Entre 1926 e Abril de 1974, o Estado Novo vedou o
acesso das mulheres a várias carreiras do Estado e impôs regras específicas
sobre o casamento em certas profissões, sobretudo na função pública e em
serviços “sensíveis”. Havia profissões em que as mulheres não podiam entrar,
profissões em que eram obrigadas a permanecer solteiras e profissões em que só
podiam casar com autorização ministerial.
Profissões
vedadas às mulheres
Vários cargos do Estado foram formalmente fechados às
mulheres durante grande parte do Estado Novo. A discriminação articulava a
ideologia da “mulher mãe e dona de casa” com a ideia de que certas funções de
autoridade pertenciam “naturalmente” aos homens.
Principais exemplos referidos pela historiografia e
pela legislação da época:
- Carreira diplomática (Ministério dos Negócios Estrangeiros) – as
mulheres estavam impedidas de ingressar na diplomacia.
- Magistratura judicial – não podiam ser juízas ou magistradas do
Ministério Público.
- Cargos de chefia na administração local e vários postos na
administração pública central, incluindo no Ministério das Obras Públicas.
- Trabalho na administração local em geral esteve, durante anos,
legalmente reservado a homens.
Profissões que
impunham não casar
Algumas profissões femininas exigiam, por lei ou
regulamento, que as trabalhadoras permanecessem solteiras; o casamento
implicava a perda do lugar.
Exemplos documentados:
- Enfermeiras hospitalares (por exemplo, dos Hospitais Civis de Lisboa)
– proibidas de casar; normas mantiveram-se, em geral, até início da década
de 1960.
- Hospedeiras de ar da TAP – não podiam casar; esta exigência só caiu
perto do fim do regime, em 1974.
- Pessoal feminino do Ministério dos Negócios Estrangeiros (algumas
categorias) – também sujeito à proibição de contrair matrimónio, sob pena
de perder o lugar.
- Telefonistas da Anglo Portuguese Telephone – obrigadas a manter-se
solteiras, pelo menos até final da década de 1930.
A estas proibições somava‑se ainda o poder do marido
de denunciar o contrato de trabalho da mulher casada, o que tornava o casamento
um risco real para a continuidade do emprego feminino.
Profissões que
exigiam autorização para casar
Houve também profissões em que as mulheres podiam
casar, mas apenas com autorização prévia do ministério competente, que avaliava
o “perfil” do futuro marido e a situação económica.
O caso mais emblemático é o das professoras do ensino
primário público:
- Decreto‑Lei n.º 27 279, de 24 de Novembro de 1936, artigo 9.º – o
casamento das professoras primárias dependia de autorização do Ministro da
Educação Nacional.
- A autorização só era concedida se o noivo tivesse “bom comportamento
moral e civil” e rendimentos “em harmonia” com o vencimento da
professora.
- Esta exigência manteve-se em vigor até ser formalmente revogada em
1969 pelo Decreto‑Lei n.º 49 473, que eliminou a necessidade de
autorização ministerial para o casamento das professoras.
Em resumo:
- Vedadas: diplomacia, magistratura e vários cargos de chefia e
administrativos na administração local e central.
- Obrigadas a manter‑se solteiras: enfermeiras hospitalares, hospedeiras
de ar, parte do pessoal feminino do MNE, telefonistas de certas empresas.
- Sujeitas a autorização ministerial para casar: sobretudo professoras
primárias do ensino público, até 1969.
Lista de
profissões proibidas às mulheres no Estado Novo
Durante o Estado Novo (1926-1974), várias profissões e
cargos públicos foram legalmente vedados às mulheres, refletindo a ideologia
que as confinava ao papel doméstico. Estas proibições constavam em diplomas
como o Decreto n.º 14535 de 1927 e despachos subsequentes, abrangendo carreiras
de autoridade e trabalhos perigosos. A lista abaixo compila as principais
referidas na legislação e historiografia.
- Magistratura judicial e Ministério Público: Mulheres impedidas de ser juízas ou
procuradoras.
- Carreira diplomática: Acesso proibido ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
- Carreira militar e polícia: Totalmente reservadas a homens.
- Administração local: Proibido o exercício de funções públicas locais.
- Postos no Ministério das Obras Públicas: Cargos específicos vedados.
- Trabalhos com substâncias tóxicas: Manipulação frequente de produtos químicos listados (ex.: chumbo,
mercúrio, benzeno), por Portaria n.º 186/73 e antecessores.
Estas restrições só foram amplamente revogadas após o
25 de Abril de 1974. Algumas profissões liberais, como advocacia, já tinham
sido abertas em 1918, mas o Estado Novo reforçou barreiras em funções
estatais.
Quais eram
as razões oficiais para cada proibição
Durante o Estado Novo, as proibições ao acesso de
mulheres a certas profissões baseavam-se na ideologia oficial que reservava
funções de "direção e iniciativa" aos homens, devido à
"natureza" feminina e ao "bem da família", conforme a
Constituição de 1933 e diplomas como o Decreto n.º 14535/1927. A legislação e
discursos da época invocavam diferenças biológicas, sociais e morais para
justificar exclusões em cargos de autoridade pública, alinhando-se ao modelo da
mulher como "mãe e dona-de-casa".
