sábado, 18 de maio de 2024

"UMA MÃO CHEIA DE NADA, OUTRA DE COISA NENHUMA"

 


* Victor Nogueira

1. - A solidão,  mais ou menos sentida, acompanha-nos durante toda a vida. Os outros e as coisas, a nossa acção, ajudam-nos, a muitos, a preencher esse vazio, a evitar que a solidão nos esterilize. Mas devemos encontrar um justo equilíbrio entre os outros, as coisas e nós. Para não sermos absorvidos pelas coisas ou pelos outros e, sobretudo, para que não tentemos absorver o outro, querendo transformá-lo à nossa imagem, qual espelho enganador. É um equilíbrio difícil de alcançar, reconheço o. Mas temos de estar atentos e vigilantes. (NSF - 1971.07.13)

2.- Ás vezes, agora cada vez mais frequentemente, estou consciente disto, das barreiras que cavo ao lançar pontes. Procuro os outros para me encontrar e perco-me no meu egocentrismo alocêntrico. A Associação [de estudantes, o partido, o sindicato] é um meio de esquecer a minha profunda solidão, encontrando-a. Sempre este desejo de sair de mim, de encontrar (-me em) os outros, de encontrar-me nas "coisas" que faço, que passam a ser como se "eu". (No gira-discos: guitarra clássica)

(...) O ter estado a reler as tuas cartas foi causa de tentar estar contigo, neste fim de tarde eborense; contigo, figura furtiva debaixo dos arcos [arcadas] cheios de gente (antes de conhecer-te), miúdinha de casaco azul e ar agarotado (travesso? expectante?) na estação dos comboios em Évora, num dia chuvoso  de inverno, voz alvoraçada, os óculos escuros, a serenidade, a alegria ou o encantamento nos degraus da Igreja ou ao longo dos caminhos, as mãos e os lábios que se procuram, a espontaneidade. Alegria!

De ti quero recordar tudo isto. O florir do desencontro, apesar da dor na alma, da angústia pela minha inautenticidade. Recebe-a, amiga, a cento e tal quilómetros de distância, separados por mil e uma barreiras criadas por nós.

(...) Todo este cansaço, todo este desalento, pelo clarão súbito da última página [de "Domingo à Tarde", de Fernando Namora], pela consciência de que todas as nossas relações são um jogo cujas regras (subconscientemente) sabemos (mas não queremos admitir), que toda a vida é uma enorme representação teatral, um palco mundano. (Lembras-te, Shakespeare? Lembras-te, Stau Monteiro da "Angústia para o Jantar"?)(NSM 1971.12.01/03)

3. - A vida, é só uma e o "ser estudante" um momento dela. Que futuro será o meu, não sei. Não quero é que ele seja de estagnação. Há sempre - tem, de haver - um modo de conseguir que o momento que passa seja de conhecimento, um conhecimento que só é possível pelos outros e com os outros. A certeza é a nossa morte, tudo o resto é uma tentativa para superá-la ou para sobreviver-lhe. (MCG - 1974.03.13)


[18 de maio de 2014]  

Foto Victor Nogueira - setúbal vista do forte de s. filipe

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)