domingo, 25 de agosto de 2013

entre eros e afrodite - 02


25 de Agosto de 2013 às 18:26
Cartas de Soror Maria Madalena ao Conde Niño

* Victor Nogueira

1. - Escrevo isto:  no entanto nada diz do meu desejo por ti e de toda a ternura que gostaria tivesse livre curso; são sensações e impressões, memórias e desejos vagos; já não sei onde eles terminam e estás tu, a tua pessoa. Gostaria de largar tudo e partir à tua busca, chegar e dizer: aqui estou, na fragilidade e na leveza dos gestos ternos que buscam a forma de expressão não nas palavras mas em si mesmos, no estar ali presente. E o meu entendimento perde-se no inebriamento dos sentidos, por ti, que só os meus olhos e os meus dedos conhecem: sermos apenas um completos em tudo o que nos rodeia. Mas isso, ah! isso é um instante fugaz na constância de eu ser eu, cada outro o outro e o mundo uma realidade distinta de nós. Sei isso. Sei-o até agora. A vida vai passando e nós com ela, em caminhos distintos que ainda não vejo como nem onde se juntarão. De mim sei apenas que vagueio de mãos vazias com tudo o que não floresceu senão incompletamente. Palavras, que algo em mim refreia enquanto Haydn se ouve além., no coro alto.  Os meus dedos e os meus lábios percorrem o teu rosto e o teu corpo ao de leve, como brisa suave e cariciante; busco-te com ardor e tudo isto é memória ou imaginação, emoção que a nada conduz porque não é senão passado ou futuro, sem realidade no agora. Nada resta senão calá-la no fundo de mim. Hoje deixo-te apenas isto sem te falar do tempo que escorre pelos meus dedos abertos, como areia onde nada cresce, meu Senhor de mim !


2. - Isto que eu sinto ao pensar em ti, ao ler, por exemplo, a tua carta de hoje, ao ouvir a tua voz no parlatório, de ir em busca de ti como rio para o mar, este sentido de fragilidade ...  Que sgnifica? Que rumor de ave é este que me desperta? Quero e não quero e já não sei o que é feito de mim neste vai-vem. Toda eu sou qualquer força que me abandona. Mas a alegria quebrada, os gestos de amor suspensos e o prazer que não foi até à saciedade tornam-me dolorosamente dolorosas as memórias das alegrias que me deste. Meus olhos em ti ficam, meu Amor, com  meus suspiros e cuidados !  Quereria escrever "Amo-te" e dói-me que o nosso amor não possa ser puro e límpido como riso cristalino na manhã clara. Que a cidade esteja cheia de olhos duros e dedos em riste que nos curvam a cabeça e tornam pesado e triste o nosso sorriso. Ah! não poder eu ir ao teu encontro, não poder eu rasgar este hábito com  que me encerraram em vida e para o Mundo ! Me encerraram contra mim !


3. - Este tempo enlouquece os sentidos e dos nossos lábios brotam as palavras ainda há pouco envoltas em espinhos e agora frescas e acetinadas, brilhantes como o orvalho. Dizem que a Primavera é a estação do amor. Mas o amor primaveril é recatado e suave. Mas o nosso, meu Amor, é quente como o fogo, convidando-nos à loucura; o nosso é um amor de Verão, pois é dos dias em que fora de nós estamos,  em que o meu pensamento por ti me faz desejar-te até ao delírio, em que o sorriso e a voz terna  fazem desejar-te, paradoxalmente, com toda a simplicidade que deveria haver entre um homem e uma mulher. Estás longe e os gestos e as palaras simples, os deslumbramentos, estão interditos. Não sei escrever coisas bonitas como as que me escreves. Queria apenas dizer-te da minha imensa ternura por ti, nestes dias quentes de verão, na cidade que proíbe os gestos que a mostrariam. envolta neste maldito vento suão. Ah! não poder escalar-te lábio a lábio, seguir-te com os meus dedos o perfil do nosso corpo em ti, em mim,  até  que a loucura corra livremente em nós !  Beijo-te e abraço-te e abandono-me-te com Amor, com ardor, porque não quero hoje pensar no futuro.



Cartas não datadas escritas por Soror Maria Madalena, encontradas numa feira de velharias, vertidas em português actual por Victor Nogueira, na cidade de setúbal aos 3 de Julho de 2012


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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)