segunda-feira, 18 de maio de 2020

"UMA MÃO CHEIA DE NADA, OUTRA DE COISA NENHUMA"



* Victor Nogueira

1. - A solidão,  mais ou menos sentida, acompanha-nos durante toda a vida. Os outros e as coisas, a nossa acção, ajudam-nos, a muitos, a preencher esse vazio, a evitar que a solidão nos esterilize. Mas devemos encontrar um justo equilíbrio entre os outros, as coisas e nós. Para não sermos absorvidos pelas coisas ou pelos outros e, sobretudo, para que não tentemos absorver o outro, querendo transformá-lo à nossa imagem, qual espelho enganador. É um equilíbrio difícil de alcançar, reconheço o. Mas temos de estar atentos e vigilantes. (NSF - 1971.07.13)

2.- Ás vezes, agora cada vez mais frequentemente, estou consciente disto, das barreiras que cavo ao lançar pontes. Procuro os outros para me encontrar e perco-me no meu egocentrismo alocêntrico. A Associação [de estudantes, o partido, o sindicato] é um meio de esquecer a minha profunda solidão, encontrando-a. Sempre este desejo de sair de mim, de encontrar (-me em) os outros, de encontrar-me nas "coisas" que faço, que passam a ser como se "eu". (No gira-discos: guitarra clássica)

 (...) O ter estado a reler as tuas cartas foi causa de tentar estar contigo, neste fim de tarde eborense; contigo, figura furtiva debaixo dos arcos [arcadas] cheios de gente (antes de conhecer-te), miudinha de casaco azul e ar agarotado (travesso? expectante?) na estação dos comboios em Évora, num dia chuvoso  de inverno, voz alvoraçada, os óculos escuros, a serenidade, a alegria ou o encantamento nos degraus da Igreja ou ao longo dos caminhos, as mãos e os lábios que se procuram, a espontaneidade. Alegria!

De ti quero recordar tudo isto. O florir do desencontro, apesar da dor na alma, da angústia pela minha inautenticidade. Recebe-a, amiga, a cento e tal quilómetros de distância, separados por mil e uma barreiras criadas por nós.

(...) Todo este cansaço, todo este desalento, pelo clarão súbito da última página [de "Domingo à Tarde", de Fernando Namora], pela consciência de que todas as nossas relações são um jogo cujas regras (subconscientemente) sabemos (mas não queremos admitir), que toda a vida é uma enorme representação teatral, um palco mundano. (Lembras-te, Shakespeare? Lembras-te, Stau Monteiro da "Angústia para o Jantar"?)(1971.12.01/03) 

3. - A vida, é só uma e o "ser estudante" um momento dela. Que futuro será o meu, não sei. Não quero é que ele seja de estagnação. Há sempre - tem, de haver - um modo de conseguir que o momento que passa seja de conhecimento, um conhecimento que só é possível pelos outros e com os outros. A certeza é a nossa morte, tudo o resto é uma tentativa para superá-la ou para sobreviver-lhe. (MCG - 1974.03.13)

Foto Victor Nogueira - setúbal vista do forte de s. filipe


  • Maria João De Sousa Disse-o, há uns seis anos, e mantenho que a solidão é um dos meus mais caros bens. A mais cruel, a mais brutal e irremediável de todas as solidões é a "solidão acompanhada"...
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  • Nascimento Maria Eu concordo com tudo isso .quanto á solidão ´Nós pessoas só estamos na solidão quando queremos !!! tem que se lutar contra a solidão E eu digo com provas que á muita gente a precisar de companhia Eu própria estou a fazer companhia a quem me faz companhia a mim .Nos lares de idosos .Nos hospitais .nas Creches .!!! á idosos á crianças a precisar de um pouco de carinho .E nós ao darmos carinho também recebemos e muito mais do que imaginam .Por isso quem se sentir só façam veluntariado que será muito recompensado e ñão se sentirá só ..5 ano(s)
      • Madalena Mendes Texto belíssimo!
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      • Margarida Piloto Garcia Amei ler este texto tão pleno de nostalgia.
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      • Fatima Mourão lindooooo! (Y)
      • Alice Coelho :* :*
      • Judite Faquinha Adorei este texto, que me identifico com ele e penso da mesma maneira, temos uma mão cheia de nada!!! Que mais podemos fazer, viver para os outros para nos encontrar-nos... e não encontrar apenas um vazio há nossa volta!!! Assim passará!!! E esquecer-nos de nós próprios. Amei camarada Victor, beijokinhas <3 span="">


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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)