21 de Junho de 2014 às 16:51
* Victor Nogueira
Amor rima com ar-dor e an-dor e amizade com serenidade ?
Com que mais resmas e outras rimas rema o amor ?
De quantas roupagens e de quantos espelhos em caleidoscópio se veste o amor ?
Como e em que balanças se pesam ou medem os corações ?
De quantos rios para montante refluindo em riacho e ribeiras estreitando-se cada vez mais longe do mar imenso que os alargaria e a todos abraçaria?
De quantas luas se faz o sol e quantas estrelas são por ele encobertas ?
Como se apura o deve e haver da mão invisível que equilibra as curvas da oferta e da procura ?
Na economia do amor de que monopólios ou oligopólios se alimenta ?
Contigo apenas no meu espírito, sombra sem rasto que se veja, virtual como a vida na estratosfera das auto-estradas cibernéticas, combinações infinitas de 01, "zeros" e "hums" ...
Hoje, nesta tarde amena e soalheira, o passeio é ao jardim da Quinta Real de Caxias, um dos muitos que o Município de Oeiras recuperou e mantém para usufruto dos munícipes e viandantes. Ao dizermos Caxias associamos o nome ao Forte do mesmo nome, uma das várias prisões políticas do fascismo português, como entre outras em Portugal: o Forte de Peniche, as prisões do Aljube e da PIDE em Lisboa e Porto, e nas antigas colónias os Campos de Concentração do Tarrafal (Cabo Verde), de S. Nicolau (Angola), da Machava (Moçambique) …. Não esquecendo em Caxias o amuralhado hospital prisional, fronteiriço da mata que cerca o forte-prisão.
"Caxias, bella flor, lyrio dos valles,
Gentil senhora de mimosos campos". António Gonçalves Dias (1823/64) [1]
Desde o século XVIII e durante a Monarquia a povoação de Caxias era um lugar de veraneio para a Corte e para a fidalguia por nele se situar a Quinta e o Paço Real, a par do Convento da Cartuxa, daquela separado hoje em dia por uma estreita e serpenteante estrada vicinal. A igreja do Convento tem alguma similitude com a homónima de Évora. Fazendo parte da linha fortificada da costa, o Forte de S. Bruno, junto ao rio. Só a partir do século XX a povoação se desenvolveu com a construção de numerosas vivendas encosta acima.
No seu termo situa-se Laveiras, que durante séculos forneceu a pedra utlizada nas obras mais significativas das redondezas, do convento da Cartuxa às fortificações ribeirinhas mas, também, no mosteiro dos Jerónimos, no Terreiro do Paço, nas calçadas lisboetas, tal como Paço de Arcos desde tempos imemoriais fornecia cal para toda a região até Lisboa, de que se conservam os fornos, a par do antigo casino e dos palacetes de veaneio da burguesia dos princípios do século XX.
Mas regressemos a Caxias. A entrada para a Quinta Real é feita por amplo terreiro, com um edifício à direita com varanda azulejada, no devido tempo encoberto pelas flores de jaracandás, cujas pétalas atapetam o solo. Fora isto, este intróito é pouco convidativo e atraente, os edifícios degradados ou dissonantes. Por duas estreitas escadarias se acede ao jardim, geométrico e ao estilo francês, artificial, demonstrativo inquestionável do trabalho da mão humana, ao contrário do estilo britânico e aparentemente natural dos jardins do Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras, a sede do concelho.
No jardim conhecido por "Jardim do Paço Real", podem ser admiradas as estátuas em terracota da autoria de Machado de Castro, a "Cascata Real" e o "Lago das Ninfas". Muitas das esculturas encontram-se em restauro, assinalando-se tal facto com figuras planas. Hoje as águas não correm nem murmuram por aquela em salpicos de gotículas irisadas aspergindo e refrescando os ares. A Cascata é mais monumental que a do Palácio do Marquês, embora esta e o seu jardim me agradem mais. Aqui a Ribeira da Barcarena não atravessa o jardim ao contrário do que em Oeiras sucede com a da Laje, hoje ambas “encanadas” a céu aberto e muitas vezes, no verão, reduzidas a fios e charcos de água em leito limoso e de cascalho.
Machado de Castro (1731-1822), que dá o nome a um museu conimbricense, foi o reputado autor da estátua equestre de D. José I, em Lisboa, que figura na anterior Carta a Penélope. Para além disso é autor de multiplos conjuntos escultóricos, designadamente na Basílica da Estrela e no Palácio Nacional da Ajuda, ambos em Lisboa, sem esquecer a arte tumular e presépios, designadamente o da Sé de Lisboa e o da referida Basílica da Estrela.
