1. - NO 7º ANIVERSÁRIO duma carta escrita a alguém que se perdeu de mim e nas brumas do tempo e da memória
Olá, Amiga
Está um domingo de sol e debato-me entre o ficar sozinho em casa ou ir em busca de outrem. Como habitualmente encerrar-me-ei em casa, fechado em mim mesmo. Detesto os fins-de-semana e feriados. Quase sempre os detestei. Embora desde há três anos "ferie" quotidianamente; nos chamados dias "úteis" as lojas e os serviços estão abertos e "saio" de mim para resolver os problemas diários, comezinhos ou não.
Como se inúteis tivessem de ser aqueles dias em que não trabalhamos ou produzimos, ganhando o vil metal para comer o pão que o diabo amassou. E nos dias úteis ou inúteis deixo por fazer aquilo que gostaria ou quereria fazer: estar com Outrem, procurar quem é de mim reflexo e complemento, acabar de arrumar os livros nas prateleiras, digitalizar milhares de fotos ou textos que escrevi, escrever, viajar em busca de novas ou "velhas" terras e gentes, conviver ...
Ignoro os convites para ir ao Barreiro, a Lisboa, ao Porto, ao Seixal, a Évora ... Um dia destes fui a uma loja ao pé do edifico onde trabalhei e ouço vozes cristalinas chamando pelo "doutor". Viro-me e vejo quatro das empregadas de limpeza que me sorriem, me perguntam por mim e pelos meus filhos cujos nomes conhecem de me irem visitar ao meu gabinete, que ficam todas contentes ao saberem que já sou avô. Afivelo a minha máscara que o não é, sorrio com o brilhozinho nos olhos que o Rui e a Susana dizem ser meus, sou naturalmente encantador e simpático, despedindo-me espontaneamente com um beijo e um gesto de carinho a cada uma delas, que me permito pois já não estou ao serviço, já não sou o "doutor" ou o "chefe" mas apenas o "Victor". Mas, após a despedida, retomo o meu ar sério e distante.
No meu quotidiano fica sempre o confronto entre o estoicismo e a "loucura", entre o agir e o deixar correr, entre o bate e foge. Nem sempre era assim e por vezes numa curva da estrada encontrava a Outra, portas e janelas abertas ao sol, ao sal, ao mar, à brisa refrescante ou sufocante, envoltas em breves e fugazes horas ou dias de paz e felicidade, de mar chão e sereno, de riso e de ternura. Todas em suas histórias por mim escritas tinham um nome que as despersonalizava mas as identificava e resguardava da devassa alheia !
Leio pois os teus escritos e coloco-me no limbo, como se outrem eu fosse, encantado com o que decifro, descobrindo na tua figura maneirinha, simples, sem lantejoulas, caminhos de ternura, de afecto, de humor! E procuro desesperadamente resguardar-me.
Beijo-te, simplesmente, Amiga
do
Victor Manuel do Kant_O
Publicada por Victor Nogueira à(s) Domingo, Novembro 20, 2011
2. - segunda-feira, 31 de Agosto de 2009
Carta para AMF
Olá, "Marie"
Também eu gosto do mar e do sol, que aparecem em muitos dos meus poemas. Durante muitos anos, em Luanda, vivi à beira-mar - era só atravessar a estrada e encontrava a praia, de que fala um poema meu - RAIZES. Como de mim falam o OBRIGADO e a ELEGIA PELA MINHA FAMÍLIA DISPERSA. Mas como adoras cozinhar - eu sou autodidata e lá me vou desenvencilhado, por vezes com invenções culinárias, deixo-te uma RECEITA PARA UMA MENINA CALADA. À tua pergunta se sou feliz deixo uma resposta transcrevendo duas passagens dum dos meus ESCRITOS AO (es)CORRER DA PENA E DO TEMPO:
.
"Ontem, que já é anteontem, a Maria do Mar falou sobre a felicidade em contraponto a uma pretensa atitude de infelicidade minha. Não me considero infeliz. Vou vivendo, melhor que muita gente, embora não tão desafogadamente como outros ou do modo que eu preferiria. Diferente da infelicidade é o desencanto pela falta de solidariedade e de humanidade crescentes nesta sociedade em que estamos. E desencanto tenho, por vezes muito, por vezes em demasia. O que não significa que não tenha tido momentos de alegria e serenidade. Alguns deles com ela, apesar de tudo. E talvez parvamente e sem razão eu persiga nela a crença ou a esperança de que teria sido (seria) possível ter sido (ser) feliz com ela, como amigo ou como amador e ser amado. Mas isto só teria resposta se outra fosse a nossa relação. A isso, só a convivência límpida e no dia-a-dia teria dado resposta.
