terça-feira, 11 de novembro de 2014

duas crónicas de Eugénia Cunhal



* Victor Nogueira

Haverá diferença entre ler um romance ou novela ou poesia e ver uma telenovela ou assistir a um filme ou folhear revistas côr-de-rosa ? Haverá algo de comum ? Evasão ? Viver para além da vida quotidiana cinzenta, pequenina e sem horizontes, por interpostas personagens ou enredos ? Buscar emoções ? Alargar horizontes ou encerrá-los ? 

Naquela vila alentejana,  a Canha, onde a Celeste dava aulas, havia uma velhota surda e analfabeta. Inventava os enredos das telenovelas e comentava-me:  "Isto não é pessoal da vila, não os conheço. Deve  ser pessoal de Vendas Novas." Para os seus horizontes o mundo acabava a uma dezena de quilómetros da povoação onde vivia.Em Luanda, um dos criados na casa dos meus pais, o Fernando,  face às pirogas/canoas que conhecia, não acreditava que houvesse barcos tão grandes, que neles houvesse piscinas, grandes salas de refeições ... "Não, o menino Vitó está a brincar comigo, isso não pode ser verdade, isso não existe!" No Brasil alguém encontra na rua  o actor Ruben de  Falco, o Leôncio da telenovela Escrava Isaura e afinfa-lhe com o guarda-chuva, por causa das maldades do cafageste. E toma, e toma, "Seu  malvado, a fazer maldades à pobrezinha da escrava Isaura." Nos transportes públicos discutem-se as telenovelas e os enredos como se verdadeira fosse a história. Tal como sucede quando as pessoas vêem a telenovela em redor do aparelho de TV, ontem ouvindo a radio-novela e os folhetins. No monte da Arouca, a primeira vez que os alunos da Celeste sairam do "desterro" e, a meia dúzia de quilómetros, viram um combóio na estação de Alcácer do Sal, ficaram boquiabertos com tal monstro.

"Ao lermos uma novela ou uma história imaginamos as cenas, a paisagem, os personagens, dando a estes uma voz, uma imagem física. Por isso às vezes a transposição para o cinema revela-se-nos uma desilusão", escrevia eu em 1994. A encenação por "imagens" cinematográficas  alarga  e simultâneamente limita a imaginação. Gostei mais de ver o filme"O velho gringo" do que ler a novela de Carlos Fuentes; gostei mais de ler "A Casa do Espíritos" de Isabel Allende ou "O nome da rosa" de Humberto Ecco do que dos filmes neles baseados. Para mim a imagem física de "Sherlock Holmes" é a do actor Jeremy Brett assim como "Maigret" é Jean Gabin e "Poirot" é David Suchet ou "Miss Marple" é Margaret Rutherford.

Como eu escrevia em 1973 "Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são.(excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973)

"Escritos com Esferográfica" de Eugénia Cunhal permitem que com a imaginação "vejamos" as histórias narradas ou registadas. Ou quiçá, nos revejamos nelas ou nelas encontremos, para lá delas, algo das nossas vivências

* Eugénia Cunhal

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  • Silvia Mendonça Parabéns a Eugénia Cunhal pela excelente crônica. Beijos de mim.
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  • Viriato F. Soares Muito bom!
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  • Ana Albuquerque "Muitas velas.
    Muitos remos. 
    Âncora é outro falar…"...Ver mais
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  • Maria Natal Guerreiro Obrigada Victor...!!!...Um grande...grande abraço para a Eugénia...da Maria Natal
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  • Maria João de Sousa Obrigada, Victor Barroso Nogueira! Vou partilhar daqui mesmo!!!
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  • Isabel Dias Alçada A novela ??? cada um de nós tem a novela da sua própria vida , beijos meu querido amigo do 
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  • Elsa Vicente Excelente crónica
    Ver tradução
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  • Milu Vizinho Obrigado Victor pela partilha...Excelente cronica...Beijinhos  vou partilhar 
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  • Victor Barroso Nogueira
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    Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)