quarta-feira, 31 de maio de 2017

Apesar do silêncio, da distância ...

`Vicor Nogueira



Apesar do silêncio, da distância, da (aparente) ausência, não me esqueço de ti e vives na minha memória. Um aceno :-)

O Colégio da Sé em évoraburgomedieval ...


O Colégio da Sé em évoraburgomedieval ... O que era o Colégio da Sé no medieval burgo de medos e receios, de relógios parados no tempo, de públicas e púdicas virtudes e privados vícios e devassidões .. ? O que foi o Colégio da Sé de silêncios no medieval burgo das meninas que para preservar a "honra" não circulavam desacompanhadas nem frequentavam os cafés - cruzes, canhoto, vade retro satanás, PN AM - num Alentejo cerrado nas mãos dos latifundiários e da pequena burguesia das cidades e das vilas ?
Que melhor espelho, que melhor resposta é a deste "grupo" que morrerá definitivamente quando morrer o estrangeiro que sou, o que veio de longe, de muito longe, como se não tivéssemos feito parte da vida de todos e de cada um de nós, com memórias e afectos mais ou menos profundos ? Tão parcos de acenos e de calor ? Tão cerrados e silentes por detrás das espesas cortinas nas janelas !

 
Tão jovens que terão sido as presentemente hoje envelhecidas crias do Colégio da Sé em évoraburgomedieval ? Tão triste, tão seca e arenosa é a "herança" do Colégio da Sé em évorburgomedieval no Alentejo do vento suão que esfarela(va) a alma e os ossos.e vilipendia(va) os malteses.?
Na foto o Colégio de S. Francisco Xavier (patrono da então Vila e actual Cidade de Setúbal), missionário da Companhia de Jesus, actualmente Palácio Fryxel e sede do Instituto Politecnico de Setúbal .

SERÃO PALAVRAS (Eugénio de Andrade)

Diremos prado bosque
primavera,
e tudo o que dissermos
é só para dizermos
que fomos jovens
Diremos mãe amor
um barco,
e só diremos
que nada há
para levar ao coração
Diremos terra mar
ou madressilva,
mas sem música no sangue
serão palavras só,
e só palavras, o que diremos.



Antigos Alunos do Instituto Superior Económico e Social de Evora ou ISESE


segunda-feira, 29 de maio de 2017

ECCE HOMO (1)



foto de família - hoje o Pituca festejaria 66 anos - foto em Luanda, em 1951, na Rua Frederico Welwitsch. Na minha memória a última imagem dele é sorridente e com 36 anos. Ficam 3 poemas

ECCE HOMO (1)
Era o dia 26 de Fevereiro
O Pituca morreu!
Encerrado em si
hirto no seu pijama azul
as mãos bonitas e o rosto frio
um vergão em torno do pescoço
o rosto violáceo
o ar sereno.
Longe vai o tempo da minha alegria
das nossas brigas
da nossa amizade
silenciosa
tímida
desajeitada.
Fica-me no pensamento
a lembrança de ti
nas coisas que me deste
os livros os posters
os bibelots as estatuetas
africanas as tuas pinturas
a Marilyn e o Pato Donald
os discos e as cassetes.
Memória da infância perdida
nas palavras silenciadas
Meu irmão!
Victor Nogueira - Poesia
1987.Dezembro.22 (1989.Março.10) - Setúbal

É TEMPO DE CHORAR
É tempo de chorar
silenciosamente
os nosso mortos
irmãos encerrados
encurralados
É tempo de chorar
enquanto
para lá desta hora
a vida se renova
por entre
os bosques e
os regatos
sussurantes
do imaginar o son (h) o estilhaçado
É tempo de chorar o tempo que voa

(IN MEMORIAM do meu irmão Zé Luís, morto de morte matada
por ele próprio e por muitos outros no tempo
que para ele terminou naquela tarde de
26 de Fevereiro de 1987 ............................. )
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

