* Victor Nogueira
Está pois um dia gélido, cinzentonho. Semelhante a outros no Mindelo. Mas porque parecem diferentes, se iguais são na essência?
Talvez seja o efeito duma persistência da(s) memória(s), da(s) sensações diferenciadas entre o nevoeiro e neblina do Norte e o céu límpido e azul de Lisboa e Setúbal, mediterânicas, entre o cinzento, duro e pesadamente granítico do Norte e a branca leveza do casario de Lisboa e Setúbal, calcáreas e argilosas!
Talvez a mesma persistência da memória que tantas décadas decorridas ainda faça que julgue cálidos ou quentes os soalheiros dias de sol no inverno, como se em Luanda estivesse, na estação quente, pura ilusão, pois ao chegar à rua o que encontro são muitas vezes dias gélidos. Trespassantemente gélidos, como o de hoje, não límpido, não cintilante, não azul, sem mais ou menos caprichosas núvens brancas, como flocos de algodão, que ajudam os entendidos a prever o tempo.
Está pois o dia cinzentonho, tristonho, chuviscoso. Vistas do cimo desta torre no alto duma encosta, lá em baixo, na avenida, nas ruas, no parque verde, os caminhos são como que espelhos de água, cintilante, sem transeuntes, as esplanadas e os bancos vazios de pessoas.
Tudo é silêncio, cobrindo-se crescentemente de verde os ramos das árvores de folha caduca, no inverno descarnados, esquálidos.
As gaivotas e os pombos recolheram-se, salvo uma, esbranquiçada, que há pouco, vagarosamente cruzava os ares, como espaçado e lento é o trânsito automóvel, lá ao fundo, na avenida; um carro, um autocarro, um automóvel, outro carro ...
O céu está pois uniformemente vestido de cinza, nestes dias finais de inverno, uma brisa gélida e finamente trespassante, no rosto e nas mãos, se assomo à janela ou à varanda. Palmela, no horizonte, para norte, é uma imprecisa mancha mais escura! Mal se vislumbra e distingue, mas a minha memória diz-me que está lá. Como para Sul já não se encontram as esguias e altas chaminés da implodida central termo-eléctrica de Setúbal, na Península da Mitrena, que eram uma outra marca distintiva no vasto horizonte que daqui avisto.
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)