Foto Victor Nogueira - Em Coimbra - Seminário da Pro-UNEP - Carlos Fortuna e António Lobo da Silva (Tocas)
Foto Carlos Fortuna - Em Coimbra - Seminário da Pro-UNEP - António Lobo da Silva (Tocas) e Victor Nogueira
Em Lisboa
6ª feira passada fui ver uma exposição sobre o 57º aniversário da Revolução Russa. Para além dumas fotografias do Lenine e dos primeiros tempos da Revolução, as restantes representam múltiplos aspectos actuais da sociedade soviética. Intencionalmente ou não, por parte dos expositores, a ideia que ficou em mim foi "Afinal na Rússia é como aqui: as pessoas riem, brincam com os filhos, estão nas aulas ou nas fábricas, há carros nas ruas,... enfim." Mas a exposição é apenas fotográfica e, salvo um livrito de propaganda, não há mais elementos e estatísticas sobre a vida dos povos soviéticos e a sua evolução, bem como dos princípios que presidem à política económica e cultural soviética. (MCG - 1974.11.12)
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Pois ontem fomos almoçar à cantina da Associação de Estudantes de Economia e a páginas tantas uma voz forte silenciou o vozear das conversas e um MRPP começou a denúncia da "traição dos sociais fascistas" (PCP mais a pró UNEP) e da provocação que foi o arranque das placas que assinalavam o Largo Ribeiro dos Santos. (1) Ao fim de algum tempo a malta ligou à terra e continuou a conversar, mas o "MR" prosseguiu o seu arengar às massas e... pôs à votação uma moção de protesto e um comunicado (perante o desinteresse notório e ostensivo da maioria dos presentes na cantina). Entretanto MR's vendiam pelas mesas o "Luta Popular" e UNITÁRIOS (PCP) o "Avante". Quem vota contra? Quem se abstém? Quem vota a favor? (Sentado a um canto da cantina observo, mas não vejo qualquer braço levantar-se. De resto, a partir de certa altura, mal consigo perceber o que o MR lê ou comenta). Assim, muito surpreendido, ouço o tipo proclamar a aprovação com 4 abstenções e nenhum voto contra! Ah! Ah! Ah! Esta táctica é que eu não conhecia. Enfim... (Foi mais ou menos assim que se aprovou a Constituição de 1933) (MCG - 1974.10.11)
Em Coimbra
O fim de semana foi bastante ocupado em Coimbra, com o Encontro Nacional de Direcções Associativas, que totalizou cerca de 15 horas de reuniões. Agora é que me estou apercebendo que os congressistas não devem ter muito tempo para turismos, pouco ficando a conhecer do mundo que percorrem, do qual pouco mais devem ficar conhecendo que as salas de conferências e os quartos de hotel. Enfim... Mas, a meio de domingo, para espairecer, tirei uma escapadela da sala de reuniões para dar uma volta pela cidade universitária, constituída pelo antigo edifício, com a sua porta férrea e a torre sineira que outrora chamava os "meninos" para as aulas.
Para além deste edifício antigo, em cujo pátio se encontra uma estátua de D. João II (ou será o III?) e donde se avista o vale verdejante onde corre o Mondego. Existem também novos edifícios, maciços, lineares e sem graça, ao bom estilo arquitectónico fascista [como no Campo Grande, em Lisboa] Neste aspecto Lisboa é mais airosa e a sua cidade universitária (incompleta) situa-se no meio de campos relvados e arborizados. Da cantina para a Cidade Universitária, percurso que fizemos algumas vezes durante o fim de semana, o acesso faz-se por uma enorme escadaria, tão custosa de subir que ao chegar quase ao cimo pouco havia para me faltar o ar ou as pernas se recusarem a subir. Creio que foi por esta escadaria que a GNR fez subir os seus cavalos, em perseguição dos estudantes, durante a greve académica de 1969. Não o teriam conseguido porque os estudantes deitaram lá de cima água com sabão, que fez a cavalaria bater com os ossos no chão. Tudo isto na sequência da inauguração dos novos edifícios da Universidade, durante a qual o Presidente da Associação Académica pediu a palavra em nome dos estudantes, que lhe não foi concedida pelo "Pai" Tomás e que abriu a época a uma feroz repressão contra os estudantes (...)
