* Victor Nogueira
Fica este coreto no Jardim Municipal de Paço de Arcos, no que seria o Passeio Público do tempo em que a burguesia vinha a banhos. É bordejado pelo Rio Tejo, por alguns chalets desse tempo e nele se situavam o Casino (hoje sede do Clube Desportivo) e pelo edifício (reconstruído) que outrora foi o Cinema Chaplin. Por detrás desta "fachada", as casas eram tugúrios, muito mais exíguas e miseráveis.
Coreto (pormenor dum postal VN)
Para lá dum parque infantil, outrora frequentados pelos meus filhos, possui um pavilhão restaurante e um Campo Desportivo. Neste Jardim se encontra um monumento homenageando o patrão Joaquim Lopes (1798-1890), célebre por durante a sua vida ter salvo da morte inúmeros náufragos.
Aqui ficam registos ao longo do correr dos dias e das noites, in illo tempore
1963
Os dias têm estado óptimos, quentes e cheios de sol. Paço de Arcos é um sítio deveras sossegado. Domingo fui à missa das 11, na capelinha do Paço dos Condes de Alcáçovas [donde vem o nome da vila, pois tem três arcos no piso térreo, virado para o Rio Tejo]. Além desta há uma Igreja, que será substituída por uma outra. Em seguida fomos dar um passeio até ao jardim, onde ficam campos de jogos, parque infantil, bar, cinema e clube [Clube Desportivo e Recreativo de PA, num edifício que foi o antigo casino. (1963.11.17/19 - Diário IV)Avenida Marquês de Pombal (foto jj cf)
1972
Hoje não vamos a Lisboa. Passearemos apenas aqui em Paço de Arcos. Sairemos aqui de casa, apreciarás a casa onde moram as minhas tias [na Av. Conde S. Januário], que tem um jardim pouco cuidado, que pertence à senhoria [a D. Manuela de Ataíde], que mora no r/c - nós moramos no 1º andar. Atravessamos a linha férrea, iremos até ao Paço dos Condes de Qualquer Coisa.
Tomaremos a rua Costa Pinto, com prédios que devem ser do tempo do Marquês de Pombal e, junto à tabacaria [Dany], viraremos para o jardim, onde agora está a "feira" [Festa do Senhor Jesus dos Navegantes. Veremos os cartazes do cinema [Chaplin] e as pessoas que passeiam. Senta-mo-nos no jardim, trocando ideias sobre as notícias do jornal. De vez em quando uma beijoca (quando o polícia não olhar!). Esperemos que nenhuma das velhotas se escandalize. Queres ir tomar ali alguma coisa ao bar?
Retomaremos o passeio pela marginal, ultrapassaremos a doca e iremos até à praia tomar banhos de sol. De mar não, por causa da poluição. E como o tempo falta - a tiragem do correio é às 17 horas - regressaremos passando pelo Mercado e rumo aos CTT, apreciando os prédios do J. Pimenta, junto à Igreja nova [e de estilo moderno], onde nunca entrei. (MCG - 1972.08.02)
Antigo Casino e coreto (fotos em 2016.06)
(foto jj castro ferreira - 1960)
O dia está desagradável no jardim: ventoso e fresco. Ontem o tempo estava estival, dizem as minhas notas. Os carros passam velozmente ali na Marginal e o Tejo é azul. As crianças correm e brincam pelas áleas e vêm-se muitos triciclos e bicicletazinhas. A esplanada está cheia de gente que conversa. Além à esquerda vejo o barracão feio do cinema da vila [o Chaplin]: apenas três sessões semanais no verão - terças, sábados e domingos. (MCG - 1972.08.10)
Encontro-me no jardim, rodeado de pessoas, digo, de crianças brincando e do trânsito automóvel. O chão está coberto de folhas secas e amarelecidas, que o vento transporta. Esse vento fresco que me fará ir embora mais cedo porque se torna desagradável. Ultimam-se os preparativos para a Festa do Senhor Jesus dos Navegantes, que se realizará nos últimos dias deste mês de Agosto, pelos vistos mês das feiras e festarolas. (MCG - 1972.08.23)
Desta vez as minhas deambulações trouxeram-me até ao Jardim de Paço de Arcos. Aqui estou, pois, junto à Estrada Marginal, onde passam, velozes, carros e mais carros. O Tejo está defronte a mim e o Tejo seria uma baía como a de Luanda ou do Rio [de Janeiro] se eu não soubesse. Ao alcance da vista o mar e o Farol do Bugio. Para montante Lisboa, a Ponte e o Cristo-Rei. Além é Belém, di-lo o monumento que daqui se vê. Os bancos do jardim estão desertos: corre uma aragem fresca e algo desagradável. O jardim tem flores, mas as árvores estão ainda despidas. O céu nublado está belo, ao pôr do sol. As nuvens, negras nuns sítios, iluminam-se noutros. De resto vai se aproximando a hora de jantar - os dias agora estão mais compridos. (s/data - 1972/73?)
1974
Ontem o mar estava de tal modo encapelado que as ondas batiam violentamente no paredão, submergindo os carros que passavam na Marginal, entre os quais o nosso. Um espectáculo com piada. Anteontem choveu, relampejou e trovejou de tal modo que até parecia uma das tempestades em Luanda. (1974.01.06)
(fotos no Parque Infantil em 1982 Natal)
(foto jj castro ferreira)
1997
O Patrão Lopes - salva vidas (émulo do Cego de Maio, da Póvoa de Varzim) é um dos "heróis" ou personalidades de Paço de Arcos, onde o Clube Desportivo ocupa o edifício do antigo casino, com varanda envidraçada, perto dos Fornos da Cal, recuperados. No jardim arborizado com um café-restaurante esplanada existem algumas casas apalaçadas coexistindo com prédios de vários pisos ou casas térreas humildes e as instalações sanitárias públicas são art Déco. Na rua Costa Pinto, autarca doutros tempos, existe um "Palacete", com fachada de azuis, que foi pensão e albergou o Quartel dos Bombeiros Voluntários. Os portões ainda lá estão, enferrujados, com azulejo com emblema dos Bombeiros Voluntários. O núcleo histórico conserva-se, mas já nada existe do tempo em que Paço d'Arcos era terra de veraneio e banhos de mar, melhor se diria, banhos de rio. Hoje a praia está poluída e os bancos [casas bancárias] vão substituindo os restaurantes. (Notas de Viagens 1997)
No Jardim de Paço de Arcos, em 2016
Antigo chalet, vislumbrando-se à direita o antigo casino
Antigo Cinema Chaplin, onde vi muitos filmes em reprise
Antigo chalet
Parque Infantil e coreto
Pormenor da foto anterior
Esplanada
Antigo chalet
Lisboa para montante
Os Forte e Farol do Bugio, para jusante
Salvo indicação em contrário, as fotos são de minha autoria
VER
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)