.
Apesar de tudo acredito que é possível as pessoas serem felizes. Por muito breve que seja a felicidade. Porque entendo que os homens e as mulheres não foram feitos para estarem sózinhos ou viverem solitáriamente. Por isso, na breve passagem nossa por este mundo, é preferível, digamos, um ano de felicidade, mesmo que repartida no tempo, a uma vida inteira com medo de perdê-la ou não alcançá-la.
.
Todos temos limitações maiores ou menores, neste ou naquele campo. Preciso é sabermos aprender a viver com as nossas limitações para ultrapassarmos os muros que nos cercam ou querem levantar ou levantamos á nossa volta.
.
Quando estudante de Economia em Lisboa, tinha então vinte anos, frequentei um curso intensivo de inglês. A professora, uma jovem inglesa, a Maureen Baltazar, era alegre, encantadora e todos nós gostávamos muito dela. Mas entretanto ela resolveu regressar a Inglaterra, já não me lembro se por se ter entretanto separado do marido português. E o surpreendente para mim era o desgosto e a ideia expressa nas palavras duma das empregadas da escola pelo facto da Maureen abalar, creio que definitivamente, dizendo que mais valia não a ter conhecido porque assim não teria o desgosto de perdê-la. E surpreendia-me esta atitude, pelo que então lhe contrapuz que o que era importante era termos conhecido e convivido com a Maureen, porque a recordaríamos sempre com alegria e ao tempo em que tínhamos estado com ela, porque era um tempo que tinha valido a pena ter sido vivido!
.
Da felicidade, da liberdade e do amor falam outros poemas meus: FLOR DO MAR, LIBERDADE, NOSTALGIA, O QUE AMO EM TI, TODO O DIA e, finalmente, TU VIRÁS.
.
Espero que digas qualquer coisa e me escrevas.
.
Saudações do
Victor Manuel
.
Setúbal, 99.01.30
3. - falando com os meus botões
de Victor Nogueira (Notas) - Sexta-feira, 26 de Abril de 2013 às 3:22
(...)
São duas e vinte da madrugada subsequente à do 25 de Abril. O silêncio enche o prédio e nesta casa ouço apenas o zumbido nos ouvidos e o suave dedilhar ritmado nas teclas ou o baque seco e compassado da barra de espaços.
.
A vida é tão frágil e o tempo tão breve para dizermos quanto amamos e somos amigos daqueles que amamos e que estimamos. Mais do que dizer, não menos importante, é mostrá-lo não apenas com palavras mas com os gestos e os actos e a mão no ombro ou no rosto.
Tal como escrevi uma vez sobre a Maria do Mar, "Tenho esperado as suas notícias, a sua voz, o seu sorriso, a sua companhia, a sua presença e, porque não dizê-lo, a sua ternura. E retratro-me (...) de mim. Porque, ao contrário dela, não faço grandes discursos sobre a amizade e a franqueza pessoal, porque são apenas palavras e poeira aqueles que não têm correspondência nos actos. (...) A mim o que me interessa são os vivos e a solidariedade ou o gesto que se não recusa, a liberdade que conseguimos fazer nascer nesta teia de constrangimentos e de embaraços." Ou, muito antes, à Maria Papoila ou Maria Vai com as Outras: «Mas nada disto interessa. Uma presença, um gesto, um sorriso, valem mais que mil palavras. Não entendes isto ?»
.
Tu, em parte, sabias isto (...). E tu, que me lês ?
foto - auto-retrato no Mindelo
4. - NOSTALGIA
Procuro dentro de mim
................a memória das naus que partiram
................nesse teu gesto de me
.........................................tocar o rosto
.........................................afagar os cabelos
.........................................ajeitar o kispoo
................toque das tuas mãos
................tocata ligeira e graciosa
Recordo a tua pele morena
................a tua voz camarada e amiga
quente sedutora
................o teu ar fresco e donairoso corpo
................a tua mão na minha
no café no cinema ou no restaurante
................o teu cabelo curto ou comprido
................as tuas palavras
................quando me dizes
................à partida
................rápido pela auto-estrada
................não vás depressa
................cuida de ti da tua saúde
................o beijo na face ou como ave
............................pássaro lançado ao vento
Regresso em pensamento viajo
Percorro os sítios onde estivemos
................o areal o lugar à beira-mar
................a esplanada as ruas da cidade aberta
................a tua casa acolhedora
................o silêncio
Hoje raro me telefonas ou procuras
a não ser quando me sabes doente ou
no dia do meu aniversário
na passagem dos anos
com delicada gentileza!
Flor do mar retraída.
1989.09.11 setúbal.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)