São cerca de 18 horas e há 1 [uma] que terminou a sessão inaugural do Seminário Sobre a Democratização do Ensino. [1974] Estou aqui num café (O Mandarim), meu velho conhecido, com a malta de Évora. Está frio e ameaçando chuva. Ficámos num lar de estudantes, ao cimo duma ladeira imensa. Perante a enormidade do tempo à minha frente - só logo às 22 horas há uma sessão de cinema sobre a campanha de alfabetização. Sinto-me aborrecido. Tenho que arranjar com que ocupar o tempo. Amanhã quero ver se vou à matinée ver um filme "A Estratégia da Aranha" [de Bertolucci]. (MCG - 1974.11.13)
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Aqui na esplanada do café Moçambique está frio e húmido e os meus sapatos parecem autênticos chafarizes. Lá dentro o ruído e o fumo não são convidativos. De resto este café, como um outro aqui ao lado, têm um cheiro esquisito, que não sei bem definir, talvez resultante do aglomerar de corpos. São 20:50 e daqui a pouco tenho de ir ao outro lado da praça apanhar o autocarro. (MCG - 1974.11.15)
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Por cá chove e as ruas chegam a ser autênticos rios, que os carros chapinham encharcando os transeuntes descuidados. Aqui para os lados onde paro mais - Universidade, Cantina e Teatro Gil Vicente - predomina a malta nova e não se vêm táxis. Pouco tenho visto da cidade, que me parece desgraciosa; sem harmonia estética, ao contrário do que sucede em Lisboa ou mesmo Évora. Parece-me uma cidade incaracterística na traça dos seus edifícios e no delineado das suas ruas. Amanhã é o último dia do "Seminário Sobre a Democratização do Ensino", que hoje teve a presença do Ministro do Trabalho. Amanhã haverá um convívio. Sinto-me cansado: saio de manhã e só volto à noite. (MCG - 1974.11.16)
(...) Cá vou de regresso a Lisboa, num comboio cheio mas onde consegui arranjar um lugar sentado. Os meus companheiros de cabine dormem e um deles ressona beatificamente. Este postal é - creio - uma fotografia retirada dum dos dois filmes que há dias vi sobre as campanhas de alfabetização, as tais em que eu gostaria de ter participado em Agosto último se... Esta cena do filme era comovente: uma mulher que até aí não sabia comunicar por escrito, conseguir fazê-lo. A procura das sílabas, o gesto hesitante, o voltar atrás para corrigir ou desenhar melhor a letra!!! Deve ser bestial um tipo descobrir que sabe ler! (MCG - 1974.11.17)
Évora
No Instituto o Director [António da Silva, s.j.] anda nervoso e carrancudo. Comunica à Comissão Administrativa da Associação dos Estudantes que não autoriza a Reunião Geral de Alunos convocada para essa tarde, pretende que a [referida] Comissão nomeie outra Comissão, que deverá submeter à sanção da Direcção do Instituto. A Comissão discorda, o Director desdiz-se mas exige que lhe sejam comunicados os nomes, reservando-se o direito de vetá-los. A reunião realiza se, comparecendo 30 estudantes.
É aceite por maioria absoluta uma moção minha: "Escolher uma Comissão que terá como finalidade detectar junto dos estudantes dos problemas que os afectam enquanto estudantes., o modo de resolvê-los bem como à sua atitude face à Associação dos Estudantes. (...) (MCG - 1974.04.26)
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Fui hoje ao ISESE: aquela malta anda pelos cantos, perguntando uns aos outros (e alguns a mim): "Então, que vamos fazer?" (MCG - 1974.09.02)
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Passo pelas ruas de Évora, debaixo dos arcos [arcadas]. As pessoas cruzam se comigo e do café vêm o vozear e algumas gargalhadas, que extravasam para as ruas, agora cheias de papéis rasgados e com as paredes pintalgadas de cartazes. Évora, a cidade limpinha onde não se viam outrora cartazes, salvo os da ANP [2) em tempos de farsa eleitoral
No ISESE o piquete (3) saúda-me calorosamente à minha entrada e, após algumas piadolas - por causa da pró-UNEP (4) - retomam o jogo das cartas. As casas de banho cheiram a ácido úrico. Puseram sofás num corredor do r/c e aí dormem os do piquete. Que os jesuítas consideram ilegal e abusivo. Pela paredes e bancos, o "Revolução", do PRP-BR, o "Luta Popular", do MRPP e comunicados e cartazes do MES e da Associação Portugal China. O ISESE é um reduto anti PC. Para muitos, creio que parece bem e está na moda! (4) (MCG - 1974.11.25/26)
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Assinatura da acta de desocupação, subscrita pelos representantes da Associação dos Estudantes, da Fundação Eugénio de Almeida e da Direcção do ISESE
O ISESE foi desocupado às 14:30, por decisão do Plenário de Estudantes. [Os jesuítas] vistoriaram o edifício, que foi achado em bom estado de conservação, apesar de não sei quantas lâmpadas fundidas, dum interruptor partido dum quebra luz partido - 15 contos (resultado duma bola mais alta) e duma poltrona combalida. (...) Nas instalações da Associação dos Estudantes foi assinada a acta de desocupação, depois de mais discussão sobre os termos [da mesma] (1974.12.26)
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Chove, nesta tarde de inverno. Rápido, o matraquear da máquina deixa atrás de si um rasto de letras. O céu está cinzento, a soleira da porta alagada. Ouvem-se as bátegas da chuva no lajedo da calçada, enquanto o Olímpio e outro camarada assobiam, por entre o tac-tac ensurdecedor que atroa a sala da Associação dos Estudantes. (...) Entretanto o ambiente aquece aqui na sala com o "revolucionarismo" do Carrageta, que quer destruir - verbalmente - o poder burguês! Rajadas de palavras cruzam o ar, por causa do colectivismo e da anarquia! (...) Bem, vou tomar ar para outra freguesia: ler o jornal, lanchar e espairecer.
