* 8. - Pela Serra do Bouro
Da Foz do Arelho, nas terras da Rainha, a S. Martinho do Porto, nas terras do Mosteiro de que foi granja, podemos seguir pelo cume da Serra do Bouro, cuja altitude é de apenas 162 m, sobranceiro ao mar, primeiro caracterizada por ser ventosa, com vegetação rasteira, inóspita, que vai dando lugar a arvoredo à medida que nos aproximamos de S. Martinho. Não obstante o deserto, na encosta norte até ao vale existem alguns casais, como o de Celão e o das Cidades, de ruas ingremes, estreitas e casas arruinadas. Alguns moinhos estão reconvertidos em residências. No Cabeço da Vela, à berma da estrada, uma enorme eira, reconstruida recentemente.
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Numa povoação que um velho mal humorado me diz ser a da Serra do Bouro, registo nomes de ruas como a das Hortas, da Prata, do Loureiro, do Centro Social, do Chafariz e dos Quintais. Em Casal Celão reparo na rua dos Ribeiro.(Notas de Viagem, 1998.02.09 e 24)
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Vagueando de noite pela serrra, deparamos com o que resta da estação do caminho de ferro, perdida num ermo, um barracão de madeira longe da povoação. Da estação resta apenas este fantasmagórico armazém, e no chão a marcação do edifício demolido e roseiras do jardim que outroras alindavam o local. Nesta existe uma pequena igreja branca, adjacente ao cemitério e a um coreto de betão armado, com coberto. (Notas de Viagem, 1998.02.24)
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S. Martinho do Porto
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Chove desalmadamente na noite em que vamos a S. Martinho do Porto, em baia conchiforme que figura num azulejo à entrada da povoação, em curva apertada onde não se pode parar o carro, pelo que sigo caminho. A chuva não convida a passeios pedestres e da povoação retenho as ruas molhadas, a iluminação, as casas ao longo da baia e outras pela encosta acima.
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De dia noto quer os cabeços das colinas em volta estão cobertos de moinhos, muitos com ar de abandono. (Notas de Viagem, 1997.10.26)
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Por acaso, doutra feita, sigo por uma rua acima e tenho uma surpresa agradável, pois vou ter ao centro antigo da povoação, que afinal não se resume à estrada marginal. Esta parte tem algumas parecenças com Aljubarrota, na brancura das casas e na estreiteza das ruas; num largo que pouco mais é que o alargamento duma rua encontra-se a incaracterística Igreja Paroquial de S. Martinho. Insólitamente, no altar mor, um enorme quadro representa S. Martinho ... e o seu cavalo branco! Nunca tal vira, a imagem dum animal no altar‑mor! Mais adiante, em direcção à baia, um fontenário amarelo, mandado construir no século XIX com o legado de José Bento da Silva, personagem que reaparece mais adiante, num aprazível largo sobranceiro ao mar.
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O que há de notável nesta povoação, procurada pela burguesia para banhos, é o mostruário de variados estilos arquitectónicos, de várias épocas, que se encontram ao percorrer as suas ruas.
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Prosseguindo a subida. em busca do pôr-do-sol, subimos ao Monte do Facho, algo inóspito, donde se avista a entrada da barra e, mais adiante, S. Martinho e Salir do Porto. (Notas de Viagem, 1998.02.09 e 24)
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Salir do Porto
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Foi esta povação porto de mar e estaleiro naval, até que o assoreamento da barra trasnferiu esta função para S. Martinho, povoação fronteira, que sofreu o mesmo destino sem que pudesse transferir aquelas funções. O mar já não vai terra adentro, até Alfeizerão e à Cela, e a concha de S.Martinho é alimentada por um modesto riacho que passa por entre as dunas de areia.
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A povoação, que foi outrora importante e pertencia às terras da Rainha, hoje é mais modesta e à noite uma e outra refletem as suas luzes no negrume da escuridão. Um parque de campismo por entre as dunas, que me parece não ter condições, não constitui concorrência ao cosmopolitismo da povoação que lhe fica defronte.
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Pelas ruas ingremes ascende-se a um pequeno largo ajardinado em escadaria, no topo do qual se situa uma bica. Mais para cima sobressai a brancura da Igreja, no topo duma pequena escadaria. (Notas de Viagem, 1998.02.09)
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9. - Nazaré
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Esta povoação, terra de pescadores e de mortes - como tributo à fúria do mar - e de veraneio, é constituída por três outras, geograficamente separadas: Pederneira e o Sítio, cada uma em seu promontório, e a Praia, na enseada, entretanto parcialmente assoreada. Em zona turística, por todo o lado se vêm letreiros nas casas anunciando:
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Alugam-se: Quartos
Chambres
Rooms
Zimmer
Camaras
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Pederneira
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Aqui, no cimo do promontório a sul, esteve a primitiva povoação, com o edifício da antiga câmara - com torre sineira e brasão de armas - e o pelourinho, entretanto roubado e substituído pelo tronco petrificado duma árvore. Estes e a Igreja matriz, situam-se na arborizada Praça Bastião Fernandes, filho da terra e companheiro de Vasco da Gama na Viagem à Índia. A Igreja Matriz, de N.Sra. das Areias, tem o interior coberto de azulejos não figurativos, e uma lápide recordando os nomes dos três filhos da terra mortos na I Grande Guerra. Outra Igreja é a da Misericórdia, com cemitério adjacente, e um miradouro donde se avista a vila, lá em baixo, e o Sítio, no promontório a norte.
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Como Alfeizerão, a Pederneira foi outrora um importante estaleiro naval e porto de mar, onde vinha desaguar o rio Alcobaça.