Magistratura
Judicial e Ministério Público
Proibidas por serem funções de "direção e
autoridade" reservadas ao homem, incompatíveis com a "natureza
feminina" e o papel doméstico; só revogadas após 1974.
Vedada por envolver representação estatal no exterior,
considerada imprópria para mulheres devido a viagens, isolamento e exposição,
além de elitismo patriarcal; mantida até o 25 de Abril.
Exclusivamente masculinas por exigirem força física,
disciplina armada e risco de combate, incompatíveis com a "fragilidade
natural" da mulher e seu destino familiar.
Administração
Local e Cargos no Ministério das Obras Públicas
Proibidas por serem postos de "administração
pública local" e obras, vistos como trabalhos de chefia e esforço físico
reservados a homens; ideologia de subordinação familiar reforçava a exclusão.
Estas justificações oficiais, explícitas em preâmbulos
legislativos e propaganda, visavam preservar a "ordem familiar" e
hierarquia social, só derrubadas pela Revolução dos Cravos.
elatvamente
à I República, que avanços e retocessos houv de 1926 a 1974?
De 1926 a 1974 (Estado Novo), comparado à I República
(1910-1926), houve avanços pontuais no acesso ao
ensino e voto restrito, mas retrocessos graves na
autonomia civil, mercado de trabalho e participação política, reforçando a
subordinação ideológica da mulher ao lar.
- Acesso a liceus mistos (1920, expandido em 1926) e ensino em liceus
masculinos (1926).
- Voto para mulheres com ensino superior/secundário (1931); três
deputadas na Assembleia Nacional (1935).
- Advocacia autorizada (1918, mantida); igualdade no adultério (1909,
mantida).
- Comissão para Política Social das Mulheres (1973); igualdade salarial
legal (1969).
- Constituição de 1933 consagrou "diferenças inerentes à natureza
feminina" e interesses familiares, vedando profissões como
magistratura, diplomacia, administração local e militar.
- Mulher casada subordinada ao marido (Código Civil 1967): precisava
autorização para trabalhar, viajar ou gerir bens; fim do divórcio
(Concordata 1940).
- Proibições matrimoniais (ex.: professoras só casavam com aval
ministerial até 1969; enfermeiras solteiras).
- Voto restringido (1946, ainda limitado); retrocesso no sufrágio
universal republicano.
O saldo foi negativo: I República permitiu ativismo
(Liga Republicana) e pioneiras; Estado Novo regride para modelo "mãe e
dona-de-casa", só mitigado nos anos 1960-70.
Relacionados
Quais leis
mudaram o estatuto civil das mulheres no Estado Novo
Como a
Constituição de 1976 reparou retrocessos de 1926-1974
Que direitos
reverteram para as mulheres durante o Estado Novo
Impacto da
repressão política de 1926 nas associações femininas
Evolução do
acesso das mulheres ao trabalho público entre 1926-1974
Como a
Constituição de 1976 reparou retrocessos de 1926-1974
A Constituição da República Portuguesa de 1976 reparou
os retrocessos do Estado Novo (1926-1974) consagrando a igualdade absoluta
entre homens e mulheres em todos os domínios, eliminando a subordinação civil,
as proibições profissionais e o modelo ideológico de "mulher
dona-de-casa" da Constituição de 1933.
Revogou a dependência marital (Código Civil de
1966/67): igualdade no casamento, divórcio livre, poder parental partilhado e
administração conjunta de bens, acabando com autorizações para trabalhar ou
viajar.
Mercado de
Trabalho e Profissões
Garantiu acesso igual a todas as profissões, incluindo
magistratura, diplomacia, administração local e militar, antes vedadas;
igualdade salarial e não discriminação no emprego (artigo 59.º).
Sufrágio universal efetivo, sem restrições de
literacia ou estatuto; paridade em candidaturas e direito à participação
democrática plena.
Direitos
Sociais e Educacionais
Igualdade no ensino superior, segurança social e
proteção à maternidade sem penalização laboral, promovendo efetivação de
direitos económicos e sociais.
Evolução
do acesso das mulheres ao trabalho público entre 1926-1974
Entre 1926 e 1974 (Estado Novo), o acesso das mulheres
ao trabalho público evoluiu de restrições severas para aberturas pontuais nos
anos 1960-70, mas permaneceu segregado e condicionado pela ideologia de
subordinação familiar.
1926-1950:
Restrições Iniciais
Mulheres excluídas de magistratura, diplomacia,
administração local, carreira militar e cargos de chefia pública, por Decreto
n.º 14535/1927 e Constituição de 1933, que reservava "direção e
autoridade" aos homens. Permitido apenas em funções auxiliares como
professoras primárias, enfermeiras e datilógrafas, sujeitas a proibições
matrimoniais (ex.: perda de posto ao casar).
1950-1960:
Manutenção com Limites
Persistência de barreiras; mulheres casadas precisavam
autorização marital para trabalhar (Código Civil 1966). Crescimento em ensino e
saúde pública, mas salários inferiores e sem progressão.
- 1962: Lei n.º 4.212 revogou autorização marital para trabalhar.
- 1969: Decreto-Lei n.º 49 473 acabou com aval ministerial para
professoras casarem.
- 1973: Portaria n.º 186/73 abriu indústrias tóxicas/insalubres.
Acesso público continuou limitado até 1974, com mulheres em 18-26% da força de trabalho ativa.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)