Desde cedo, a vida fez-lhe negaças. Enfrentou-as e venceu-as, não raro com humor e muita música.
Mestre Azóia
Setenta anos de música
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José Rodrigues dos Santos foi o nome anotado, em 25 de Março de 1916, na Conservatória do Registo Civil, sensivelmente um mês após o nascimento – 28 de Fevereiro –, mas todos o conheciam por Azóia.
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Embora natural da cidade de Setúbal, foram buscar-lhe a alcunha à terra, perto de Sesimbra, onde o avô paterno era moleiro.
A meninice passou-a na Fonte Nova e na Capricho Setubalense. No primeiro caso, porque morava com os pais naquela zona, no segundo, porque era ali que a mãe, costureira, trabalhava para sustentar a prole numerosa, que o marido – mais dado a viagens e a outras mulheres do que à família – lhe deixou nos braços.
Naquela época, os bailes na Capricho eram abrilhantados ao piano por uma espanhola. Foi esta mulher que, ao verificar o entusiasmo do puto, lhe deu as primeiras aulas daquele instrumento.
As lições foram de tal modo aprendidas que um dia em que ela, doente, faltou, foi ele que abrilhantou o baile. Tinha 13 anos.
A par das aulas de piano, frequentava o liceu, que deixou aos 14 para ajudar ao sustento da casa.
Este facto não lhe arrefeceu o amor pela música. Aos 16 anos, já compunha, escrevia textos de revistas e era actor.
A actividade artística não a confinou à Capricho. Estendeu-a a outras colectividades, como à Casa dos Pescadores, onde encenou peças de teatro, e à “rival” União Setubalense, cuja orquestra dirigiu. Participou, ainda, na realização de eventos como as “batalhas das flores”, os desfiles etnográficos e as marchas populares.
Enumerar os espectáculos de que Azóia foi responsável ou em que participou, bem como o número de músicas que escreveu torna-se quase impossível, já que foram mais de 70 anos de actividade artística.
Por isso, a Câmara Municipal, em 28 de Fevereiro de 2004, no dia em que o mestre Azóia completou 88 anos, homenageou-o, no Fórum Luísa Todi, com um espectáculo de cinco horas, durante o qual foram interpretadas músicas da autoria dele.
Antes, foi distinguido com as medalhas de Mérito Distrital e de Honra da Cidade, na classe de Cultura. A primeira, em 1991, e a segunda, um ano depois.
Azóia morreu em 26 de Fevereiro de 2006. O corpo foi cremado em Ferreira do Alentejo, para onde seguiu após ter estado em câmara ardente na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Setúbal.
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Irreverência
Mestre Azóia foi um homem de carácter forte e irreverente, que soube, sempre, ultrapassar as dificuldades, não raro usando o humor.
Não admira, por isso, que, numa época em que a liberdade de expressão era algo riscado do léxico português, tenha tido problemas com o regime.
Um exemplo: uma revista chamava-se “É Tudo Nosso”. No cartaz de promoção do espectáculo, os responsáveis pela iniciativa antecederam a frase com o advérbio “brevemente”. Quem mandava não gostou. A censura fez cortes.
A revista acabou por ir a cena com novo título: “Peço Desculpa”.
De outra vez, alegando falta de segurança da sala, o Governo Civil ordenou o cancelamento de uma revista. Azóia não perdeu tempo. Transferiu o espectáculo para a Avenida Luísa Todi.
Usar e pôr no lixo é a regra. Uma das excepções vai sendo o mobiliário. Em Setúbal há, ainda, quem se dedique ao negócio de móveis em segunda mão, como José Ruivo, polícia que rouba o descanso às folgas para ser comerciante. O estabelecimento, na Baixa, foi, em tempos, fábrica de guloseimas e agência de emprego, mas já vendeu, também, fogões a petróleo e roupa usada.
Negócio de mobílias
Velhos são os trapos
A loja da dona Ana de Jesus - a “Aninha dos fogões” - é das poucas, em Setúbal, que, em tempo de comprar tudo e tudo deitar fora, sobrevive ao negócio do mobiliário usado.
