* Victor Nogueira
Foto victor nogueria - Há quem junto á linha férrea se entretenha a ver passar os comboios. Alias, "O homem que via passar os comboios" é o título dum romance de Georges Simenon (1903 / 1989), mais conhecido por ter criado o Comissário Maigret, um fleumático polícia, humanizado, que procura entrar na mente dos criminosos, na maioria gente do povo, mergulhando no "bas-fond" para entende-los e por quem - não poucas vezes e empaticamente - nutre uma certa "compreensão".
Neste caso os prédios estão em construção com ampla vista para a auto-estrada.
Há muitos anos, numa das minhas deambulações photomaticas, estive em Linda-a-Pastora, um nome bucólico contrastante com a pobreza e desgraciosidade dos edifícios de habitação.
Fui descendo a encosta até ficar junto ao separador da A5., onde o ruído contínuo do trânsito automóvel era mais uma nota agreste, incómoda e dissonante na povoação outrora debruçada para a então ruralidade do Vale do Jamor com a então límpida e aprazível ribeira que por ele corria.
Em Linda-a-Pastora o escritor Cesário Verde (1855 / 1886) viveu a sua infância e aqui se refugiava para escrever a sua obra poética na casa da família, a Quinta de São Domingos ou dos Verdes. Por estas bandas também viveram Camilo Castelo Branco (1825 / 1890) e Tomás Ribeiro (1831-1901).
Linda-a-Pastora é descrita por Almeida Garrett (1789 / 1854) no seu "Romanceiro" III :
“ E lá, em perspectiva, no fundo deste quadro, em derredor, estava tudo de uma beleza que verdadeiramente fascinava. Uma aldeia Suiça com suas casinhas brancas, suas ruas em socalcos, seu presbitério ornado de um ramalhete de faias; grandes massas de basalto negro pelo meio de tudo isto, parreirais, jardinzitos quase pêncis, e uma graça, uma simplicidade alpina, um sabor de campo, um cheiro de montanha, como é difícil de encontrar tão perto de uma grande capital.
O lugarejo é bem conhecido de nome e fama, chama-se Linda - a – Pastora. Porquê ? Não sei.”
A bucólica paisagem desvaneceu-se com o crescimento urbano desordenado e caótico a partir de meados do século XX. na periferia de Lisboa. A ribeira do Jamor já não é cristalina no seu curso para o Trjo e nas suas margens já não há lavadeiras lavando a roupa, corada ao sol nem azenhas moendo os cereais, conjuntamente com os moinhos de vento na crista dos cerros. Nem se vislumbra gado pastando pachorrentamente pelos campos onde havia explorações agrícolas.
A auto-estrada, com maior ou menor intensidade de trânsito automóvel, veloz e ruidoso, é uma barreira intransponível, separando Linda-a-Pastora da várzea.
Sobre Linda-a-Pastora escrevia em 1997, nas minhas Notas de Viagens: «Alcandorada na AE, pela encosta acima, mantém um ar de povoação rural, de edifícios em degradação, perdida no meio da auto-estrada e das vivendas que se vão construindo mais a cima. As ruas são estreitas, labirínticas, tortuosas, algumas simples becos ou pedonais de escadaria acima (ou abaixo), como na Alfama lisboeta, algumas conservando os nomes característicos de outrora Becos das Mouras, dos Namorados, dos Pombais e do Veríssimo, Travessas do Carambola, do Ferrador e da Bomba (este terminando no Casal do Poço, mesmo ao lado da auto estrada) e Calçadas do Lavra e do Rei, Ruas do Lavra e da Serra de S. Miguel, Largo da Bica.
A meia encosta, com um pequeno adro, situa se a Capela de S. João Baptista, de traça simples e barras azuis, para além do quartel de bombeiros voluntários. As casas são ainda rurais e uma delas com uma data: 1848, possuindo outras registos de azulejos, actuais. Na rua do Lavra um cão, de ar triste e cara de urso, olha para a rua, o pescoço enfiado nas grades, não ladrando a quem passa. Sentada no poial duma casa uma velhota costura e resisto à tentação da fotografia. As Fontes de Santa Ana e outra no adro da Igreja possuem painéis de azulejos com cenas campestres
Mais para oriente, sobranceiras e ao longo da auto estrada, estendendo se até ao Santuário da Senhora da Pedra, muitas barracas e casas abarracadas. »
2022 12 13
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Romanceiro - XXXVI Linda-a-Pastora
fontenários e chafarizes 15 - Carnaxide
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)