terça-feira, 25 de março de 2008

Setúbal e os golfinhos

A comunidade roaz-corvineira, que habita o Sado, única morada que lhe resta em Portugal, após ter desaparecido a do Tejo, já foi maior nos anos 80, mas, mesmo assim, os 30 elementos que a compõem, resistindo às agressões constantes de que são vítimas, continuam a ser um dos emblemas de Setúbal, a par do rio que lhes dá guarida, num casamento perfeito da Natureza.

Roaz-corvineiro

Um habitante no Sado

Ao todo, são 30 os roazes-corvineiros que habitam o Sado, único local, onde, em Portugal, é possível ver estes cetáceos, emblemas de uma cidade, que tem no rio um dos símbolos maiores.

O número – que inclui machos e fêmeas, adultos e jovens –, apontado por entendidos, não é resultado de uma estimativa, de um cálculo feito por alto, mas de uma contagem - onde a hipótese de erro é a mesma da de qualquer operação aritmética – variável apenas porque o nascimento e a morte são parte integrante da vida.


Para observador comum, que, com frequência, os avista, de terra ou a bordo de uma embarcação, sempre que vêm à superfície para respirar, em gesto suave e elegante, a contagem é tarefa irrealizável, já que parecer-lhe-ão todos iguais. Pura ilusão que a ignorância proporciona. Os golfinhos, como as pessoas, mesmo as gémeas, são todos diferentes uns dos outros, cada um deles com características próprias, o que permite, aos entendidos, distingui-los, por exemplo, através das 'impressões digitais'.

Com efeito, além de outras características que cada um tem, como o 'assobio', pelo qual é mais difícil distingui-los, a barbatana dorsal, que lhes serve de 'quilha' e os equilibra, funciona como autêntica 'impressão digital', já que não há duas iguais.

O "assobio": arma de caça

O “assobio”, que, também, os identifica aos ouvidos dos entendidos, é utilizado pelos “corvineiros” como meio de comunicação entre a comunidade e arma de caça, quase constante, que a meia tonelada que os adultos chegam a pesar não é à base de água e de ar.

Na procura de alimentação – peixes, moluscos e crustáceos – actuam sozinhos ou em pequenos grupos, utilizando, invariavelmente, a técnica do atordoamento da vítima, conseguido com o bater da barbatana caudal na superfície da água e com o 'assobio', meio, igualmente, de detecção da presa.

Com efeito, os sons que emite, ao baterem contra qualquer obstáculo, são reflectidos, permitindo-lhes escutá-los outra vez, localizando, assim, objectos e presas, sobre as quais fica a saber o tamanho e as formas.

Quando em grupo, cercam as vítimas. Em círculo ou encurralando-as contra margens ou baixios.

A morte por companhia

Os roazes machos, em estado selvagem, podem atingir os 45 anos ou até mais, tendo as fêmeas vida mais longa.

A verdade, contudo, é que a comunidade que habita o Sado decresceu nos últimos anos, como reflexo da agressão ambiental causada, essencialmente, pela poluição industrial e pela actividade portuária.

A pesca, alguma dela ilegal, e as próprias embarcações de recreio, que nem sempre navegam de acordo com o que está estipulado, podem, igualmente, ser responsabilizadas pelo decréscimo de exemplares 'corvineiros' – e não só – no rio.

Os esgotos urbanos, também eles, contribuíram – e muito – para a diminuição da tribo roaz no Sado, situação atenuada – e com tendência para atenuar ainda mais – com a entrada em funcionamento, em Setúbal, da ETAR.


Por tudo isto, se pode dizer que os roazes-corvineiros têm vivido no Sado – a exemplo do que aconteceu no Tejo, de onde desapareceram completamente – com a morte como companheira.

Maneiras há, contudo ( ver caixa abaixo) de tornar este cenário menos cinzento e mais azul.




Cinco regras

De entre as regras que qualquer um, sem esforço, pode cumprir para que os roazes-corvineiros continuem a ter o Sado como morada, salientamos sete, desrespeitadas algumas delas, muitas vezes, por ignorância.

1) Nunca deitar objectos e lixo para a água, pois os golfinhos podem morrer por ingerirem plásticos, vidros ou metais. Sempre que encontremos lixo devemos recolhê-lo.

2) Não alimentar os golfinhos. Eles são animais selvagens.

3) Se os virmos, não devemos dirigir-nos, imediatamente, a eles, nem persegui-los. O barulho e o movimento dos barcos podem perturbá-los e causar-lhe “stress”.

4) Devemos evitar a concentração de embarcações em seu redor, bem como mudanças bruscas de velocidade, direcção e sentido. É contraproducente, também, a aproximação frontal ou cruzar a sua trajectória, sendo aconselhável manter um rumo paralelo ao dos golfinhos, nunca a uma distância inferior a 50 metros, deixando que sejam eles a aproximarem-se.

5) Devemos ser pacientes, respeitadores e procurar o bem-estar dos golfinhos.


Ao encontrarmos um roaz que tenha dado à costa devemos avisar a Reserva Natural do Estuário do Sado ou a Polícia Marítima do Porto de Setúbal.

Alimentação variada

A alimentação dos roazes-corvineiros é bastante variada. Mesmo tendo desaparecido do Sado algumas espécies, ainda lhes sobra muito por onde escolherem.


No estuário, as preferências vão para os chocos e tainhas, mas polvos, lulas, linguados, camarões e caranguejos fazem, igualmente, parte da ementa.

A razão dos nomes

O roaz-corvineiro, nome plebeu de tursiops truncatus, foi rebaptizado, tudo leva a crer, devido à matreirice e a preferências gastronómicas.


Roaz porque, para desespero dos pescadores, ganhou artes de roer as redes de onde surripia verdadeiros manjares. Corvineiro vem da predilecção que tinha pela corvina, quando ela existia, com abundância, na região. Foi-se-lhe o pitéu, ficou-lhe o nome.


A estes nomes, juntou-se-lhe, mais recentemente, outro, sendo, também, conhecido por golfinho do Sado, já que é, em Portugal, o único local onde pode ser visto.

"Habitat" e vida

O roaz-corvineiro, golfinho, da família dos cetáceos, nasce, ao fim de um ano de gestação, com cerca de 30 quilos, atingindo em adulto um peso que varia entre os 300 e a meia tonelada e três metros de comprimento.


Com um corpo robusto, de forma hidrodinâmica, desloca-se graças à barbatana dorsal, que actua tal e qual uma quilha, mantendo-o equilibrado, a uma barbatana caudal, principal meio de propulsão, e a duas peitorais, orientadoras da direcção do movimento. Pode atingir a velocidade de 40 quilómetros por hora.


Como mamífero, tem pulmões, pelo que sente necessidade de vir à superfície para respirar, fazendo-o através do espiráculo, orifício que tem no cimo da cabeça.


Após ter desaparecido no Tejo, o estuário do Sado – onde a comunidade chegou a ser constituída, na década de 80, por 40 exemplares – e a área marinha adjacente são as únicas moradas que conhece em Portugal.

Fotos: Pedro Narra/Vertigem Azul

Fontes: Reserva Natural do Estuário do Sado e Vertigem Azul, empresa promotora de excursões para observação de golfinhos, no Sado.

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in

município de setubal

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