domingo, 2 de agosto de 2020

dois poemas de Mário Castrim

* Victor Nogueira
A crítica de televisão escrita por Mário Castrim (1929 / 2002)  no Diário de Lisboa, dia-após-dia, ano-após-ano era uma janela aberta por onde passava a brisa do mar ou da montanha, uma lúcida e por vezes corrosiva visão do país cinzento, agrilhoado, espartilhado, oprimido, estilhaçado pela censura e pela repressão. A sua crónica era a 1ª secção a ler por muitos de nós, como hoje se procura a tira do "Calvin e Hobbes" ou o "Bartoon".

Para além de jornalista, Mário Castrim foi escritor, de poesia e de livros para a infância. Dele ficam estes dois poemas:

No retrato velho hoje cinzento
estava toda a família reunida. – Este aqui és tu. Este tu era eu – três anos, caracóis, calções colete, botas. Este sou eu. É preciso guardar as provas. Os documentos. Se um dia me fecharem as cancelas e não me deixarem passar, aponto logo: – Este sou eu. – Passe – dirá o guarda que deve haver na eternidade – e boa viagem, sim? – Claro – dirá o menino que entretanto busca em mim as sete diferenças como costuma fazer no desenho do suplemento do jornal ~~~~~~~~~~~~~~~~ Deste ponto do hotel vê-se qualquer coisa que logo desde o início se entendeu não poder ser outra coisa além do Cabo da Roca. Daqui donde estou se vê que o Cabo é perfeitamenhte ocidental o mais ocidental possível. Mais do que ele, só os nossos olhos. Eles, para quem a terra não acaba nunca. Eles, que tocam o ponto exacto onde um sol de fogo prova que ela é redonda. Mário A única diferença é o farol. Mas se fores tu de noite a olhar o mar, os barcos podem ir à confiança.

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)