* Victor Nogueira
A ideia e a prática da INFERIORIDADE "CONGÉNITA" FEMININA DA MONARQUIA, DA 1ª REPÚBLICA E DO FASCISMO EM PORTUGAL ainda persistem no Portugal de Abril ? E SE PERSISTEM, porque persistem e A QUEM APROVEITAM, apesar das mulheres serem metade da população e como mães, avós ou irmãs serem co-responsáveis pela educação ... dos homens e das mulheres ?
Alguém teria interditado o Marquês de Marialva por "frequentar" a fadista Severa nos tugúrios lisboetas ou os filho-família e seus "honrados" papás por terem amantes, mesmo com casa posta, ou por engravidarem camponesas, criadas de servir, operárias ou assalariadas rurais, na maioria dos casos "abandonando" os flhos dessa relação e "condenando" as mães ao desemprego, à miséria ou à prostituição e ao "fado" das vielas e do "bas-fond"?
Na sequência da minha nota AS PÚBLICAS VIRTUDES E OS VÍCIOS PRIVADOS, COMME IL FAUT
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10202876602061465&set=a.1124829846327.2019339.1394553665&type=1&theater
acrescento o seguinte:
Como refiro no meu texto a preocupação radicava-se no facto do regime fascista e não só considerarem a mulher como ser incapaz de autonomia e autodeterminação pessoais, carecendo da tutela masculina - do pai, dos irmãs, dos maridos - não podendo estes estar económicamente dependentes da esposa. Aliás e como digo isso sucedia em todas as classes sociais. Sendo ambos engenheiros, a minha mãe carecia por imperativo legal de "autorização" ou não oposição do marido para actos que no final refiro.
Isto tem a ver apenas com a subordinação da mulher ao homem, que aliás se verificava também durante a 1ª república. Carolina Beatriz Ângelo (1878 - 1911), médica e feminista portuguesa, foi a primeira mulher a votar aproveitando-se duma lacuna da legislação eleitoral, legslação que foi alterada para impedir que tal voltasse a suceder.
E não se tratava de impedir "miséria sobre miséria", pois no texto refiro o caso de Maria Adelaide Coelho, herdeira e filha de Eduardo Coelho, fundador do Diário de Notícias, cuja fortuna era administrada pelo marido.
«Em 13 de Novembro de 1918 desencadeou-se um grande escândalo quando a esposa, e herdeira da maioria das empresas que ele administrava, resolveu, sem aviso prévio, abandonar a casa . Foi então revelado que Maria Adelaide, com 48 anos de idade, se apaixonara pelo motorista da família {Manuel Cardoso Claro], 20 anos mais novo, e partira com ele para um esconderijo.
[Em história similar à de Camilo Castelo Branco e Ana Plácido, no século XIX o] casal foi pouco depois encontrado, sendo ele preso na cadeia do Porto, onde permaneceria quatro anos sem culpa formada, e ela internada no Hospital Conde de Ferreira, considerada louca pelas maiores sumidades da psiquiatria portuguesa da época e interditada judicialmente de gerir os seus bens. Apesar de se ter defendido, mantendo uma polémica na imprensa e publicando um livro sobre o assunto, a que o marido respondeu com outro, a interdição judicial não foi levantada e o marido e o único filho do casal, então com 26 anos de idade, mantiveram-se na posse de toda a sua fortuna. Finalmente libertada, viveu na cidade do Porto, onde o novo companheiro foi taxista.
O drama, que apaixonou a alta sociedade lisboeta do tempo, inspirou diversas obras, entre as quais Doidos e Amantes de Agustina Bessa Luís e o filme Solo de Violino (1992), realizado por Monique Rutler [http://vimeo.com/51808069], Monique Rutler. O escândalo fez com que Alfredo da Cunha, [um homem culto, escritor, jornalista e advogado], abandonasse em 1919 a direcção do Diário de Notícias e vendesse a respectiva empresa.» (Wikipedia)
Este não foi um caso isolado na época, pois era prática comum serem internadas em hospitais psiquiátricos as mulheres da alta burguesia ou da aristocracia com comportamentos considerados "deviantes" ou "anormais", entre os quais se incluiam o relacionamento com indíviduos pouco "recomendáveis" ou de classe inferior. O estado de "loucura" de Maria Adelaide Coelho foi atestado por sumidades da psiquiatria da época, como Júlio de Matos, Sobral Cid e Egas Moniz. Mas alguém interditaria o Marquês de Marialva por "frequentar" a fadista Severa nos tugúrios lisboetas ou os filho-família e seus "honrados" papás por engravidarem camponesas, criadas de servir, operárias ou assalariadas rurais ?
Ao contrário do que possa parecer com "enredos de amor", o que verdadeiramente estava em causa no caso de Maria Adelaide Coelho e Alfredo Carneiro da Cunha e noutros similares era o poder dos homens livremente disporem e administrarem os bens, a fortuna e o património ... das mulheres e da família, incluindo o seu esbanjamento com amantes ou no jogo.