PRECE
Ao meu filho José Luís
Meu filho querido, meu grande amor
Teu destino não era este mundo.
Partiste e me deixaste nesta dôr
Tão profunda, Imensa, sem ter fim.
Porquê meu filho, me abandonaste ?
Tão jovem, tão talentoso, tão bom !
Sem compreender porque te finaste
E que felicidade procuraste.
Teu coração outra vida sonhara,
Mas uma vida sem sombrias nuvens
Radiosa primavera desejara.
Tuas meigas mãos jamais sentirei
Afagar com carinho a minha face
Sentida prece por ti rezarei.
S/data

domingo, 14 de maio de 2017

Festivais e algo mais

Carlos Barradas escreve - O prémio da Eurovisao é um presente envenenado! Para o ano Portugal tem que puxar os cordões à bolsa, cerca de 80 milhões de euros, para organizar o concurso por cá! Só em fogo de artifício vai ser uma fortuna!! Lololololololololol
E eu reflexiono 
Ora, ora. Já houve a Expo 98, para aplanar a especulação imobiliária e urbanística tendo a Ponte Vasco da Gama como pano de fundo, o Euro 2004 com Scolari, as bandeirinhas os pagodes chineses em prol das empresas de construção civil e de obras públ...Ver mais

Carlos Barradas Acho que Fátima dá para as despesas e faz lucro !!! Paga se a si própria!!

Victor Barroso Nogueira Carlos Barradas Mas vive das esmolas, dos óbulos e da isenção de impostos. É assim uma espécie de Caritas ou de Santa Casa da Misericórdia que andam sempre na pedincha mas não poucas vezes dão bastos lucros LOL

Carlos Barradas Estatuto especial num país laico?!!

Victor Barroso Nogueira Andas na Lua ? Nem o 1º Ministro nem o PR tinham de ir enquanto tal ao beija-mão em Fátima pois tratou-se duma visita particular dum simples peregrino e crente, por sinal chefe supremo da igreja católica apostólica romana, um Estado Confessional.

Carlos Barradas E o Marcelo ia lá perder um beija mão papal ?!!!

Carlos Barradas Aquilo para ele foi orgásmico !!!

Victor Barroso Nogueira Carlos Barradas Bem, ainda estou à espera que ele vá à Coreia do Norte e tirar selfies com o Temer e com o Trump LOL E que em Novembro vá a S Petersburgo para hazer o pleno

Perante a maré encarnada, o azul e branco dos "bermelhos" que são vermelhos

* Victor Nogueira

Perante a maré encarnada, o azul e branco dos "bermelhos" que são vermelhos
EM TEMPO Já era do "glorioso" em Angola, no tempo da outra senhora, quando os campeonatos eram normalmente ganhos pelos encarnados - que ainda não passaram a vermelhos -  e os verdes lagartos.
Em 1956 ou 58 o Porto lá conseguiu um campeonato e foi uma eufórica enchente azul e branca a que invadiu as ruas de Luanda.


Em 1962/63 estive a estudar no Porto e sabia-se à 2ª feira nos eléctricos e nas ruas se o "glorioso" vencera ou não na véspera, conforme o povo apresentava um ar contente ou macambúzio.




Hino Oficial Do F.C. do Porto

Oh, meu Porto, onde a eterna mocidade
Diz à gente o que é ser nobre e leal.
Teu pendão leva o escudo da cidade
Que na história deu o nome a Portugal.

REFRÃO:
Oh, campeão, o teu passado
É um livro de honra de vitórias sem igual
O teu brasão abençoado
Tem no teu Porto mais um arco triunfal
Porto, Porto, Porto, Porto
Porto, Porto, Porto, Porto
Porto, Porto

Quando alguém se atrever a sufocar
O grito audaz da tua ardente voz
Oh, Oh, Porto, então verás vibrar
A multidão num grito só de todos nós

o prisioneiro, rabisco de 1958

* Victor Nogueira



Creio que teria alguma habilidade para a escultura mas não para desenho, muito menos naqueles tempos de alinhamento na escola segundo uma pretensa e niveladora "normalidade" em que a diferença era em princípio uma aberração.

