* Victor Nogueira
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Por outro lado, há pessoas (homens e mulheres) que apreciam as minhas fotografias ou o que eu escrevo e o modo como escrevo e não te reconheço, (...), ou a qualquer pessoa o direito de exigir‑me que destrua ou que pretenda destruir o que fotografei ou escrevi (ou me escreveram) só porque te parece que deva fazê‑lo, porque isso em teu entender seria a prova de que gosto de ti e que mais ninguém disputa o meu afecto! O que escrevo vale para além de mim, embora não esteja interessado em publicar o que escrevo; quanto muito ofereço a pessoas que sei ou presumo que apreciarão a minha "escrita", como tu aprecias o Júlio Dinis e outros apreciarão Eça de Queiroz, Saramago, Camões ou Fernando Pessoa. ([1])
Não vejo porque hei‑de destruir os meus poemas ou parte da minha colecção de fotografias. Ao contrário do que tu dizes, não reli cartas minhas anteriores, designadamente para a mãe do Pelágio que vive na e Lua e da Natasha, ([2]) por qualquer motivo "doentio", de fixação no passado ([3]) - procurei apenas extrair delas material para "escritos" meus: comentários sobre as minhas viagens e as terras por onde andei (Apontamentos de Viagem e da Vida Quotidiana), sobre pessoas que conheci (Retratos), sobre literatura, cinema e música (ESCRItiCAS), sobre a política antes e depois do 25 de Abril (Escritos da Revolução), ou recolhendo os textos dos inúmeros postais que escrevi e que voltaram á minha posse. (Os Postais e o Texto)
Há uma grande diferença entre aquilo que tenho escrito ao longo dos tempos, desde as cartas da meninice e o "diário" de adolescente (secos, lacónicos, objectivos), passando pelas "filosofias" psicologizantes dos meus tempos de "perdido" em terra estranha de Portugal como universitário, "desenraizado" ainda hoje neste "jardim á beira-mar plantado", até ás cartas que passei a escrever a partir dos 25 anos. Como há uma grande diferença entre o meu desinteresse pela poesia, até começar a escrevê‑la, primeiro apenas em momentos de crise e de angústia, até passarem a reflectir outros sentimentos, desde a "seriedade" que caracterizava os primeiros poemas até à ironia, humor ou brincadeira das que escrevi após o meu divórcio. Há pessoas que influenciaram a maneira como escrevo ou a forma utilizada. Quando leio o que escrevo, leio como se tivesse sido outrem que tivesse escrito e não eu e gosto mais ou menos do que escrevi e comovo‑me mais ou menos não porque tenham sido escritas por mim mas porque também me comovo ou sensibilizo com o que outros escreveram, por exemplo, poetas como Eugénio de Andrade, António Reis, António Gedeão, Brecht ou Shakespeare. Mas tu consideras‑te o centro único da vida e dos afectos de quem gostes, por exemplo, amante ([4]) ou filhos, e não tens sido capaz de sair para além do teu umbigo.
[1] -Aliás muitas obras de escritores são baseados em textos que terão sido escritos para outrem e que não foram destruídos, sendo obras literárias: Sonetos de Camões, Cartas de Amor do Fernando Pessoa, escritos do Álvaro de Campos e do Alberto Caeiro, Cartas Familiares do Eça de Queiroz, Cartas de Soror Mariana de Alconforado, Diário de Anne Frank ... Nada disto existiria se pessoas como tu tivessem tido o poder de destruir tais escritos, porque destinados ou não a outrem (a outro ou a outra). Não é o próprio Manuel Tiago, aliás Álvaro Cunhal, que aproveitou material de sua vivência para escrever obras como "Até amanhã, camaradas" ou "Cinco dias, cinco noites"? E que dizer de pinturas célebres ou mesmo fotografias, que seria delas se tivessem sido destruídas apenas porque alguém como tu assim o tivesse exigido?
[2] - Aliás nessa altura reli muitas outras cartas, designadamente escritas para os meus pais e para o meu irmão.
[3] - Fi‑lo apenas porque estava retido em casa, primeiro de férias e depois doente e aborrecido por estar "fechado" em casa, desocupado . Não me apeteceu ir de férias sozinho e não tinha quem fosse comigo (Tu andavas e continuavas de candeias ás avessas com os meus filhos, que não queriam passar todas as férias comigo; por outro lado não tinha dinheiro para ir senão para o Mindelo, o que não me apetecia). Assim, primeiro era minha intenção procurar apenas as referências a viagens e terras onde estivera e depois, com o correr dos dias e do aborrecimento, fui alargando as minhas recolhas para outros "livros". Não foi nada como dizes. Aliás, tu "sabes" sempre tudo - com quem estive, o que fiz, onde fui, o que conversei. É tudo efabulação tua, mas falas como se aquela fosse a verdade indiscutível. Em vez de me "chagares" e a outros, deverias aproveitar essa faculdade ou facilidade para escreveres romances e peças de teatro. Deste modo sublimarias também as tuas angústias, receios e falta de confiança em ti e nos outros. Pode ser que viesses a ter êxito e uma vida mais livre e desafogada. Falo sinceramente, sem qualquer ironia.
[4] - No sentido camoniano de "amador e coisa amada".
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ADENDA
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Toda a Série «Entre Adão e Eva» é puro romance inventado e qualquer semelhança com factos ou personagens reais é pura coincidência.
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Victor Nogueira
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A relação entre a arte e a vida é muito forte. Mesmo a obra de arte aparentemente mais abstrata e/ou formalista não existe sem todo um substracto de vivências. Se a arte não é idêntica à vida quotidiana, esta pode ser fornecedora de frutificantes elementos à primeira.
ResponderEliminarBeijinhos!