segunda-feira, 2 de novembro de 2020

os textos em 2 de novembro

 * Victor Nogueira


Mindelo - Natal 1973 - Foto MNS (+) - Celeste (+), Victor, Maria Emília (+), tio Zé Barroso (+), avô Zé Luís (+), avô Barroso (+), Tia Maria Luísa (+), tia-avó Esperança (+)

(+) - já faleceram

A morte nunca fez parte da minha vida e na família, tirando o meu avô materno ("sempre de preto, viúvo"), nunca pusemos luto e não fazemos o culto dos mortos. Os que morrem permanecem vivos  enquanto estiverem na memória dos sobreviventes que em vida com eles conviveram, com as boas e as más recordações.O que valorizo e prezo são as boas memórias.

Não sei porquê mas a morte mais antiga que tenho em memória é a do Marechal Carmona, falecido a  18 de Abril de 1951. Lembro-me apenas da foto do seu caixão num jornal de Luanda. Antes disso havia falecido a minha avó materna, Francisca, no Porto, entre 1946 e 1948, que não chegou a conhecer o neto. Alzira era a minha avó paterna, de quem eu gostava muito  e que andou comigo ao colo em Luanda e no Porto, faleceu nesta cidade em 1956. 

Depois, lembro-me apenas da morte da Aldinha, amiga de infância, creio que de leucemia, dum colega do Liceu   num desastre aéreo no Sul de Angola ,e do meu vizinho  e companheiro de brincadeiras na Praia do Bispo,  o Dinho (Eduardo), logo no início da Guerra Colonial, falecido em combate. Sem esquecer o Dr. Carlos Coimbra. Em  1968 falecera em Luanda o Cunha, alfarrabista, de que falo em http://mundophonographo.blogspot.pt/2007/10/retratos-2-o-cunha-alfarrabista-em.html 

1971 é o ano da morte da Isabel, num acidente de salto em para-quedas e de que falo em "Retratos (4) - A Belocas" (http://mundophonographo.blogspot.pt/2007/10/retratos-4-belocas.html)

Depois acontecem mortes que me marcaram tanto como a da Isabel: a do meu avô materno em 1976, a do meu avô paterno e, em 1987, aquela  a partir da qual a morte passou a ser na minha consciência algo inelutável, mais o menos imprevisto, que deve ser encarado com um misto de estoicismo e naturalidade: a do meu irmão Zé Luís. Dele falo em "Ecce Homo" (http://aoescorrerdapena.blogspot.pt/2012/01/victor-nogueira-ecce-homo.html). O meu irmão suicidou-se na semana seguinte à morte de José Afonso e foi para mim contrastante o acompanhamento do funeral deste e o do meu irmão.

Entretanto foram falecendo outros familiares: a minha tia-avó Esperança, os meus tios José e José João, a Celeste, a Fátima Gomes, tia da Fátima, nas Caldas da Rainha, a Mariazinha  .. e alguns bons amigos como o Miguel Bacelar, o Aníbal Queiroga, o dr. Armindo Gonçalves, a Fátima Oliveira, os camaradas Gilberto de Oliveira, Luís Sá, Carlos Arede, Costa Feijão, Eduarda Silva e Manuel Salazar, o Pe Augusto da Silva, sj …Dalgumas destas mortes falo em "Elegia pela minha família dispersa", em http://aoescorrerdapena.blogspot.pt/2007/11/elegia-pela-minha-famlia-dispersa.html, sem esquecer a mais recente, a da Paula por mim referida em Maria Lua e a "A Condição Humana" (http://aoescorrerdapena.blogspot.pt/2016/05/maria-lua-e-a-condicao-humana.html )

Quando me reformei, passado umas semanas voltei ao serviço e foi uma festa o acolhimento que me fizeram com beijos e abraços, o que me levou a comentar com a minha habitual ironia que se falecesse na semana seguinte teria um grande cortejo mas que se fosse daí a um ano diriam: “Olha, o gajo (ou o dr.) morreu e não soubemos; ainda bem, assim n ão tivemos de ir ao enterro”. Pois foi a constatação despojada que tive quando há uns anos faleceram os meus pais, com a comparência de um ou dois amigos e de apenas parte da família, a do Sul.

Que fica para além da memória ? Ficam as perguntas que não foram feitas, as histórias que não foram contadas, as palavras e os gestos que se retraíram e, por vezes, a sensação de que alguns deles estão aqui ao nosso lado.


Ondas do mar que levais

As novas do meu amigo
Neste insossego vogando !

Ondas do mar espelhando
O canto do meu amado
Neste insossego vogando !

Se ouviste meu amigo
Por quanto estou ansiando
Neste insossego vogando !

Se achaste meu amigo
Por que hey gran cuydado
Neste insossego vogando !

Setúbal 2013.11.02´

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Há quem faça do silêncio areal
e da palavra punhal
esfolado lamaçal

Há o silêncio de platina
que não rima com mofina
nem morfina

Há a palavra d'ouro
que termina em estouro
no degoladouro

Há o silêncio que rima
com estima
e a palavra que lavra
e não é parva

Há o caleidoscópio
ópio do cinescópio
e o espelho
armado ao pingarelho

Há a festança com abastança
e o respeito levado a peito

Há a verdade certeza
concerteza presa
do andor que preza
em torno da chama
que queima com a teima

Há as palavras sem sentido
breves no ouvido
que ferve sem a verve

Setúbal 2013.11.02


Excelente dia o de hoje só para quem gostar desta chuva que cai incessantemente desde a madrugada, com o ruído de trovões lá longe, a chuva parecendo neblina, a manhã ensombrada ... Não chuva molha tolos mas chuva de verdade, pois só esta se ouve tamborilar na placa de cobertura e escorrer pelas goteiras. Não é de nortada pois os vidros das janelas estão secos, protegidos pela platibanda. Nas outras situações, só me apercebo que chove(u) quando chego lá abaixo e encontro o piso molhado ou ela a cair.

Não apetece sair de casa, ficar encharcado apesar das botas caneleiras, única peça de vestuário - renovada - que me ficou da estadia em évoraburgomedieval durante 16 negros anos, um buraco na minha vida.


1. Na

tua mão

bate
estrangulado o
meu coração.

Preso
no teu olhar

bate
suave muito
leve

com
desejo de voar. Onde
o riso e a palavra

que
o façam sossegar?


Setúbal 1995

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)