Ainda na minha juventude pedi ao meu irmão caçula que me ensinasse as técnicas de modelação em argila, mas ele virou-me as costas e regressou pouco depois com a tralha instrumental, dizendo-me que tinha ali a ferramenta, indicando-me onde no quintal estava o monte de barro que ele utilizava para os seus trabalhos

Ao reler hoje o meu diário dos 12 / 13 anos constato com surpresa que já então escrevia muito bem, com propriedade e correctamente, embora sem "rodrigos". A única vez que escrevi dando asas à imaginação a professora decretou-me que o texto não fora por mim escrito. Só muitos anos depois ultrapassei a escrita objectiva, encadeada em alíneas e parágrafos, graças a duas amigas minhas: a Noémia, nos idos de 1968 em évoraburgomedieval, e a Joana Princesa, em Setúbal nos idos de 1989.

Nas aulas de canto coral, para além de aprender o solfejo, ficava sentado a um canto pois não tinha ouvido para a música. Quando disse ao meu pai que pretendia aprender a tocar viola ele perguntou-me se iria viver disso e como lhe respondesse que não, não me autorizou. Nem sei se seria capaz de escrever música apesar de me parecer que mentalmente a compunha, nunca aprendi a transcrever os sons para o papel nem tinha ouvido para trautear. Ficou apenas a aprendizagem de transcrever para o papel o meu pensamento.

Em casa lá em Luanda quando começava a cantar o "benjamim" atirava-me com os sapatos para que me calasse, num desrespeito pelo "mais velho". E desisti, depois duma vez durante a missa na Igreja de S. Joaquim, lá na Praia do Bispo, ter ficado ao lado do vizinho Sidónio que cantava com uma enorme e sentida  devoção, enquanto desafinava ruidosamente.com a sua profunda voz de trovão.

terça-feira, 9 de maio de 2017

João Baptista Cansado da Guerra (13)


* Victor Nogueira

(texto e foto)

