* Victor Nogueira
Diz o “prestável e amoroso” inFaceLock que há 4 anos escrevi e partilhei o texto de que estas linhas são antecedência. Eu já dele me não lembrava mas uma das minhas amigas "virtuais" recordou-mo.
Desde então, isto é, desde que o meu pensamento se plasmou numa carreirinha de letras sobre suporte branco, o sol e a lua ergueram-se e adormeceram no horizonte, umas vezes para cá, outras para lá, num eterno balancé como se fora o relógio de corda pessoano, num caleidoscópio de cores, sons, sabores, odores, fragrâncias e sentires, mais em dissonância do que em consonância.
Como um rio em contínuo movimento quando não represo, a vida flui mas, mesmo na represa, a brisa ou o vendaval podem agitar serena ou tempestuosamente as águas.
Com as Penélopes, as Princesas e restantes “inhas” recolhidas em suas conchas e afazeres, de Ítaca não surdem cartas, mas apenas solitários photoandares sem andores, sendo que para “ores” o dicionário de rimas fornece muitos termos, para escolha das freguesias. Mas o Kant_O, esse não é de Ulisses mas apenas photomatico ( https://kantophotomatico.blogspot.pt/)
Olhando para o horizonte para lá do cimo da torre no alto duma encosta onde me encontro, para lá do finito infinito ou do infinito finito que a minha vista alcança, não moram Caeiro nem o “pastor amoroso”.
Mas mesmo assim ou apesar disso, fiquem com a inspiração / suspiração de Alberto Caeiro em ….
“O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.”
10-7-1930
“O Pastor Amoroso”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).
Ja agora, clicar mais abaixo em "Quem tu és, não sei !"
* Victor Nogueira
Quem tu és, não sei ! E saberás tu quem tu és ? Compassado, mais ou menos
célere, uma série de batidas suaves entremeadas pelo baque seco da tecla de
espaços. Um aperto no coração, mas ao escrevê-lo, minto, pois o coração é
insensível embora nele se acolham ilusoriamente todas as emoções. Ou a ausência
delas. É pois o coração insensível e imune à nossa vontade, anos e anos de mais
ou menos regulares diástoles e sístoles, até que de vez a serenidadade do nada
regresse: um traço contínuo no monitor.
Em si o coração não arde nem fica gélido; limita-se à combustão lenta das
células, ao afluxo ou refluxo que empalidece ou cobre de vermelhão o rosto ou
as mãos. As mãos com que escrevo, que alguém um dia apaixonadamente descreveu
como se fossem as dum maestro da escrita. Está pois um fim de tarde
soalheiro, o corpo coberto de pequenas gotas de suor, o ventilador e a janela
fechadas. Estou pois sentado aqui na sala e tu defronte de mim, na outra
cadeira, a brisa agitando a folhagem e os espanta-espíritos e todo eu sou uma
uma flor que se abre com o teu sorriso, no calor do teu olhar, na leveza e
melodia dos teus dedos, no trinado da tua voz. Poderia estar sentado não
defronte mas sim ao teu lado, a minha mão na tua, a tua na minha, mas não sei
se o aceitarias.
Alguns nomes ficaram, outros não criaram raízes no tronco carcomido que
enfraquece as muralhas que nos cercam, num desagregar do canavial que somos.
Que alguns de nós somos. Perguntas-me se desisti do fogo ? Como tudo na vida, o
fogo, o vento, o mar, o sol, tanto podem ser fonte de vida como negação dela.
Olho para ti e sigo com os lábios e os dedos o contorno de ti, em busca de nós,
que tanto podemos ser nós como laços entre nós. Sempre esta ambiguidade das
palavras neste jogo em que ora as estendo perante ti, como tapeçaria aveludada,
ora as recolho e baralho de novo todo o jogo, com nova tessitura. Como tu, hora
a hora, por vezes me parece fazes comigo
Escreveste palavras de amor, de enleio, umas seguramente para mim, outras
porque assim pensei tivessem sido, e deixei-me cativar e o mar e o
por-do-sol ganharam outra cor, outra vida, e tu foste a paleta rendilhada em
que me revi. Mas partiste e ficaram apenas no areal as pegadas da
raposinha, gaivota ou luciferaznha, um carreriro de formiguinhas. Partes
sempre, de Setúbal para Coimbra, de Coimbra para Veneza, de Veneza para outro
lugar qualquer. E eu fico aqui no cais, à beira da estrada, ouvindo as vozes
dos marinheiros e, com flama, nenhuma desassombradamente chama por
mim.
A macieza da tua pele, o brilho do teu olhar, o canto da tua voz, a música
dos teus dedos em mim são apenas recordações e as recordações são um campo de
flores esmaecidas. Ou foi apenas um desejo que mal manifestei. Nem tu nem eu
encontrámos as palavras, as palavras e os gestos que não sejam vereda
tortuosa ou maré de enganos.
Não, não desisti. Mas de enganos está a minha alma cada vez mais tecida. E
tu, tu uma vezes brincas ao esconde-esconde, outras recolhes-te. Ou talvez tu
não sejas quem eu penso ou gostaria que fosses. Ou veja em ti o reflexo do que
não existe.
... ... ...
As horas e os minutos amontoam-se e o relógio defronte de mim diz-me que são
20 as que este dia somou até este momento. Horas de parar, de anotar o dia e o
o local em que estes sinais foram lançados ao vento. Hora de, sem ti, preparar
o jantar e alimentar a máquina que somos. E sem ti passear à beira-rio.
Até quando quiseres. Sabes sempre onde me encontrar. Quem tu és,
não sei ! E tu, sabes ?
Setúbal 2013.08.11
no Mindelo - foto Susana Nogueira
em Setúbal, foto Rui Pedro
foto Victor Nogueira
pôr-do-sol em Setúbal - foto Victor Nogueira
pôr-do-sol em Cela (Coutos de Alcobaça) na herdade que foi do General Humberto Delgado - foto Victor Nogueira
pôr-do sol no Cabo Espichel - foto Victor Nogueira
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)