terça-feira, 28 de março de 2017

Quem da nau a âncora cortará ?

* Victor Nogueira



Desertos estavam os salões
no Palácio adormecido
a vida apenas figurada em azulejos.
Brilhante era a tarde e para lá das vidraças
verdes eram os campos
onde saltaricavam rolas

A Ribeira da Laje, um lençol de água esverdeada que lenta escorria
-  onde sinuosamente fluíam os robalos.

Como em mim era o dia.

Lado a lado percorremos os corredores, o jardim,
entre-avistámos a pérgula
procurando a saída para a rua
cálida e serena.

Toda a tarde estive em ti como ave inquieta
Toda a tarde caminhei a teu lado
frágil canavial agitado pela brisa
riacho silencioso serpenteando por entre as pedras

Toda a tarde me calei no burburinho do meu verbo
e procurei em ti
o sol no teu olhar
a serenidade no teu sorriso
o acetinado do teu braço no meu ombro
o meu descanso na concha da tua mão
a harmonia da tua voz cristalina.

Toda a tarde caminhámos lado a lado
e agora, que partiste,
ficaram em mim a sede, a solidão e o desassossego..

Como Carta de Ítaca
de Ulisses fraco poema este é:
paupérrima carreirinha de palavras
estioladas como as flores no jardim
sequiosas de água que dessem vida à secura,

Na memória do jardim,
onde lado a lado apenas
caminhámos
crescem as sombras do anoitecer
em diluição da paleta do arco-íris.

Quando partes
fica em mim a nossa ausência
e no mar alteroso, preso ao chão que me rodeia
nascem âncoras em cadeia,
nenúfares onde as libélulas que esvoaçoam não poisaram.




Oeiras e Paço d Arcos, 2017.03.28

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)