E DE REPENTE É COMO SE TODAS AS ESTRELAS SE APAGASSEM
De repente é como se todas as estrelas se apagassem ficando o cansaço e a velha vontade, por vezes renascida, de partir para longe, de apagar tudo, como se fosse possível recomeçar tudo de novo, rasgando o que escrevera, lixo para lançar aos quatro ventos, porque não ria, nem chorava, nem tinha uma pedra no lugar do sentir pelo qual se deixara envolver.
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Estava assim porque o tinha considerado seu igual e confiara nele e com ele procurara falar sem reservas. Parecia contudo evidente que ele jogava à defesa e que as palavras seriam para ele fogo de artificio e manobra de diversão por detrás das quais se escondia e protegia. Assim o julgava, apesar de poder considerar-se má leitora dos factos e dos gestos, como outrora o fora de outras pessoas, nuns casos porque se ficara pelas palavras, noutros, como no presente, por ter procurado "ler” para além delas.
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Talvez a considerassem presumida porque em determinada altura do seu relacionamento não acreditara em tudo o que ele lhe dizia, relativamente a ela própria e aos sentimentos que afirmava nutrir por ela: seria uma presunção diferente da que ele tinha, porque ela perante ele se descobrira, talvez cedo e desajeitadamente demais, talvez porque tivesse lido nele aquilo que desejara ler. E assim, conhecendo-lhe os sentimentos dela, seria levado a pensar que lhe bastaria dizer quem era para que ela largasse o trabalho ou interrompesse a reunião para atendê-lo ao telefone, fosse do emprego, fosse da casa onde morava. Era simultaneamente verdade e mentira afirmar que pouco ou nada lhe interessava saber se ele estivera, estava ou algum dia poderia vir a estar "enamorado” por ela. Era de presumir que fosse adulto, crescido, responsável; então porque não haveria de acreditar no que ele lhe dizia e deixar-se de "poesias" e de imaginações!?
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Recordava-o por vezes com uma grande ternura mesclada de inquietação e desassossego. Lembrava-se das primeiras vezes em que o vira, quando procurava conhecê-lo, e de como se encantara por ele. Recordava-se das vezes em que pretendera envolvê-lo numa longa e doce caricia ou o desejara como um homem pode ser desejado por uma mulher. Como esquecer a rede em que se deixara enlear, que ele muitas vezes parecera também tecer e outras rompera? Recordava o seu jeito gaiato, sorridente e brincalhão, sem esquecer os desencontros e as vezes em que ele disparatara ou faltara sem dizer água vai, apesar da importância que ela, parvamente, dera à sua presença e companhia.
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Ele dizia-se amante da liberdade e no entanto não poucas vezes desrespeitara a dela, deixando-a a falar sozinha, com a refeição fria ou o fim de semana “estragado". Ele dissera preocupar-se com o efeito que os seus actos e as suas palavras poderiam provocar nos outros, por recear e não querer magoá‑los, mas não poucas vezes a magoara, sem que ela soubesse verdadeiramente distinguir quando falava a sério ou na brincadeira ou se estava apenas desatento por feitio ou preocupação. Não podia esquecer-se das vezes em que ele lhe entrara pela casa dentro, enchendo o ar de poalha dourada e refrescante, libertando a sua fragilidade, como ave inquieta na brisa que ela era.
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Recordava-se disso e de muitas coisas e palavras, que gostaria tivessem (o)corrido ou acontecido de outro modo. E lembrava-se de algumas cartas, poucas, duas ou três, que lhe escrevera, arrumadas no fundo duma qualquer gaveta, porque resolvera deixar sedimentar as palavras, que deste modo, com o decorrer do tempo, haviam perdido o sentido e a oportunidade. Pensava ser natural que os homens e as mulheres procurassem uns nos outros amizade, ternura e carinho, considerava natural que os homens e as mulheres se sentissem mutuamente atraídos por serem de sexos diferentes ou que, se fosse caso disso, pudessem ir para a cama um com o outro, dum modo saudável, sem táximetro e tabela de preços consoante o serviço.
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Mas nem sempre acontecia o que deveria ser natural, não poucas vezes porque muitas e variadas razões levam a renegar, condicionar, proibir e "regulamentar" a sexualidade e as suas manifestações duma forma que nada tinha a ver com a expressão saudável da vida.
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E fora como uma expressão de vida e um cântico de alegria que ela o considerara, de forma aberta. No entanto e talvez demasiado cedo partira, quando em vão por ele esperara, para logo de seguida considerar o amor um bem que suaviza, quando alguém afaga a nossa vida, o que lhe dissera inopinadamente.
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Há na vida um tempo e uma ocasião para tudo e para cada coisa, segundo expressava um belo poema judaico, e por isso talvez as palavras e os sentimentos dela tivessem sido expressos demasiado cedo.
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Entendia ser natural que o desejasse como natural seria que outros homens a desejassem, mas não ele, que até era um homem que sabia "provocar" as mulheres, que a "provocara" não poucas vezes, embora dum modo que na altura lhe parecera "natural", sem maldade.
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Contudo, o passar dos dias e os "desentendimentos” pelo que talvez fosse ou tivesse sido por ambos desejado fazia com que ela pensasse já não ser natural que ele "provocasse" e amesquinhasse (consciente e deliberadamente ou não) quem "provocara" (por ela não o entender), apenas porque teria tido com a mulher com quem vivera experiências, isto é, vivências, humilhantes ou perversas, gerando situações que ambos não haviam conseguido ultrapassar (supondo que ele desejaria ultrapassá-las), por preconceito ou falta de simplicidade ou por utilizarem gestos e códigos diferentes. Situações que não haviam logrado superar em busca da amizade, do amor, da ternura, do prazer, da paz ...
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É um facto que fora por ele seduzida e que, ao considerá-lo seu igual, procurara sobretudo a sua amizade. Mas tendo ambos códigos e chaves de leitura diferentes, só veramente poderiam saber quem eram através da convivência, para descobrir o que estava para lá das categorias redutoras que (des)ajudavam ao entendimento das pessoas. Porque ele falava nas mulheres dum modo simplista, cómodo, mas irreal (são todas iguais, logo são todas tratadas da mesma maneira); outros falariam nos homens (são todos iguais, andam todos ao mesmo, logo devem ser todos tratados da mesma maneira).
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E no entanto, por temperamento, vivência e "leitura", ela sabia que há homens e mulheres, com características comuns, é certo, mas que para além disso cada pessoa tem as suas características próprias, especificas, da sua cultura e classe social; para lá das "cómodas” categorias e definições redutoras ela procurava o que existe de próprio, de pessoal, fosse no Zacarias ou na Carlota, fosse na Maria ou no Manel, independentemente de se não empenhar em "convencer” as pessoas, o que por vezes em nada facilitava a sua relação com outrem.
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Falava com as gentes, é certo, mas não como apóstolo ou profeta; buscava aquelas com as quais se identificava, afastava-se das que nada tinham em comum com ela naquilo que reputava essencial, aceitava e tolerava as outras.
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Sendo assim, é natural que tenha pensado e lhe tenha dito "gosto deste homem, gosto dos filhos dele, postaria de com ele viver e compartilhar o dia-a-dia". É natural que ele lhe respondesse ter outros objectivos prioritários na vida e que ela estava à margem deles, apesar dela o considerar seu igual e procurar respeitar a sua liberdade. Admitia contudo que algumas vezes os seus gestos e atitudes para com ele pudessem parecer desmenti-la, apesar de serem também condicionados pelos gestos e atitudes dele. Admitia pois que ele quisesse provar que sozinho poderia triunfar, sem a solidariedade dos outros, e que ela o desejava "controlar", a ele que estava farto de prisões, pressões e bofetões; por isso talvez tivesse sido erradamente levado a pensar para consigo mesmo que o paleio é sempre igual e que no princípio são tudo rosas e arco-íris, para lá dos quais surgem os espinhos e as tempestades e os ventos ciclónicos.
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Tudo bem, continuaria ela a pensar, ninguém a mandara ser apressada, sem dar tempo ao tempo, embora depois os erros se possam a vir a pagar caro, face à brevidade da vida e à impaciência dos mortais. É natural que os “sonhos" não sejam os mesmos para todos, é "natural" que para algumas pessoas fique a nostalgia dos sonhos que se sonharam mas não viveram ou falharam. Afinal os sonhos nem sempre são pesadelos e por isso podem também ser a expressão dos anseios com vista à concretização, talvez por vezes dum modo errado e desajustado, dos desejos de uma vida diferente, melhor, mais cheia e saborosa.
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Como a que ela pensara encontrar nele e retribuir-lhe!
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Setúbal 1990.03.19/20
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(Victor Nogueira, sobre uma epístola de S. Sebastião aos gentios, em 4 de Outubro de 1989, a D.)
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domingo, 7 de maio de 2017