O Carrageta continua ao ataque, contra a escola burguesa, contra os professores, pela escola anarquista, com intervenções verdadeiramente revolucionárias, que não devam nada à burguesia e à sociedade de consumo. "Destruamos a civilização, contra os autoritários que não querem destruir as instituições mas reformá-las. A prática quotidiana dirá o que surgirá dos escombros das instituições burguesas destruídas pelos anti-autoritários." Terminada a "Revolução Carragetiana", há um intervalo para um bagacinho. Mas o bar está fechado e o Carrageta sobe ao balcão e num brilhante improviso convoca os presentes para se juntarem à classe operária pela destruição do capitalismo com a Manuela a fornecer as balas para a G 3, porque "a Revolução não está no verbalismo pequeno-burguês mas na ponta duma espingarda". O ambiente aquece à medida que se aproxima a hora da revolução, perdão,... da avaliação. (MCG - 1975.02.08).
ISESE - Proclamação aprovada em RGA (Reunião Geral de Alunos) de 3 de Maio de 1974
Os estudantes do Instituto Superior Económico e Social de Évora reunidos em 3 de Maio de 1974, saúdam todos quantos, sobretudo na clandestinidade e com risco da sua segurança e bem-estar, têm lutado contra todas as formas de repressão e violação dos Direitos Humanos em sociedade, nomeadamente a partir da instauração da ditadura fascista em Portugal.
Incluem nesta saudação o Movimento das Forças Armadas
Na sequência lógica das Declarações Universais dos Direitos Humanos e da Doutrina Social da Igreja;
Considerando os poderes discricionários da Direcção do ISESE, exclusivamente formada por membros da Companhia Portuguesa de Jesus e dela directa e exclusivamente dependentes,
REIVINDICAM
- o direito de participação na gestão do ISESE.
DECLARAM que o direito de participação na gestão do ISESE implica:
- o reconhecimento imediato dum Conselho de Estudantes (cuja constituição será objecto duma próxima RGA)
- a liberdade de expressão do pensamento e na procura da verdade, o que implica a abolição do ensino dogmático e magistral;
- o reconhecimento imediato do direito de participação na constituição dos júris de exame;
- a liberdade de comparência às aulas, o que implica a abolição imediata do regime de faltas;
- a liberdade de reunião nas instalações do ISESE.
RECONHECEM aos empregados o direito de participação e decisão na resolução dos próprios assuntos.
SAÚDAM todos os professores do ISESE que de forma inequívoca e expressa adiram ao conteúdo da presente Proclamação.
PROCLAMAM que prosseguirão na sua luta contra todos quantos, de qualquer modo, se oponham às declarações e reivindicações da presente Proclamação
Évora, 3 de Maio de 1974
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NOTAS
(1) - Houve na altura uma grande controvérsia pois a Câmara de Lisboa de então não concordava com o baptismo do Largo, ali para Santos e perto de Económicas, como se dará notícia mais adiante. (1998.Maio)
(2) - Acção Nacional Popular, partido único legal, que sucedeu à UN - União Nacional, após a substituição de Oliveira Salazar por Marcelo Caetano na Presidência do Conselho de Ministros anterior ao 25 de Abril.
(3) - O ISESE (Instituto Superior Económico e Social de Évora) fora ocupado pelos estudantes, na sequência de desacordos com a direcção da Companhia Portuguesa de Jesus, vulgo Jesuítas, detentora do alvará.
