Gostei bué da tua carta mas agora é como se a tivese ido buscar ao apartado
65, em évora, ou ao do terreiro do paço, em lisboa, dirigindo-me para o arcada
ou para o nicola ou para a pastelaria no camões - onde ficava a farmácia de que
a minha tia-avó era directora técnica, aquela pastelaria com a empregada que
tinha uma covinha no queixo. As ventoinhas de pás imensas giram
lentamente, fingindo espantar este calor abafado e opressivo, tal como a porta
giratória. Tudo é fumarada, quase smog, e o barulho da máquiuna de café ou o
tilintar das louças no balcão ou a serem poisadas nas mesas é uma sinfonia
pouco melodiosa. Já vim ali da tabacaria onde a menina me vendeu o papel e o
envelope, a Pelikan yem tinta preta para muitas folhas (hoje a Parker ou a Mont
Blanc ficaram no quarto)
Se for no arcada a
resposta no meio do barulho e da fumarada terá de ser escrita nos intervalos
dos dedos de conversa na mesa do grupo do arcada ou interpelações de quem
passa. Mesmo que me sente sózinho breve estarei rodeado de colegas. Já tenho os
selos e mais logo, antes das 21:30, porei esta no marco do correio para que a
recebas amanhã. Ainda não sei se pertence ao domínio da ficção científica,
nestes anos 70, as pessoas poderem comunicar instantâneamente e, se alguma vez
tal suceder, se se perderá a magia !
Isto é o que penso,
mas a não ser que te telefone, (mas as chamadas são caras mesmo para quem é
relativamente abnado como somos os "estrangeiros" do grupo do Arcada)
só amanhã saberás os meus pensamentos. Até lá terei de contentar-me com os
sonhos que sonho em ti. Tal como tu.
Enquanto sonho, todo
eu sou uma ave em ti, ave alvoraçada mas estrangulada nas tuas mãos,
nas quais procuro a nossa liberdade
VM
Sem comentários:
Enviar um comentário
Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)