Imagem da Sé de Setúbal

* Victor Nogueira


fotos victor nogueira - uma outra imagem da Sé de Setúbal, nas traseiras da mesma. Outrora a "Casa do Povo de Deus", segundo o Vaticano II, estava sempre aberta. Agora estão quase sempre fechadas, por causa dos assaltos e roubos, não vá o Diabo tecê~las. Na foto vê-se o aparelhómetro contra assaltos, ligado não ao Paraíso mas a uma qualquer central de segurança.



quinta-feira, 4 de maio de 2017

O Liceu era um mundo novo e diferente

* Victor Nogueira

O Liceu era um mundo novo e diferente; a minha mãe lá conseguiu convencer-me que não deveria levar todos os livros de estudo na pasta diariamente, pois passaria a ter vários professores, cadernos diferentes para cada disciplina e em cada dia precisaria apenas dos livros das que fossem lecionadas.


Num território onde não havia Universidade, frequentar o Salvador Correia era fazer parte da elite num estabelecimento de ensino onde figuravam praxes e rituais similares aos de Coimbra, com diferenciação entre “caloiros” e “veteranos” e “tonsuras” àqueles no 1º dia de aulas. Para novatos como eu alguns dos “veteranos”, designadamente os do 3º ciclo, faziam gala de insubordinação, eram “malcriados”, como registo no meu “diário” da altura. Nesse tempo entre estes alguns usavam negras capa e batina e era com alguma jactância que dizíamos alto e bom som “larga o osso, que não é teu, é da malta do Liceu”, quando víamos rapazes doutros estabelecimentos de ensino acompanharem uma engraçada e vistosa mocinha.