(3) - pró União Nacional dos Estudantes Portugueses, organismo criado após o 25 de Abril, conotada com o Partido Comunista Português.
(4) - MES - Movimento de Esquerda Socialista, MRPP - Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, PC - Partido Comunista Português, PRP-BR - Partido Revolucionário do Proletariado - Brigadas Revolucionárias.
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Direcções da Associação dos Estudantes do ISESE
1969/70
José Inácio Leão Varela (Pesidente)
Victor Manuel Barroso Nogueira da Silva (Vice-Presidente)
José António Primo Carrapiço (Tesoureiro)
Maria Elsa Pinto Bastos Pereira Capinha (Secretário)
António Viegas Ferreira de Carvalho (Vogal)
1970/71
António Viegas Ferreira de Carvalho (Presidente)
Maria Isabel Bello de Serpa Pimentel (Vice-Presidente)
Francisco Manuel Lopes Figueira (Tesoureiro)
Victor Manuel Barroso Nogueira da Silva (Secretário)
António Custódio Biscaia (Vogal)
Em 1971/72 nenhuma lista se apresentou a eleições para os Corpos Gerentes da AE, pelo que a partir deste ano lectivo e até 26 de Abril de 1974 e por falta de candidaturas a Associação de Estudantes foi gerida por Comissões Administrativas nomeadas pela Direcção do ISESE.
Em 1973/74 a malta dos três primeiros anos resolveu retomar a associação através de eleições e pressionavam-me para que encabeçasse a lista.
Realizávamos então reuniões clandestinas numa sala das traseiras do Café Parque, junto à Praça de Touros, para preparar o processo eleitoral e programa da lista. Dos "conspiradores" lembro-me que também faziam parte o Tó Veladas, o Carrageta, o Manuel Gonçalves, o João Garcia e creio que a Maria Antónia, entre outros. Entretanto aconteceu o 25 de Abril e em Plenário Geral de Estudantes realizado a 26 de Abril de 1974 estes elegeram uma I Comissão Coordenadora das Actividades da AEISESE, constituída por representantes de cada um dos anos, malogrando a tentativa da Direcção do ISESE impor uma nova Comissão Administrativa.
Esta I Comissão Coordenadora era constituída por:
Victor Manuel Barroso Nogueira da Silva (5º ano) - Coordenação e Contactos com o Movimento Associativo Estudantil e outras entidades, incluindo os partidos e forças políticas
João Luís Garcia (3º ano)
Luís José Pereira Carmelo (2º ano)
Manuel Cunha Rego (4º ano), posteriormente substituído por Diamantino Pardal Ribeiro
José Maria Simões Ribeiro (1º ano) - Tesouraria
Faria Monteiro (1º ano) - Tesouraria
Esta Comissão Coordenadora esteve em funções até 23 Maio de 1974, data em que a RGA (Reunião Geral de Alunos) ratificou o pedido de demissão de Vitor Nogueira, João Garcia e Luís Carmelo, sendo eleita nova Comissão Coordenadora
Comissão de Redacção que assessorava a I Com Coord.
Carlos Fortuna (3º ano) - coordenação
Manuel Gonçalves (2º ano)
José Soares (3º ano)
Penha (2º ano)
Quintas (1 ano)
Carlos Cadavez (1º ano)
Eugénio (2º ano)
II Comissão Coordenadora (Provisória)
Ana Paula Cruz
Diamantino Pardal Ribeiro
Fernando Cruz
Jorge Figueira
Luís Penha (2º ano)
Manuel Gonçalves (2º ano)
Osvaldo Régua
Victor Manuel Barroso Nogueira da Silva (5º ano) - Cordenação e Contactos com o Movimento Associativo Estudantil e outras entidades, incluindo os partidos e forças políticas
III Comissão Coordenadora
Capitão Alves
Miguel Bacelar
António Valadas (?)
Joaquim Grave Ramalho (?)
Victor Manuel Barroso Nogueira da Silva (5º ano) não aceitou fazer parte da III CC mas continuou delegado da AEISESE às RIA's (Reuniões Inter-Associações de Estudantes), pró-UNEP (União Nacional dos Estudantes Portugueses) e co-responsável pelos contactos com outras entidades e ligação aos Partidos Políticos.
A Associação dos Estudantes do ISESE cessou a sua existência em Dezembro de 1974, por força da suspensão das actividades do ISESE então decidida pelos detentores do alvará de funcionamento deste, a Província Portuguesa da Companhia de Jesus, com integração dos estudantes na então criada Escola Superior de Estudos Económicos e Sociais Bento Jesus Caraça.
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)