círios. Depois a ponte das Enguias, periclitante, onde se situava um arruinado edifício que outrora fora caiado de branco, que não confirmei se teria sido um moinho de maré, para além de salinas e arrozais.
.
Da estrada a seguir recordo apenas que era arborizada em muito troços, atravessando povoações como as referidas onde não parávamos a não ser para tomar o pequeno almoço num qualquer café à beira do caminho.Samora Correia fica juntos dos rios Samora e Sorraia e do primeiro tomou o nome. De Benavente, uma vila agradável, cujo centro histórico merece visita, recordo o jardim gradeado, o cruzamento após o Mercado, em frente para Coruche e à esquerda para Salvaterra de Magos, após atravessarmos uma estreita, perigosa e comprida ponte sobre o rio Sorraia. Salvaterra de Magos, foi porto fluvial e é terra de touradas, e como tal referida num texto sobre a última corrida de touros em Salvaterra de Magos, para onde se deslocava a corte em veraneio e onde o herdeiro e filho de D. João III foi colhido mortalmente. De Muge, onde existe o Palácio dos Duques de Cadaval, cuja traça inicial se encontra bastante alterada, recordo‑me dum pinhal e do parque de merendas junto à estrada, com mesas e bancos para as pessoas comerem descansadamente.
À beira da estrada, em camionetas ou telheiros de colmo, vendem-se abóboras, frutas e produtos hortícolas. Finalmente Almeirim, onde numa noite chuvosa comi uma sopa de pedra num dos seus restaurantes, e a comprida ponte sobre o rio Tejo, até avistarmos o morro sobranceiro no cume do qual foi construído o na altura poderoso Castelo de Santarém, guarda-avançada de ou para Lisboa ou Coimbra, que ora estava nas mãos dos árabes, ora na dos cristãos.
.
Almeirim foi terra onde os reis vinham passar o inverno nos séculos XV e XVI, mas hoje encontra‑se descaracterizada.
.
Fora deste trajecto, para os lados do Entroncamento e de Torres Novas, fica a vila da Golegã, onde se destaca a igreja matriz de N. Sra da Conceição, manuelina, de mestre Boitaca, com um magnificamente trabalhado portal. Este mestre Diogo Boitaca seria o autor do Convento de Jesus, em Setúbal e da fase inicial do Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém, em Lisboa, para além de ter renovado a Igreja de Santa Cruz (Coimbra) e sido o arquitecto da Sé da Guarda e tabbém do Mosteiro da Batalha (Capelas Imperfeitas). Célebre é também o atelier fotográfico de Carlos Relvas. A povoação, situada na lezíria ribatejana, é atravesssada pelo rio Almonda, e nela se realiza a Feira Nacional do Cavalo. (Memórias de Viagem, 1997)
.
.
Alpiarça
.
Situada na fértil lezíria ribatejana, dela recordo apenas o que visitei, isto é, a Casa Museu dos Patudos, do agricultor José Relvas, um dos implicados na proclamação da República em 1910. Trata‑se dum projecto do arquitecto Raúl Lino, neo-romântico; é um edifício a visitar, sendo relevante a pintura portuguesa do século XIX e a colecção de tapetes de Arraiolos. Na casa existe um piano, com "memória" do filho falecido do seu proprietário. A casa tem um aspecto insólito, no meio dos seus jardins. (Memórias de Viagem, 1997)
.
.
Santarém
.
É bonita a entrada em Santarém, proveniente do Sul: primeiro avista‑se o castelo ao longe. Mudando de ponto de visão panorâmica, das Portas do Sol, no Castelo cujo interior está ajardinado, avista‑se a estreita e longa ponte metálica de D. Luís (1881) e, mais além, a lezíria ribatejana e as vilas de Chamusca, Alpiarça e Almeirim. Vindo do Sul, à cidade chega‑se por uma ladeira íngreme, como em Sintra, com uma capela mais em baixo, a meio da encosta, para além da Fonte das Figueiras, alpendre ameado no exterior da muralha medieval, com três arcos ogivais.
.