O jardim com dois amplos pavilhões está bem tratado e placas por ele espalhadas elucidam os passeantes mais curiosos de saber, mas apenas uma parte dele está recuperado, a outra, também visitável, mais parecendo matagal de arvoredo e erva por onde se coam os raios de sol. Não vislumbro bancos pelo jardim, apenas os degraus da cascata ou de acesso aos pavilhões ou os muretes do terraço da cascata, em cujo cimo se encontra um enorme tanque cheio de água, sobranceiro à estrada vicinal. No interior da cascata um pequeno dédalo de galerias, algumas de acesso vedado.
É pois e sobretudo um jardim para deambular e não para os viandantes se sentarem a ler, conversar, namorar ...
João Baptista
vem de entre eros e afrodite 19 - cartas a Penélope 05
Mais sobre a Quinta Real de Caxias, espaço de lazer e fruição pública em
e sobre Caxias em
para além de breves referências a Machado de Castro em
[1] Adenda
CAXIAS [Maranhão, Brasil, possível homenagem a Caxias, Portugal, ou derivação de cachia, nome dado à esponja, flor do arbusto chamado "corona christi"]. Ao contrário do que um dos textos consultados dá a entender, esta Caxias do poema é a do Brasil, onde se deu a Rebelião da Balaiada, contemporânea de revoltas de escravos como as da Farroupilha, da Cabanagem ou da Sabinada, todas na 1ª metade do séc. XIX. Da Balaiada fala o poeta em A desordem de Caxias, escrita em 1845, durante o seu exílio em Portugal.
Ao aniversário da sua Independência. 1 de Agosto.
Caxias, bela flor, lírio dos vales,
Gentil senhora de mimosos campos,
Como por tantos anos foste escrava,
Como a indócil cerviz curvaste ao jugo?
Oh! como longos anos insofríveis,
Rainha altiva, destoucada e bela,
Rojaste aos pés de um regulo soberbo?
À míngua definhaste em negro câncer,
Onde um raio de sol não penetrava;
Em masmorra cruel, donde não vias
Cintilar o clarão d′amiga estrela...
Oh! não, que a luz da esperança tinhas n′alma,
E o sol da liberdade um dia viste,
De glória e de fulgor resplandecente,
Em céu sem nuvens no horizonte erguido.
Eis o som do tambor atroa os vales,
O clangor da trombeta, os sons das armas,
A terra abalam, despertando os ecos.
— Eia! oh bravos, erguei-vos, — à peleja,
À fome, à sede, às privações, — erguei-vos!
Tu, Caxias, acorda, — tu, rainha,
Lamina de aço puro, envolta em ferro,
Ao sol refulgirás; — flor que esmoreces,
À míngua de ar, em cárcere de vidro,
Em ar mais livre cobrarás alento,
Graça, vida e frescor da liberdade.
Ante mural do lusitano arrojo,
Último abrigo seu, — feros soldados,
Veteranas cortes nos teus montes
Cavam bélicas tendas! — Um guerreiro,
O nobre Fidié, que a antiga espada
Do valor português empunha ardido,
No seu mando as retém: debalde, oh forte,
Expões teus dias! teu esforço inútil
Não susta o sol no rápido declive,
Que imerge aquém dos Andes orgulhosos
Da África e da Ásia os desbotados louros!
Eia! — o brônzeo canhão rouqueja, estoura,
Ribomba o férreo som d′um eco em outro,
Nuvens de fumo c pó lá se condensam...
Correi, bravos, correi!... mas tu és livre,
És livre como o arbusto dos teus prados,
Livre como o condor que aos céus se arroja;
És livre! — mas na acesa fantasia
Debuxava-me o espírito exaltado
Fráguas cruas de morte, o horror da guerra
Descobrir, contemplar. — Oh! fora belo
Arriscar a existência em pró da pátria,
Regar de rubro sangue o pátrio solo,
E sangue e vida abandonar por ela.
Longe, delírios vãos, longe fantasmas
De ardor febricitante!
À glória deste dia comparar-se
Pode acaso visão, delírio, ou sonho?
Ao fausto aniversário
Da nossa independência?
Aclamações altíssonas
Corram nos ares da imortal Caxias:
Seja padrão de glória entre nós outros
Santificada aurora,
Que os vis grilhões de escravos viu partidos.
guarda romano (pormenor)
***
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)