A posição e consciência social das lutas das mulheres não escapam à luta de classes e à dominação duma classe social e das suas camadas por outra classe social e respectivas camadas. Afinal Adelaide Coelho, prescindiu da sua fortuna e tornou-se com o "trabalho invisível" a "dona da casa" de Manuel Claro enquanto a escritora, republicana, intelectual e sufragista Ana de Castro Osório, defendia o voto restritivo das mulheres a certas camadas sociais (o que excluia a maioria que não fossem proprietárias, industriais, comerciantes ou com estudos, ao contrário do que pretendia outra republicana e sufragista, Maria Veleda) e criticou e opôs-se violentamente a greve das operárias e operários conserveiros de Setúbal em 1911, reprimida a tiro pelas forças policiais a mando dos industriais e proprietários, de que resultou a morte dos operários Mariana Torres e António Verruga.
Naquele tempo, entre os séculos XIX e XX, eram proibidas às mulheres quaisquer profissões liberais, excepto a medicina e o magistério primário ou o trabalho subalterno nas repartições do Estado. Sendo além disso a esmagadora maioria analfabetas, não tinham por isso maneira de se libertarem da "escravatura", da sujeição e da rotina, entre o professorado primário, a medicina e a vida doméstica. Das mulheres que exerciam a medicina na altura conhecem-se apenas Emília Patacho, Amélia Cardime, mais tarde Adelaide Cabete e Carolina Ângelo. Poucas mais no professorado e as restantes, da pequena burguesia ou das classes altas, eram educadas exclusivamente para arranjar marido, mostrando-se indiferentes a tudo o mais
A seguir um artigo sobre o caso Adelaide e Alfredo (1ª República) e a situação das mulheres que se manteve durante o tempo do fascismo e que já vinha da Monarquia. Só depois de Abril e na Constituição da República foi admitida a igualdade do género e de direitos para ambos os sexos.
http://www.saude-mental.net/pdf/vol11_rev3_leituras.pdf
ADENDA
A situação das mulheres no tempo do fascismo era a seguinte:
Direitos cívicos e políticos
– Até final da década de 60, as mulheres só podiam votar quando fossem chefes de família e possuíssem curso médio ou superior.
– Em 1968 a lei estabeleceu a igualdade de voto para a Assembleia Nacional de todos os cidadãos que soubessem ler e escrever. O facto de existir uma elevada percentagem de analfabetismo em Portugal, que atingia sobretudo as mulheres, determinava que, em 1973, apenas houvesse 24% dos eleitores recenseados.
– As mulheres apenas podiam votar para as Juntas de Freguesia no caso de serem chefes de família (se fossem viúvas, por exemplo), tendo de apresentar atestado de idoneidade moral.
No trabalho
– Em 1974, apenas 25% dos trabalhadores eram mulheres; apenas 19% trabalhavam fora de casa (86% eram solteiras; 50% tinham menos de 24 anos).
– Ganhavam menos cerca de 40% que os homens.
– A lei do contrato individual do trabalho permitia que o marido pudesse proibir a mulher de trabalhar fora de casa.
– Se a mulher exercesse actividades lucrativas sem o consentimento do marido, este podia rescindir o contrato.
– A mulher não podia exercer o comércio sem autorização do marido.
– As mulheres não tinham acesso às seguintes carreiras: magistratura, diplomática, militar e polícia.
– Certas profissões (por ex., enfermeira, hospedeira do ar) implicavam a limitação de direitos, como o direito de casar.
Na família
– O único modelo de família aceite era o resultante do contrato de casamento.
– A idade do casamento era 16 anos para o homem e 14 anos para a mulher;
– A mulher, face ao Código Civil, podia ser repudiada pelo marido no caso de não ser virgem na altura do casamento.
– O casamento católico era indissolúvel (os casais não se podiam divorciar).
– A família é dominada pela figura do chefe, que detém o poder marital e paternal. Salvo casos excepcionais, o chefe de família é o administrador dos bens comuns do casal, dos bens próprios da mulher e bens dos filhos menores.
– O Código Civil determinava que “pertence à mulher durante a vida em comum, o governo doméstico”.
– Distinção entre filhos legítimos e ilegítimos (nascidos dentro e fora do casamento): os direitos de uns e outros eram diferentes.
– Mães solteiras não tinham qualquer protecção legal.
– A mulher tinha legalmente o domicílio do marido e era obrigada a residir com ele.
– O marido tinha o direito de abrir a correspondência da mulher.
– O Código Penal permitia ao marido matar a mulher em flagrante adultério (e a filha em flagrante corrupção), sofrendo apenas um desterro de seis meses;
– Até 1969, a mulher não podia viajar para o estrangeiro sem autorização do marido.
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)