No centro da cidade, conhecida como a Capital do Gótico, de ruas estreitas, destacam‑se a Igreja da Graça (românica) e Igreja de Santa Clara (gótico flamejante), o Mercado, da autoria de Cassiano Branco, com azulejos. Daqui partem uma rua de casas que parecem do Porto e uma arborizada alameda, o Campo de Sá da Bandeira, no outro extremo do qual se encontra a Igreja do Hospital ou de Jesus Cristo. Interessante a fachada da Igreja do Seminário, perto do Mercado, templo maneirista ao estilo jesuítico, edificado onde foi o Paço Real, no Largo do Seminário ou Praça Sá da Bandeira, onde também se encontra uma janela manuelina e mais uma igreja, em forma de cruz grega e cúpula octogonal, dedicada a N.Sra da Piedade. Noutro local ressalta ao visitante a Torre das Cabaças - torre de relógio quinhentista, com 22 m de altura e relógio de sol sem ponteiro na fachada, vista por entre a rua estreita, junto ao museu arqueológico, antiga Igreja de S. João de Alportão, actual museu municipal, onde se destaca o túmulo de D. Duarte de Menezes. ([1])
[1] - Esta igreja, como o convento de S. Francisco, foram vendidos ou utilizados como armazém o primeiro, como palheiro, cavalariçça e refeitório de soldados, o segundo Foram já no século XX “recuperados” e adaptados a novas funções.
.
A referida igreja de Santa Clara provoca uma sensação insólita ao visitante, porque não vê a sua fachada principal quando se entra subindo na cidade, antes avistando o esguio alçado lateral e a ábside. É o que resta do antigo convento românico das Clarissas, cujas celas e claustros foram demolidos no início do século XX. Logo a seguir defrontamo-nos com outro templo, de várias influências arquitectónicas - o convento de S. Francisco, a caminho do centro novo, em zona arborizada, a Praça da República, com o seu coreto de ferro forjado e animação estival. Mas em terra de tanta e sumptuosa igreja, não pode deixar de ser referida a Igreja de Marvila, exemplar manuelino com interior revestido de azulejos polícromos.
.
O castelo perdeu o seu ar marcial e é hoje um aprazível espaço ajardinado e miradouro sobre a lezíria, onde escavações arqueológicas mostraram vestígios de ocupação romana, incluindo um templo.
.
Em Santarém, nas Escadinhas da Figueira, foram executados os assassinos de Inês dee Castro, a que depois de morta foi rainha, tendo o rei D.Pedro, das varandas do Paço Real, assistido ao suplício e concretização da pena capital por si decretada. Nesta zona situa-se a povoação da Ribeira de Santarém, onde se instalaram os mesteirais e as classes menos nobres medievais, depois transformada em bairro burguês e industrial deviso ao crescimento do tráfego terrestre e fluvial. é uma zona ciclicamente martirizada pelas cheias do rio Tejo, quando este enche e se espalha pela lezíria, invadindo e submergindo as margens.
.
Da toponímia antiga a rua Direita deu origem à Rua Serpa Pinto, mas na zona da Mouraria e no centro histórico ainda persistem topónimos como as Travessas das Caldas e a dos Surradores ou as ruas de Alfageme, Pontinha e das Esteiras e o Largo do Milagre ou a Calçada da Atamarna, perto do local por onde D. Afonso Henriques terá franqueado a porta que lhe permitiu conquistar a cidade aos mouros e doar à Ordem de Cister os coutos de Alcobaça. Mas isto é história que no ponto devido será abordada.
.
Nos arredores agradou‑me a Capela da Senhora do Monte, do século XVI, com alpendre colunado, que pertenceu a uma gafaria, e a Ribeira de Santarém, que acima se referiu, vítima de inundações mais ou menos graves de cada vez que o rio Tejo sai das suas margens. (Memórias de Viagem, 1997 / 1998)
.
-------------------------
[1] - Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local.
[2] - Esta igreja, como o convento de S. Francisco, foram vendidos ou utilizados como armazém o primeiro, como palheiro, cavalariçça e refeitório de soldados, o segundo Foram já no século XX “recuperados” e adaptados a novas funções.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)