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Registo alguns nomes das ruas como a dos Fornos, da Fonte, do Santíssimo, da Misericórdia, da Bela Vista e das Oliveiras, para além das travessas das Laranjeiras, do Mirante, do Nascente ou do Postiguinho e dos largos da Fonte e do Alto Romão. As casas têm nas fachadas azulejos de santos protectores, como aliás também no Sítio. (Notas de Viagem, 1997.10.31)
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Praia (da Nazaré)
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Quem entra na Nazaré vê a sua atenção desperta na Marginal por inúmeras lojas com estendais à porta e pelos passeios ostentando roupa e louça artesanais, estando do outro lado a praia comprida. A povoação, mais nova que o Sítio e a Pederneira, erguida a partir do século XVIII, é uma malha ortogonal subindo suavemente pela encosta. As ruas são estreitas e as casas brancas, conversando as mulheres à soleira das portas, com um falar próprio, estilo algaraviada arrastada e cantada. Algumas delas, as que perderam alguém no mar, ainda ostentam o negro traje característico, embora muitas se fiquem pelo xaile e pelo lenço (cachené) na cabeça. Algumas pessoas idosas interpelam-nos nas ruas oferecendo quartos para dormirmos.
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Há duas praças principais, onde ficam as esplanadas, e as ruas nesta parte velha ostentam nomes como da Estreita, da Bonança, da Rosa, do Alecrim, da Regeneração, da Liberdade da Pátria, da Graça, da Abegoaria, dos Lavradores, dos Calafates... ou como o Beco do Moinho ou a travessa dos Fornos. Na rua da Subvila há muito comércio e por toda a povoação as brancas casas apresentam um ar cuidado.
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Entre a Pederneira e a vila desagua o rio Alcobaça. (Notas de Viagem, 1997.10.31)
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Sítio
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Esta povoação desenvolveu-se em torno da capela comemorativa do milagre que foi a salvação do alcaide-mor de Porto de Mós, D. Fuas Roupinho, por intercessão da Senhora da Nazaré impedido de precipitar‑se pela falésia abaixo quando perseguia um gamo em desenfreada caçada, gamo que não seria senão a encarnação do Demónio. Senhora da Nazaré que está na origem do Santuário do mesmo nome, erguido no local por nele ter sido redescoberta por pastores uma magem da Virgem proveniente da Nazaré, na Judeia. O santuário ergue-se num largo rodeado de edifícios, o Terreiro da Romaria, com um airoso coreto, sendo constituído por uma igreja com dois corpos laterais, fazendo lembrar, mais modestamente, o Convento de Mafra. Merecem realce a talha e a estatuária existentes no seu interior. Adjacentes um Hospital, o edifício do antigo Paço Real e o teatro Chaby Pinheiro (1907). O antigo Paço Real, muito alterado, conserva ainda a galilé alpendrada assente em colunatas clássicas.
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Neste largo ou Terreiro da Romaria existem vários estabelecimentos comerciando louça e vestuário artesanais, para além de restaurantes e cafés, um relembrando o antigo casino do Sítio. Artesanato "típico"" da Nazaré, para além do vestuário das mulheres e dos pescadores, são os objectos miniaturais que reproduzem instrumentos e objectos de trabalho ligados à faina piscatória e marítima. Visto das arcadas do santuário, o largo com as suas palmeiras têm um ar magrebino. Para além da Ermida da Memória, um cruzeiro dá conta da passagem de Vasco da Gama por este local, em peregrinação, antes e depois da sua viagem à Índia.
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As lojas de artesanato vendem com gravação de "recordação da Nazaré" louça artesanal de... Barcelos, Caldas da Rainha, Alentejo, etc., talvez porque não existam objectos daqui, salvo as camisolas dos pescadores (nazarenas). Por toda a parte bonecas de sete saias, indumentária tradicional característica das mulheres da região.
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Tal como sucedia na Pederneira, daqui se avista a Nazaré-Praia, espectáculo deslumbrante à noite, o amarelado das paredes do casario contrastando com o escuro dos telhados.
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Para outro lado a Praça de Touros da Nazaré, edifício despretensioso.
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As casas são brancas como no Alentejo, talvez reminiscências da presença dos Árabes, de que noutro sítio destas notas se falou.
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Para além do museu adjacente ao Santuário existe um outro, municipal, de Etnografia e Arqueologia Dr. Joaquim Manso, em casa cedida por Amadeu Gaudêncio, fechado na hora em que o procuramos ([1]). Parece um museu modesto e pelas vidraças entrevêm-se alguns dos objectos expostos.
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As designações toponímicas revelam-se menos interessantes: travessas do Forno, D. Fernando e do Antigo Elevador, são as únicas que registo. Esta última deve referir-se ao funicular que liga a vila ao cimo do promontório.
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Daqui por uma estrada sinuosa e no cimo da ravina, dos dois lados abrupta até ao sopé, se vai até uma fortaleza (de S. Miguel Arcanjo) que outrora protegia os habitantes da região das investidas dos piratas, hoje transformada em farol, dum lado se avistando a enseada da Nazaré e do outro a brancura das areias da praia e das ondas, cujo rugir cadenciado, lá em baixo, invade o silêncio deste local.
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O Sítio, contrariamente a Pederneira, não estava sujeito à jurisdição do Mosteiro de Alcobaça mas sim à do Rei. (Notas de Viagem, 1997.10.31 e 1997.11. 01)
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[1] - Aberto diariamente das 10:00/13:00 e das 14:30/18:00, excepto segundas feiras.
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)