De A. Videira Santos estou lendo o I volume de "Para a História do Cinema em Portugal - do Diafanorama aos cinematógrafos de Lumiére", editado pela Cinemateca Portuguesa em 1990. Era o tempo de kinescópio, electrotaquiscópio, cinetógrafo, cinetoscópio, entre outros, antecedidos pelo thaumatrópio, fenacistoscópio, praxinoscópio sem esquecer as sombras chinesas ...
As "imagens em movimento" eram intercaladas em sessões de variedades, atraindo multidões deslumbradas por "fitas" que se limitavam então a registar o quotidiano, como a saída da fábrica ou a feira da Corujeira ou uma tourada no Campo Pequeno, para além de "cenas da natureza", como a Boca do Inferno, em Cascais. Por vezes as breves películas tinham já pequenas encenações, ao estilo de "l'arroser arrosé", dos irmãos Lumiére. Pequenos truques embasbacavam ou aterrorizavam os espectadores, como o comboio a "invadir a sala" ou o desfile militar marchando ... para trás.
Teria sido ou não Paz dos Reis o 1º "cineasta" português ? O livro de Videira Santos coloca outra hipótese, sem tirar a primazia ao Porto, pois dum portuense se trata também. Aliás a 1ª sala específicamente preparada para o novo "divertimento" teria sido o Salão Maravilhas, na Rua Passos Manuel, no Cidade Invicta, em 1897. Enfim, uma obra interessante com 362 páginas profusamente ilustradas, a ler no essencial como um romance na sua letra miúdinha. Em tipo normal teria talvez o dobro das páginas
Despertará o cinema ainda hoje o deslumbramento que é o enredo de fimes como o do "Cinema Paraíso", de Giuseppe Tornatore, similar ao da descoberta da poesia em "O Carteiro de Pablo Neruda", de Michael Radford ? A chegada do "projeccionista" ambulante com as suas traquitanas a um povoado no deserto terá a mesma magia como a retratada num filme que vi uma noite destas, creio que originário dum país do Norte de África ? Ir ao cinema ainda terá o ritual de outrora, dos "documentários" e "noticiários" que antecediam a projecção do filme, entrecortado pelos intervalos, a ida ao bar, o cavaquear com amigos e conhecidos, o ver os cartazes das "estrelas" no "foyer", os programas com a ficha técnica e um breve resumo do enredo ou argumento ? Fosse no "cinema" de estreias (um acontecimento a estreia dos filmes mais" importantes", por vezes com a presença dos artistas), fosse nos cinemas de bairro (normalmente com sessões duplas) ou no ""piolho", nestes com os espectadores a comentarem em voz alta, avisando o cowboy da presença do bandido emboscado, fosse em Luanda fosse em Lisboa ou no Porto ?
Era o tempo dos grandes cartazes publicitários na fachada dos grandes cinemas, pintados à mão e em tela, ou das vitrines com fotoramas dos filmes a exibir num futuro próximo. O cinema era um ritual, com regras, como aquela que em Luanda tentou uma vez impedir - em vão - o engº Jorge Castelo de entrar no "Restauração" porque habitualmente trajava à "british", calções e meias até ao joelho. Em Luanda sábado à noite era para os meus pais e pessoas amigas a ida ao cinema, o filme algumas vezes pouco importando, mero pretexto para se juntarem, conviverem e terminarem a noite, finda a sessão, numa esplanada da ilha, cavaqueando, petiscando e bebendo.
Há muitos anos atrás, no passado milénio, ia com os meus filhos ao cinema frequentemente, normalmente a salas de centros comerciais. Mas uma vez fomos ao "Condes" em Lisboa e o Rui ficou espantado com a dimensão e a arquitectura da sala. Hoje o cinema é o estar cada um sentado para seu lado vendo o filme no ecrã ou monitor, minúsculo ou, por maior que seja, sem a dimensão e a envolvênciia de outrora. Completamente colonizados pela cinematografia norte americana, como se outras não existissem.
Deixo-vos os quatro primeiros filmes que se conhecem realizados em Portugal, em 1896, da autoria do comerciante, floricultor e fotógrafo portuense Aurélio Paz dos Reis (1862-1931). https://www.youtube.com/watch?v=8sOXcHj-exY para além dos primeiros filmes dos irmãos Lumiére in https://www.youtube.com/watch?v=lW63SX9-MhQ. E já agora, que tal uma saltada a S. Francisco, recuando a 1906 ? https://www.youtube.com/watch?v=d6Hyhl7DRpc,
E no sempre interessante blog "Restos de Colecção" podem fazer uma volta pelos "animatographos" portugueses em http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2012/11/cinematografos-e-animatografos.html. Sem esquecer Os cinemas de Lisboa, em http://acidadenapontadosdedos.com/2013/01/15/na-memoria-dos-cinemas-esquecidos/ Divirtam-se
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Manuela Vieira da Silva
Gostei de ver o primeiro filme. Também temos em Portugal uma história do cinema que acompanhou os tempos e a evolução das técnicas cinematográficas. Obrigada pelo excelente trabalho de pesquisa, Victor Barroso Nogueira. ❤ 🙂
10 a~
Silvia Mendonça
Victor Barroso Nogueira, admiro a tua capacidade em lidar com o passado, compartilhando conosco as maravilhas que descobres. Claro que também és um homem da atualidade, e como tal, também nos informa sobre o que vai no Portugal de hoje. Amigo, tenha certeza: gosto demais do teu trabalho. E se não leio no dia, leio depois. Parabéns! Beijos de mim.
10 a
Carlos Rodrigues
Obrigado, Vitor, maravilha esse comentário histórico-Kinematoscópico. Em Lisboa, já que mencionaste o Piolho ( Salão Lisboa ) também podias ter mencionado, entre os primitivos cinemas o Olympia, o das sessões contínuas, onde a principal curiosidade e naturalmente o acto insólito, para as gerações de hoje, do espectador atar um lenço à cadeira para marcar o lugar sempre que tinha de ir ao WC ou a outro lado qualquer , mas tencionando voltar. Na maioria dos casos resultava, noutras roubavam-lhes os lenços...é só uma noite do pitoresco relacionado com os cinéfilos do tempo, mas a casa estava sempre cheia...
é nota não é noite ( corrigido )
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)