A história começou, há cerca de 60 anos, com a morte do marido que, no mesmo espaço, explorava um estabelecimento de venda e reparação de fogões a petróleo.
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Quando enviuvou, conta José Fernando Ruivo - casado com uma sobrinha de dona Ana - à frente do negócio há 17 anos, a “senhora, que tinha um salão de cabeleireiro, mesmo em frente, começou por vender, à consignação, peças de mobiliário e roupas, principalmente a pedido de vizinhos”.
Assim, “mais para ajudar quem precisava de manter a porta aberta do que para outra coisa qualquer, nasceu o negócio”. Pelo meio, num atravessar de rua constante, ia arranjando fogões, pondo em prática o que aprendera com o marido, e cabelos.
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Nesta acção tripartida permaneceu dona Ana até há 30 anos, quando entregou a responsabilidade do salão a uma empregada, mas somente há 17 deixou de estar à frente do estabelecimento que, então, já não vendia nem consertava fogões a petróleo. O gás e a electricidade tinham-no atirado para o rol das recordações. Foi nessa altura que José Ruivo - preenchendo as horas vagas que a actividade de agente da PSP, ao serviço do INEM, lhe deixa - tomou conta da loja, acabando com o negócio de roupas e “especializando-a” em mobílias.
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O negócio, garante, “tem vindo a piorar desde há dois anos”, muito por culpa das promoções das “lojas de artigos novos, que chegam a aceitar o pagamento, ainda por cima a prestações, seis meses depois do levantamento da mercadoria”.
Por isso, “hoje, são mais as pessoas, dez por dia, em média, que passam pela loja para vender do que para comprar”, mesmo que José Ruivo aceite cheques pré-datados, alguns atirados para a gaveta das más lembranças, cansados de ir ao banco sem que os queiram.
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Apesar de só comprar o que, “em princípio, tem venda assegurada”, José Ruivo nem sempre ganha o que podia se fosse, por exemplo, antiquário, o que implicaria ter outros conhecimentos sobre o que negoceia. Ainda não há muito tempo, vendeu uma “mobília D. João V por 120 contos, ganhando 30”, quando, “passadas umas horas” lhe davam 700.
Recentemente, também, adquiriu uma “cama completamente danificada”, cujo “restauro ficou em 400”. Têm-na à venda por 500.
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Não se pense, porém, que os percalços fazem esmorecer o entusiasmo deste comerciante nas horas vagas. Conta-os, até, com um riso a encher-lhe a cara e não hesita em dizer que, quando a “a reforma da PSP chegar”, os móveis servir-lhe-ão, no final de cada mês, de aconchego ao ordenado e “forma de passar o tempo”.
Agência e pirolitos
A loja da 'Aninhas dos fogões' - a par do negócio de móveis e de roupas usadas - funcionou, “durante 40 anos”, como “agência de emprego, principalmente para as mulheres do campo que chegavam a Setúbal e queriam trabalhar a dias”.
Antes - ainda o marido não tinha transferido para lá o comércio de fogões a petróleo que tinha na Avenida Luísa Todi (foto do letreiro, ao lado) - a casa albergara duas fábricas, “uma de bolos, a ‘Gato Preto’, e outra, de pirolitos”. |
Horário do INEM
O horário da loja - no número 34 da Rua Estevan de Vasconcelos, ou do Abrantes, como normalmente é conhecida - é flexível, abrindo apenas nos dias em que o responsável pelo negócio folga na PSP.
Não se assuste, já, o leitor, a pensar em vender, ou comprar, mobiliário usado. José Ruivo, motorista de ambulâncias, como todos os polícias em serviço no INEM, trabalha um dia e folga dois, pelo que é mais o tempo que está no estabelecimento do que o que não está.
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Da bandeja aos móveis
José Ruivo, nascido em Torres Vedras há 49 anos e residente em Setúbal há 25, polícia e negociante de móveis usados, começou, na terra natal, por ser empregado de mesa.
Já polícia, foi colocado em Setúbal, onde casou e, por via disso, é hoje comerciante de mobílias em segunda mão. |
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