quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Pingos do Mindelo - Campânula(s)


 * Victor Nogueira

A câmpânula (também chamada redoma) é um vaso de metal ou de vidro em forma de sino, que para lá de uso laboratorial também pode ser utilizado para proteger alimentos e objetos delicados do pó, do contato com o ar e de impurezas. Mas para lá disso serve para designar a extremidade larga e aberta acoplada a um altifalante ou a um fonógrafo para amplificar e dirigir o som ou  referir-se aos antigos aparelhos acústicos para surdos. Coroando este ramalhete, câmpanula é também a designação duma planta e suas flores,  Para prosseguir com chave de ouro, é um termo usado na musicologia, referindo-se, neste caso, ao "pavilhão" que é a extremidade mais larga e aberta de certos instrumentos de sopro, como o clarim, a trompa, o trombone, o clarinete, e outros que tais. 


Se o  título destes pingos é o que acima registo, o desenvolvimenoto imaginado após acordar esta manhã era outro, mas o(s) pensamento(s) assemelha(m)-se a corrente de água que nos rios, remansoso ou não, com ou sem meandros, flui até ao mar mar-oceano, embora na imaginação as águas possam refluir até à nascente, como os salmões que a esta vão desovar. Na realidade às águas dum rio podem refluir, como por diversas vezes verifiquei na Serra da Arrábia, quando na maré-cheia a força do rio Sado na enhente forçava ao reflixo das águas dum seu afluente, a Ribeira da Ajuda. 


Por mais que esprema a memória, não consigo que das profundezas da mesma re-surja o que de manhã fluiu, lembro-me apenas que utilizaria dois poemas meus, não como intróito, mas como corolário quase a encerrar. E como o pensamento é livre e as palavas se assemelham a cerejas, coroando ou não um bolo, umas atrás das outras, hoje tive uma das minhas brilhantes ideias. Este ano os limões do quintalejo, embora enormes, são de casca grosso, dificultando a obtenção de sumo pelo espremedor manual. Eureka! E se os  cortasse às rodelas?  Meu dito, meu feito. E assim com menos esforço obtive mais sumo. Em pquena disse-me uma vez a Susana que tinha um pai idiiota."Idiota, porquê? perguntei "Ora, porque está sempre com ideias novas!" Estes meandros em destalinho, mal alinhavados trazem-me à superfície outra historieta, esta com o Rui, em miúdo, que uma vez me comentava: "Pai, vê lá como isto é, começámos a falar disto e depois daquilo e agora estamos com outro assunto completamente diferente"!

Deste modo, sem cereja no cimo do bolo e fecho sem chave de ouro, transitoriamente ficam estas parcas  carreirinhas de palavras ou signos


                        Ser amigo é colorido presente
                        Ao darmos nossa mão, sem maldade,
                        Mantendo a vera luminosidade
                        Do silêncio ou do verbo assente.

                        Na tarde calma, serena, luzente,
                        Ou de noite, dia sem claridade,
                        É uma dádiva, felicidade,
                        Esta da vigília ser não dormente.

                        Amigos têm vária feição:
                        Dão-nos sua tristeza ou alegria,
                        Compartilhando bons e maus momentos.

                        Velho, novo, mulher, homem, bem são;
                        Na estrada e no dia-a-dia
                        Nem sempre atentos, prontos, nos tormentos.

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1989.09.03 (3)

Notícias do Bloqueio - II

Estão suspensas as palavras
Proibidos os gestos
de ternura, amizade e amor.
O silêncio invade as ruas
entra nas casas
senta-se à mesa da gente.
Que sentido tem dizer
amor
amiga
camarada
companheiro?
Que sentido tem
abrir as mãos e os olhos
e perguntar qual o significado do
que vemos, ouvimos, entendemos e sentimos?
Gaivotas loucas, alvoraçadas, enchem os ares
de movimento e ruído.
Enquanto a vida escorre pelos dedos
indiferente
medíocre
submissa.


Setúbal, 1985.10.02 



Fotos Victor Nogueira -Teia de aranha, orvalhada, no Mindelo, # Cegonha em Mértola, # Nocturno no Castelo de Palmela

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)