* Victor Nogueira
De mim (e do meu irmão) quem cuidou não foi qualquer mãe preta mas empregados domésticos, como o Sebastião ou o Laurindo, com quem brincava, que me embalaram e contaram histórias para adormecer, algumas que me lembro terríficas, como terríficos são muitos dos chamados "contos de fadas", onde, inexistindo padrastos, não poucas vezes os pais são "malvados" e raramente surgem mães mas sim pérfidas madrastas.. Nestas fotos de 1951, em Luanda, no Bairro do Maculusso, presumo que quem tem o meu irmão ao colo seja a lavadeira, cujo nome esqueci. Gosto também da outra a seguir, que intitulo "Os três manos"
foto de família - Luanda 1951 - os 3 manos
Mãe Preta é uma composição musical de Piratini e Caco Velho, que em Angola foi interpretada pelo Duo Ouro Negro e, com outro poema e diferente temática, originou "Barco Negro", com letra de David Mourão-Ferreira, interpretado por Amália Rodrigues no filme "Les Amants du Tage".
Mãe Preta chegou a Portugal nos primeiros anos da década de 50 cantada pela fadista Maria da Conceição, constituindo pela música um estrondoso êxito, mas breve foi proibida pela censura fascista, devido ao conteúdo do poema. Interpretações de autores portugueses, mesmo posteriores ao 25 de Abril, em versão aparentemente mais soft, não respeitam o texto original de Piratini (António Amabile).
1. - versão original de Piratini
Pele encarquilhada, carapinha branca,
gandola de renda caindo na anca,
embalando o berço do filho do sinhô,
que há pouco tempo a sinhá ganhou.
Era assim que Mãe Preta fazia.
Tratava todo o branco com muita alegria.
Enquanto na sanzala Pai João apanhava,
Mãe Preta mais uma lágrima enxugava.
Mãe Preta, Mãe Preta!
Enquanto a chibata batia no seu amor,
Mãe Preta embalava o filho branco do sinhô.
2.- versão "adaptada"em Portugal
Pele encarquilhada carapinha branca
Gandôla de renda caindo na anca
Embalando o berço do filho do sinhô
Que há pouco tempo a sinhá ganhou
Era assim que mãe preta fazia
criava todo o branco com muita alegria
Porém lá na sanzala o seu pretinho apanhava
Mãe preta mais uma lágrima enxugava
Mãe preta, mãe preta
Enquanto a chibata batia no seu amor
Mãe preta embalava o filho branco do sinhô
3.- Outra versão portuguesa
Velha encarquilhada, carapinha branca
gandola de renda caindo na anca
embalando o berço do filho do sinhô
que há pouco tempo a sinhá ganhou
Era assim que mãe preta fazia
criava todo branco com muita alegria
enquanto na senzala seu bem apanhava
mãe preta mais uma lágrima enxugava
mãe preta, mãe preta,
mãe preta, mãe preta
Enquanto a chibata batia em seu amor
mãe preta embalava o filho branco do sinhô
Ouvir:
1. - versão original pelo Conjunto Tocantins - 1943 em - https://www.youtube.com/watch?v=PyTqD9xtdWo
2. - versão original pela fadista Maria da Conceição em https://www.youtube.com/watch?v=5NX32PqN9QY
Noutro registo, Alda Lara, poetisa angolana, em 1951 também escrevera sobre a mãe negra, em
PRELÚDIO - Alda Lara
Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...
Mãe-Negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada..
Lisboa, 1951 (Poemas, 1966)
Este poema foi cantado por Paulo de Carvalho cuja interpretação pode ser ouvida em https://www.youtube.com/watch?v=PyAAZdbtFio
Este poema foi cantado por Paulo de Carvalho cuja interpretação pode ser ouvida em https://www.youtube.com/watch?v=PyAAZdbtFio
A título de curiosidade, o poema Barco Negro, de David Mourão-Ferreira, musicado por Caco Velho
De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.
Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:
São loucas! São loucas!
Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.[Bis]
No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.
Ouvir a versão por Amália Rodrigues no filme "Les amants du Tage", realizado por Henri Verneuil (1955), onde não se respeitava a direcctiva "silêncio, que se vai cantar o fado." https://www.youtube.com/watch?v=HgkowHa2jZ4
"Na tela [seguinte] vemos a imagem de uma negra sentada, olhando uma criança negra que está no chão, enquanto amamenta uma criança branca. Segundo Castro Cristo (2009) essa tela evoca sentimentos antagonicos no espectador, pois ao mesmo tempo em que há ternura pela ligação afetiva com a mãe que amamenta, há também um mal estar pela substituição da criança negra pela branca. Após a abolição [da escravatura], o negro passou a ser tema em obras de arte no Brasil, muitas vezes a imagem era construida de forma romântica. Mas, nesse caso, Lucílio de [Albuqerque] manteve traços da pobreza em que vivia esse grupo social, pintando a mãe negra em "seu próprio ambiente paupérimo e sem nenhum otimismo quanto ao futuro". in http://helpcatalogacao.blogspot.pt/2011/03/cancao-de-ninar.html
VEM DE pais e filhos 01 - ir com as aves in https://www.facebook.com/notes/victor-barroso-nogueira/pais-e-filhos-01-ir-com-as-aves/10152941716399436
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)