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igo o televisor. E o que vejo? Um autocarro. Parece que vai arrancar. A sair de um hotel (ou será um abrigo?), com escolta generosa. Uma manobra para a direita, e logo vira para a primeira rotunda (há sempre uma rotunda à nossa espera, mesmo que na televisão).
Ouço um frenético relato do percurso do bem trajado autocarro. É a equipa a ser transportada. Para o estádio, creio. Muito excitante. Um regalo à distância de um controlo remoto.
E outro autocarro, também bem cuidado. Ouço com atenção: vai para o mesmo estádio. Ligeiramente atrasado em relação ao primeiro autocarro.
A partir daqui, o ecrã divide-se em dois. Com um autocarro à esquerda e outro à direita. Longos minutos lado a lado, com arrepiantes momentos filmados por cima, em versão drone.
Lá dentro vão as equipas. Assim se conclui, não porque as possamos ver, mas porque as televisões vão cuidando de nos informar que, lá dentro, vão as equipas e de nos dizer do seu estado de espírito, certamente por rede sem fios. A opacidade do autocarro de fora para dentro é ultrapassada pela cristalinidade da informação tempestiva de adivinhos e magos.
Bem tentei, encurtar tão estimulante viagem virtual. Mas não há zappingpossível: o canal A transmite, o canal B idem, o canal N idem aspas. Um êxtase de alienação em versão rodoviária.
Finalmente, chegaram ao estádio. Abrem-se portas e bagageiras. A caravana sai às pinguinhas, sem lógica aparente de ordem. Aqui e acolá um leve sorriso ou aceno, mas nada de exageros, não vão as mentes desconcentrarem-se do trabalho que as espera. A tristeza invade os mais incautos telespectadores. Fica uma sensação de buraco na alma. Que fazer agora – dirão – depois de tão gloriosos e fartos minutos dos autocarros.
Acabou a viagem e a imprescindível reportagem. Mas nada de tristeza. Mais uns dias, e vão-nos oferecer a dose a dobrar. E hoje já estão a ser editadas imagens mais significativas da viagem dos autocarros (por exemplo, não parar no semáforo, porque acolitados pela escoltas de motas da polícia).
E eu que julgava que gostava de futebol. Da essência e não das mais pueris circunstâncias. Do jogo. Dos golos. Das cores. Da emoção de tomar parte. E até dos “autocarros”estacionados no relvado, se necessários evidentemente…
Caramba! Não sei quantos cavalos têm estes majestosos autocarros. A trote e a galope. E esqueci-me de ver qual a marca dos autocarros e qual deles foi o vencedor do percurso. Logo eu, que quase não sei distinguir nenhuma marca de carros. Ainda se fossem árvores…
http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2016/06/01/esqueci-me-de-ver-a-marca-dos-autocarros/#comment-21473
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)