segunda-feira, 7 de abril de 2008

Pelos Coutos de Alcobaça


* Victor Nogueira
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No século XII D.Afonso Henriques teria prometido a Frei Bernardo de Claraval a concessão de vastas terras caso conquistasse Santarém aos mouros. Feito conseguido, promessa cumprida, até porque a influência da novel Ordem de Cister junto do Papa era importante para que este reconhecesse a independência do Condado Portucalense. Ordem que se caracterizava pela austeridade de vida, em contraste com a daquela donde haviam provindo, a de Cluny. E assim os abades se viram donos de planícies, esteiros, serras, portos e braços de mar, que havia necesidade de povoar, quanto mais não fosse para serem um tampão às arremetidas dos maometanos. Esta ordem de Cister provinha da de Cluny, a qual derivara dos Beneditinos. Cada uma delas procurara ser mais austera que a anterior, entretanto caídas na opulência. No entanto com o passar dos tempos entre os cistercenses o ascetismo e a frugalidade foram sendo esquecidos, de tal modo que nos finais do século XVIII William Beckford refere a luxúria dos abades, amantes da pinga e da comezaina. Talvez sejam frades destes que tenham originado a expressão Comer que nem um abade.


Nesse tempo o mar chegava a Óbidos, Alfeizerão e Cela; o assoreamento destas regiões, contudo, obrigaram à secagem dos pântanos, tornando o ar saudável e o solo fértil. A exploração das terras foi feita directamente pela Abadia de Alcobaça, nas granjas, ou indirectamente, através dos coutos, estes sob orientação técnica dos abades, ao qual se acolhiam foragidos da justiça, onde a do rei os não podia buscar. A prática dos cistercenses resultava duma das regras da ordem, a qua privilegiava o estudo e o trabalho, este como fonte do abastecimento dos seus monges, em contraposição às ordens mendicantes, que também proliferavam na idade média, e que viviam das esmolas. Contudo, o poder da Abadia acabou por ser de tal ordem que nos seus domínios não se gritava aqui d'el rei, mas sim aqui do abade! Nem mesmo D.João I ousou atender às reclamações das populações de alguns coutos perante as prepotências da abadia, como pretendia o povo de Évora de Alcobaça.


Com o tempo a exploração dos coutos e do trabalho de outrem ganhou mais importância, sendo aqueles em nome de 13, cada uma das vilas com sua câmara e pelourinho. Algumas desenvolveram-se, mas outras, como a de Paredes, desapareceram. A abadia tinha os seus próprios portos para escoar os seus produtos: Alfeizerão, Parede, Cela Velha, Pederneira, S. Martinho do Porto ... Em frente deste último ficava Salir do Porto, este pertencendo às terras da Rainha.


Dalgumas vilas se fala noutro local, pelo que não se repetirão aqui: Alfeizerão, Aljubarrota, Cela, S. Martinho do Porto e Pederneira.


Assim, nas linhas seguintes referir-se-ão os coutos de Alvorninha, Évora de Alcobaça, Santa Catarina, Cós, Maiorga e Turquel e povoações como Alcobertas.


Por toda a região existem vestígios manuelinos, em pelourinhos, pórticos de igrejas e algumas janelas, conjuntamente com inúmeras lendas, umas de carácter religioso, outras envolvendo os mouros que por algum tempo ocuparam esta região. (Notas de Viagem, 1997.12.09)


Alvorninha



No caminho para Rio Maior resolvi desviar-me para Almofala e Alvorninhaxe. Da primeira não vi rasto, mas a segunda revelou se uma pequena povoação simpática, no meio da serra, com duas igrejas, a matriz, com um portal manuelino, e a da Misericórdia, consagrada ao Espírito Santo, alpendrada (galilé), ao cimo duma escadaria, tendo adjacente o que terá sido o hospital, agora ocupado por uma sociedade recreativa. O interior desta última igreja está coberto de azulejos não figurativos. Junto à outra igreja, de N. Sra. da Visitação, com um portal manuelino, existem um cruzeiro (1940) e um painel de azulejos que relembra a passagem de D. Afonso Henriques por estas regiões, bem como o amanho das terras. Testemunho das comemorações dos 400 anos da independência de Portugal e dos 300 da restauração da sua restauração.


Alvorninha foi uma vila importante, mais notável que as Caldas da Rainha, mas essa grandeza esfumou-se com o passar do tempo e das águas.


Nos arredores, numa encosta, o edifício duma quinta, que não sei se será a de S.Gonçalo. (Notas de Viagem, 1997.12.09)


Trabalhia e Senhora da Luz



De Trabalhia retenho uma capela (de S. Braz ou de N. Sra da Esperança ?) e meia dúzia de casas. Mais adiante, após a passagem por Alvorninha, a minha atenção é desperta por uma capela junto à estrada, na esquina do caminho que leva a Quintão. A capela, com uma varanda alpendrada, está ao abandono e pela janela vê-se o interior, com teias de aranha, um crucifixo e uma jarra com flores. Trata se da Capela da Senhora da Luz, com a data de 1858 inscrita. (1) (Notas de Viagem, 1997.12.09)


Vestiaria


Quase a chegar a Alcobaça, a 3 km, procuro pela igreja matriz de Vestiaria, da Senhora da Ajuda, que encontro ao cimo duma rampa, sendo destacável o seu portal manuelino. O interior é despido, tal como sucede na igreja de Cela a Nova. Adjacente, o cemitério. Na base da rampa, numa garagem, uma sede de campanha do PS, neste tempo de campanha autárquica, aberta mas sem vivalma.


A esta igreja está ligada uma lenda, mais uma, envolvendo uma imagem desaparecida. Conta se que alguns religiosos acossados pela peste procuraram abrigo no mosteiro de Alcobaça, transportando uma imagem da Senhora da Ajuda. Mas quase à chegada pararam num lugar alto, supondo que os bons ares afastariam os malefícios da peste. Esperança baldada, pelo que o último a morrer a enterrou em sítio ermo, na crença que alguém a descobrisse no futuro, o que veio a suceder, no local se erguendo a igreja de que falámos.


Prosseguindo a descida, numa curva da estrada, avista-se o mosteiro de Alcobaça, lá em baixo no vale. (Notas de Viagem, 1997.12.09)

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1 - N. Sra da Luz aparece milagreira em muitos sítios: Carnide (Lisboa), Santa Rita (Cós - Alcobaça) ... e não sei se esta também não terá qualquer lenda a seu respeito.

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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)