Não me recordo se nesse tempo o Salvador Correia já era misto no 3º ciclo ou se isso sucedeu apenas alguns anos mais tarde. No princípio do ano lectivo havia falta de professores nalgumas disciplinas por vezes durante todo o 1º período e nas “borlas” umas vezes éramos obrigados a permanecer na sala de aula, outras saíamos para o recinto exterior, ficando na conversa ou travando renhidas batalhas com torrões de barro nas barrocas junto ao Liceu, as camisas vestidas do avesso para que não se notasse a sujidade quando voltássemos para as aulas. Por vezes debandávamos à aproximação dum dos contínuos cuja alcunha era o “Ramona”, pois quem ele identificasse seria castigado pelo Conselho Disciplinar.  Quando havia diferendos entre os estudantes estes eram dirimidos à pancada no fim das aulas, na rampa ajardinada defronte do Liceu, com séquito de seguidores e apoiantes duma ou doutra parte.

Havia professores que estimávamos, uns mais, outros nada, e as aulas de Religião e Moral eram muitas vezes uma tourada, mesmo no 3º ciclo. Uma vez numa aula a insubordinação atingiu tal nível que o padre deu ordem de expulsão a toda a turma, colocando-se à saída para identificar cada aluno. Quando chegou a minha vez disse-lhe polidamente que só me identificaria se me dissesse para que queria a nossa identificação. Dali não saíamos até que desesperado ele exclamou qualquer coisa como "Não estou para te aturar, tu és completamente maluco" e foi-se embora desarvorado, deste modo escapando todos nós a um castigo colectivo. Aqueles que como eu não tinham ouvido para a música ou que por razões de saúde não podiam participar nas aulas de Educação Física ou nas actividades da Mocidade Portuguesa restava a frustração de passar a aula sentado a ver os outros ou conseguir-se dispensa mediante atestado médico.

No final do ano lectivo havia arruaças mais ou menos inofensivas na Avenida Brito Godins, defronte ao Liceu, envolvendo os automóveis que passavam, por vezes obrigando a intervenção policial. Recordo-me que num dos anos entre os estudantes levados para a Esquadra estava o filho do Governador-Geral, que reclamava em vão essa condição para não ser preso, retorquindo-lhe o polícia “Pois, pois, e eu sou o Presidente da República”. Dessa vez a ordem de soltura acabou por ser mais rápida.

Entre o 4º e o 6º anos estive matriculado em colégios particulares, em Luanda e no Porto. Quando me matriculei de novo no Salvador Correia já algumas coisas eram diferentes embora se mantivessem outras, como o autoritarismo e o rigoroso acantonamento das raparigas em espaços interditos à permanência dos rapazes, nos intervalos e “borlas”, salvo na biblioteca. Um rapaz que permanecesse num espaço reservado às raparigas sujeitava-se a ser punido com suspensão das aulas, o que também sucedia a quem permanecesse sentado nos passeios ou muros do Liceu após terminadas as aulas. Todo esta “segregação” não existia fora do Liceu, pelo menos no estrato social a que pertenciam os meus pais, onde as relações entre rapazes e raparigas eram mais livres e abertas.

Até 1961/62 apenas uma minoria tinha possibilidades financeiras para frequentar o Liceu e dessa escassos podiam prosseguir estudos universitários em Portugal. Para os restantes o Liceu nenhuma preparação profissional dava, ao contrário do que sucedia nas escolas industriais e comerciais. E para quem como eu seguiu para Económicas o Liceu não nos fornecia conhecimentos básicos necessários, como os de contabilidade, de estatística ou de matemática baseada na teoria dos conjuntos ou na álgebra booleana. Dos cerca de 20 estudantes que pretendiam seguir Economia em Lisboa ou no Porto, apenas cinco conseguimos vencer as barreiras incluindo a da famígerada Matemática, rumo a Portugal. Mas logo na 1ª aula de Matemáticas Gerais no ISCEF o professor deu-nos as boas vindas dizendo que o que estudáramos anteriormente nada tinha a ver com a Matemática deixando-nos a ver navios enquanto impiedosamente desbobinava a álgebra booleana, entremeando com muitos "como é evidente", uma evidência que muitos de nós não conseguíamos alcançar..

