Por Victor Nogueira a Domingo, 3 de Novembro de 2013 às 19:48
* Victor Barroso Nogueira
Ao ler os meus diários e a correspondência recuperada, desde a meninice até à juventude, verifico que a minha prosa é seca, objectiva, sem metáforas, e mais ou menos encadeada. Ler os meus diários escritos dos 13 aos 15 anos é ler um relato seco e objectivo de factos, na maioria dos casos sem ponta de revelar sentimentos ou emoções. Nas bibliotecas familiares dos meus pais, do meu tio paterno José João ou minha não havia praticamente livros de poesia, não obstante os cadernos manuscritos de poesia escritos pela minha mãe ou pelo meu tio materno Joaquim. Para além destes manuscritos, lembro-me que havia apenas o Só, de Soares de Passos, a Velhice do Padre Eterno, de Guerra Junqueiro, e os da Biblioteca Imbondeiro, de Sá da Bandeira, com poetas angolanos, de outras colónias e do Brasill. Ah! E uma antologia mimeografada de poetas angolanos, retirada do mercado pela censura fascista, editada pela posteriormente encerrada Casa dos Estudantes do Império, acusada de actividades subversivas.
Foi pois em Évora - em 1968/69 - que o meu interesse pela poesia foi despertado, sobretudo pela Noémia, mas também pela Margarida Morgado, no seu cenáculo na sua casa de évora - a toca da Margarida, como a malta do Arcada a denominava.
Os meus poemas dessa altura são relativamente despojados, alguns neo-realistas, praticamente sem metáforas, e sem rima. A rima, a métrica, as quadras, os sonetos (estes sobretudo a partir de Shakespeare) , esses foram-me ensinados em 1989 pela Joana Princesa.
A edição não respeita a formatação original, por limitações do editor de textos no FaceBook
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1, - Tinha uma carta já escrita, fluente na minha mente. Chegou a hora de escrevê-la e ela ruiu, as palavras escorregaram por entre os dedos, em todas as direcções, e no papel nada fica senão uma pasta informe (...) Nunca liguei á poesia. Achava-la inútil, algo inexistente para mim. Ouvi falar em rima (amor com fervor, queijo com vejo, morte com sorte), em métrica, etc. Das divisões silábicas apenas me lembro dos alexandrinos....
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Bem, como a prosa é mais fácil, com mais canelada para a direita, menos cotovelada para a esquerda, resolvi escrever epístolas por gosto e exercícios de apuramento e chamadas escritas a contra-gosto e relógio. Se alguém dissesse que eu acabaria um dia por escrever frases desiguais empilhadas umas em cima das outras, a que a minha amiga [Noémia] chama poemas, eu rir-me-ia. Mas também nunca nos dias da minha vida sonhara viver em Évora e tirar um curso de sociologia. (NSM - 1969. Évora - Páscoa)
2.
A "Natureza Morta" (*) não me parece nem pessimista nem optimista; são apenas os olhos com que vejo Évora. (...) Os meus escritos permitem várias leituras, possibilitadas pela ambiguidade decorrente da disposição das palavras e frases, pela colocação da pontuação ou sua ausência. (MCG - Évora - 1972.10.20)
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No que digo ou escrevo não há senão a constatação despojada do que me parece ser a realidade. (MMA - Paço de Arcos, 1986.08.31
3. -
PS 1 - E DEPOIS na volta DO ADEUS (*)
"Para quê tanto silêncio e palavras?"
Foi a primeira quadra que eu bem fiz
Mas com a rima eu não acertava
E daquela maneira ficou, assim quis
Na segunda fabricação minha amiga
Me ensinou a contar bem com os dedos
As sílabas para bem escrever minha cantiga
E vai daí começou este meu enredo (...)
PS (2) - E DEPOIS na volta DO ADEUS
OH! MIL SOIS, MARIA, SEM FUTURAR
DAS ESTRELAS NO CAMINHO DOS ASTROS
" Para quê tanto silêncio e palavras?"
Foi a primeira quadra que eu bem fiz
Com a rima eu não acertava
De maneira que ficou, assim quis
Na segunda fabricação, amiga
Me ensinou a contar bem com dedos
Silabas p'ra escrever minha cantiga
Vai daí começou o meu enredo (...)
Setúbal 1989.08.08
4 - Também posso vestir a realidade com fatos alegres e música e folguedos e brisas cariciantes e olhares de veludo e sedutores e de pedrinhas saltitando pelo riacho com se aves cantando fossem. Com as palavras e a arte de usá-las se pode tornar mágico o que não é e soalheira a mais triste noite ou brilhante como se de mil sóis rendilhados falassem o que me cerca e com elas me libertando :-)
Ou não ! ! Porque o mágico tem consciência dos truques para tornar mágicos os enganos ! (setúbal 2010.11.01)
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1969
01.
No cimo das escadas, o menino ...
Lá em baixo, os meninos,
E as rodas
E as escondidas
E a tia Anica
E o Mestre André
E o pião
Que gira
Gira
Gira.
No cimo das escadas, o menino ...
... e a mão!
Lá em baixo, os meninos,
E as rodas
E as escondidas
E a tia Anica
E o mestre André
E o pião
Que gira
Gira
Gira
Com o menino !
No cimo das escadas, o menino ...
Lá em baixo, os meninos,
E as rodas
E as escondidas
E a tia Anica
E o Mestre André
E o pião
Que gira
Gira
Gira
No cimo das escadas, o menino!
Évora 1969.01.18
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02
Os negros olhos perdidos algures
Parados. Imóveis. Ausentes.
E uma terrível raiva desesperada apoderando-se de mim.
Que pouco mais poderia fazer senão esperar
Esperar que se movessem
que a palidez se fosse.
Tão grandes e tão pequenos
Tão fortes e tão fracos!
Que somos nós?
Que podemos nós?
Esperar, esperar. Iludir!
Uma face imóvel
Uns olhos fixos desmesuradamente abertos
Uns cabelos emaranhados e molhados
um rosto pálido, imóvel!
Não mais ver o seu sorriso
Não mais esperar tudo esperando nada.
Ou antes ... esperar nada
desesperar.
Tão fortes e tão fracos!
Tão grandes e tão pequenos!
Um corpo frágil envolto num roupão rosa
Mas os olhos movem-se.
Um sorriso nasce nos lábios
E a calma volta!
Depois, ... a vida.
E os outros à volta
ouvindo a história duma grande viagem que se não realizou
que foi adiada!
Depois o esperar tudo e o esperar nada.
Lábios que uma vez mais se cerraram
E não disseram o que pretendiam
Mãos que de novo não acariciaram um rosto.
Que ficaram suspensas
sempre suspensas
esperando tudo
esperando nada.
Risos, danças, lágrimas
desesperos, danças e risos
Num Sábado deste imenso carnaval.
Évora 1969.Fevereiro.15
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03
Para a Lili
Carta recebida/respondida
respondida/recebida
Assim, como bom menino
- que todos devemos ser -
Todo aperaltado:
o vinto das calças bem marcado,
bem "nodada" a velha e querida gravata,
o cabelo, sem brilhantina, bem penteadinho
- para a direita..
Um cheiro a Lavanda
... e a Pitralon.
Nas mãos
- lavadinhas –
um ramo de flores.
Tão amoroso!
o ramo ou o menino?
Braços que se abrem e se estreitam ...
Ffffchiúu! F£ffchiúúu
Feliz Aniversário, tti;
Que este dia se repita por muitos
Muitos, muitos e loooooongos anos!
Évora, 1969.FEVEREIRO. 24
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)