Nos dois primeiros ciclos o ensino era essencialmente teórico e foram escassíssimas as aulas práticas nos laboratórios de físico-químicas ou de ciências naturais, conhecidos como o “Planeta Proibido”. Por vezes havia as chamadas “visitas de estudo” a unidades industriais como a cimenteira Secil, de fabrico de sabões ou cervejeiras, como à Cuca, que eram pelos estudantes apreciadas devido aos lautos lanches regados de cervejolas, embora eu fosse conhecido pelas minhas bebedeiras de … laranjada, Fanta ou Canada Dry. Desse ensino teórico e não poucas vezes desligado da realidade falo num poema meu intitulado “Raízes”

(…) Em Luanda nasci
Em Luanda vivi
Em Luanda estudei

Não Angola mas Portugal
Todos os rios e afluentes
Todas as linhas férreas e apeadeiros
Todas as cidades e vilas
Todos os reis e algumas batalhas
as plantas e animais
que não eram do meu país.

De Angola
pouco sabíamos
até ao 4 de Fevereiro, até ao 15 de Março
Veio a guerra e
....................a mentira
que alimenta
..................a Guerra,
Veio a guerra e a violência
veio a guerra e a liberdade. (…)

A partir de 1956 o ano lectivo passou a ser idêntico ao de Portugal, para favorecer a minoria que prosseguisse estudos em Portugal, de que resultou a aberração das aulas serem no tempo mais quente e as Férias Grandes na estação fria do “cacimbo”.



O Estudante nº 84 (1964 Novembro) --Visita à Fábrica da NOCAL, segundo Barradas Teixeira  - Durante a minha estada no Liceu participei em várias visitas de estudo: à Cimenteira SECIL e a outras unidades industriais, como uma de saboaria e à cervejeira CUCA (não me recordo se também a esta à NOCAL). As que mais apreciávamos eram as visitas às cervejeiras, atraídos pelos opíparos lanches e pela cerveja, embora a minha especialidade, segundo os meus colegas, fosse apanhar bebedeiras ... de laranjada.


luanda liceu salvador correia - 1964~65 - 6º ano turma B (alínea G) 1965.06.08
1ª fila - Abranches, Jacques Pena, Monteiro Torres (micro-torres)

2ª fila - Paula Coelho, Rogério Pampulha, Carlos Aguiar, Fátima Rocha, Isabel de Almeida, Artur Reis, Isaura, Carlos Lourenço, Teresa Melo, Victor Nogueira
luanda liceu salvador correia - 1965~66 - finalistas e professores 1966-06


Outro dos salvados dos meus cadernos de apontamentos. Este desenho deve ser do Pepito, pela similitude com um dos da última capa do programa da festa dos finalistas 64/65 emhttps://www.facebook.com/photo.php?fbid=10204507196505307&set=a.10203875700958313.1073741832.1394553665&type=3&theater

A folha tem uma anotação minha:"65". Não me lembro a que acontecimento se refere. nem quem é o "Tibério" que "assina" 




luanda liceu salvador correia - FOTO Nº 1 - 1965~66 - finalistas 1966-06 7º ano turma A

1ª fila - Manuela Vieira (1) Maria de Lurdes (2) António Vasconcelos (3) Celestina (4) Ivone Magro (?) (5) Isabel Seiça (6) Alcina (7 Maria João (8) Fátima Coelho (9) Álvaro Cardoso (10) Maria José Fonseca (11) 
2ª fila - Aurora (1) Manuela Ezequiel (2) Manuela Vieira (3) Maria da Graça (4) Luísa Seia (5) 





luanda liceu salvador correia - FOTO Nº 3 - 1965~66 - finalistas 1966-06
na foto - Bastos (1) Assunção (2) Jorge Cadete (3) Afonso Leitão (4),Afonso Monteiro Torres (macro-torres), (5) Antº Luís Ramos (6) José Brandão (7) Carlos Barradas (8) Victor Nogueira (9) Brites (10) Abranches de Figeiredo (11) Edmundo (12) João Martins Paulo (13) 




Almoço de confratenização num dos rearurantes dos arredores - A malta do Liceu Salvador Correia, em Luanda - à esquerda - Monteiro Torres (1), Jorge Cadete (2), sr Sampaio (3),António Gonçalves (Toneca) (4) , Carlos Spínola (5), João Martins (6), Agante (10)

à direita - Victor Nogueira (1) Carlos Aguiar (6) 





Luanda - Liceu Salvador Correia - 1965.04.12 - visita à CUCA
Debaixo para cima e da esquerda para a direita
1ª fila - Abranches de Figueiredo (1), Carlos Arnaut (2), Jorge Cadete (3), Dias (4), Carlos Lourenço (5)
2ª fila . Dr. Correia de Barros (1), Correia da Silva (2), Agante (3)
3ª fila - Assunção (1), Edmundo (2), Amorim (3), Carlos Aguiar (4), Guerra (5) e Victor Nogueira (6)
4ª fila - João Martins (1), Pedro Brito,(3) sr. Sampaio (contínuo) (4)


Um jornal diário de Luanda cujo nome não registei costumava publicar as fotos dos melhores alunos do Salvador Correia, com uma breve biografia. Não fui colunável, embora tivesse terminado Letras com 13 valores e reprovado a Ciências. Entre a papelada encontrei estes recortes de colegas meus, todos eles naturais de Luanda, excepto o Oliveira Gama. Todos eles, haviam terminado o 5º ano. De cima para baixo e da esquerda para a direita, são eles: Herculano Araújo da Silva (tal como Jorge Zamith, meu colega desde a escola primária e meu "padrinho no "crisma" da 1ª comunhão) , Marcolino António Pinto de Meireles, Nelson Rangel Pereira Duarte, Rui Filipe Matos de Martins Ramos (também na foto pequena), Fernando Carneiro de Oliveira Gama, e António Maria Amaro Monteiro


Tirando a foto da tonsura (http://www.escreveretriste.com/2015/03/este-e-o-meu-liceu-salvador-correia-o-mutu/ ), todas as restantes são do meu arquivo pessoal



 * Victor Nogueira



RAÍZES

............."Maianga Maianga
.............Bairro antigo e popular
.............Da velha Luanda
.............Com palmeiras ao luar ..."

.............''A Praia do Bispo
.............Cheiinha de graça
.............De manha á noite
.............Sorri a quem passa ..."

............(das Marchas Populares em Luanda)


Longo era o bairro ao longo da marginal
Longo era o bairro do morro de S. Miguel ao morro da Samba
Grande era o bairro e grandes as casas
No meio o bairro operário e a igreja de S. Joaquim,
estreitas as ruas, pequenas as casas.

Nas traseiras, o morro, as barrocas,
no alto o Palácio,
Na frente a larga avenida,
o paredão, as palmeiras e os coqueiros
a praia que já não era do Bispo
mas das pedras, dos limos e dos detritos.

Mais além a ilha que era península
com a sanzala dos pescadores
casas de colmo no areal
da extensa e boa praia
o mar sem fim.

Em Luanda nasci
Em Luanda vivi
Em Luanda estudei

Não Angola mas Portugal
Todos os rios e afluentes
Todas as linhas férreas e apeadeiros
Todas as cidades e vilas
Todos os reis e algumas batalhas
as plantas e animais
que não eram do meu país.

De Angola
pouco sabíamos
até ao 4 de Fevereiro, até ao 15 de Março
Veio a guerra e
....................a mentira
que alimenta
..................a Guerra,
Veio a guerra e a violência
veio a guerra e a liberdade.

Em Évora a 11 de Novembro
Em Luanda a bandeira do meu país
no mastro subiu.
Era o tempo da liberdade e da esperança.

No Porto
Em Lisboa
Em Évora estudei
Em Évora casei
Em Évora vivi e nasceram o Rui e a Susana.

Em Setúbal moro e no Barreiro trabalho

Perdidos os amigos,
perdida a infância

Estrangeiro ......sem raízes ......sou em Portugal.

Victor Nogueira
1989