* Victor Nogueira
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Fiquei ontem muito preocupado contigo, com a tua aflição. Não podendo ir à da Rainha, fiz das tripas coração e liguei para tua casa, a casa de Setúbal onde deverias estar mas não estás. Por ti, porque estava preocupado contigo, s(...)Decididamente, deixei de gostar dos teus filhos: até prova em contrário, ambos não passam de meninos da mamã, mimados, egoístas (...)
Devo te algumas coisas: a tua ajuda, quando não é impositiva, a tua presença quando fiz o exame no Vasconcelos, a tua companhia e alguns momentos de alegria. O que te devo é pouco, face ao muito que os teusa filhos te devem, nem mais nem menos do que os meus devem à mãe e a mim. Sou lúcido, por vezes demasiado, e não sou de modo algum do estilo mãe galinha, sempre pronta a passar uma esponja sobre as suas crias e a ver com olhos negros e chamejantes as crias dos outros, como sucede contigo.
Os teus filhos não são capazes de telefonar-me, mesmo que seja por causa da mãe deles, e o teu filho mais novo, nas tuas palavras, 'tadinho, é um joguete nas mãos de outrem ... Pareceu me que estavas aflita e se eu não estivesse doente teria ido ter contigo; coitados dos teus filhos, que não são capazes de telefonar-me, eu que lhe telefone, condescendia o Jorge, dando desculpas esfarrapadas, que tu perdoas! Coitados dos teus filhos, tão bonzinhos, tão educadinhos, que não são capazes de telefonar-me para saberem de ti ou para combinarmos a assistência de que tu precisarias ou para se arranjar alternativa ajustada, como consegui telefonando aos meus pais que - estes sim - a ti nada devem mas se prontificaram a ir buscar-te, se necessário e a qualquer hora! Decididamente, não gosto da educação que deram aos vossos filhos.
Admito que o telefonema do Jorge tenha sido uma das causas da tua crise e aflição! Tu dizes que não; eu, conhecendo as tuas histórias, admito que sim. Mas neste caso a verdade não me interessa. A verdade que me interessa é que os teus filhos não me gramam e tu não gramas os meus. Embora discordando dalguns resultados da educação que deste aos vossos, a verdade que me interessa e repito é que acho muito bem que tenhas sido e continues a ser amiga deles, que os tenhas acompanhado e ajudado e que continues a fazê lo, que tenhas convivido, convivas e continues a conviver com eles. A verdade que me interessa é que não me reconheces esses mesmos direitos e deveres relativamente aos meus filhos.
A verdade que me interessa é que as nossas casas são à beira Sado. A verdade que me interessa é que os teus filhos vivem na tua casa donde saíste e os meus vivem na minha casa, donde não saí. E a verdade que me interessa é que eu não entro nem tenho cabimento na tua casa enquanto tu entras e tens tido cabimento na minha casa. A verdade é que os teus filhos mimados não são pêra doce para ti, mas não é por isso que os pões fora de tua casa, o que, repito, acho muito bem, assim como acho muito mal que queiras que eu corra com os meus da minha, para estares à vontade comigo, como já mo disseste várias vezes! O que é verdade é que comes à mesa com os meus filhos mas eu não como à mesa com os teus, que te convidam como se eu não existisse.
Não é nada disto que eu quero, repito-te novamente. Jogas um jogo comigo que não é o jogo da verdade. Não estás habilitada para a profisssão que dizes ter.
Pensei um futuro contigo mas o que pensei não tinha consistência. Tu não me dizes a verdade, os teus filhos, que nunca hostilizei, não me gramam, tu não gramas os meus filhos, que praticamente desde o início tens hostilizado sem qualquer fundamento ou razoabilidade. A minha vida é em Setúbal, onde moro e trabalho. Não é onde vives agora Ausente de Setúbal durante a semana, não é fora da minha casa que quero passar sistematicamente os meus fins de semana, pois aqui tenho assuntos a tratar, para além das minhas coisas que gosto de desfrutar.
Se não fosse outro, o curso que estás a tirar aí, tirarias aqui em Setúbal ou no Barreiro. Em qualquer destas terras tens casa tua, que compraste, e só a tua terceira não é a minha porque não gramas os meus filhos nem os aceitas, nem é razoável que, vivendo tu comigo não os aceitando, tu saias para conviver com os teus filhos porque estes não me gramam. Não ao emprego em Setúbal
Estás por aí. Eu estou para Setúbal. Temos cada um de nós à volta de 50 anos de idade. Eu não vou aí sistematicamente porque a minha vida e a minha casa são em Setúbal e porque tenho dois filhos a quem tenho de dar assistência, quer tu queiras e aceites ou não. Atitude louvável que tomaste relativamente aos teus, que assististe até uma idade mais avançada, tão avançada que até saíste da tua casa sem que eles, beneficiários, o aceitem e compreendam. Dever de assistência que não aceitas nem compreendes tu que eu tenha relativamente aos meus filhos. No teu entender, os teus filhos, 'tadinhos, não podem ir buscar-te ou levar-te à povoação onde vives preesentemente ou a qualquer sítio, hoje como ontem. Mas, no teu entender, eu posso e devo!
Não vens a Setúbal porque é longe, porque é caro, porque não gramas os meus filhos. Doentes ou não, o futuro é passarmos os dias, férias e fins de semana cada um para seu lado. Eu telefono-te, por vezes mais duma vez. Tu não me telefonas ou porque é caro ou porque estás em casa dos teus tios e não estás à vontade. Tu podes telefonar-me a qualquer hora, desde que eu não tenha o telefone desligado. Eu não posso telefonar-te: ou porque te deitas cedo, ou porque está a chover, ou porque acordei os teus tios, ou porque estou a incomodá-los.
Se te telefono, procuro não aborrecer-te. Fazes tu sempre o mesmo? Não! Por exemplo, digo te que o micro-ondas está avariado e tu metes logo veneno contra os meus filhos, como meteste com os teus postais que eles teriam rasgado mas afinal ainda estavam em Terras da Rainha! Falei na história do micro-ondas a várias pessoas, algumas das quais têm filhos, que conhecem os meus tão bem ou melhor do que tu, e o que todas as pessoas disseram foi: Vê lá, que maçada, habituamo-nos à sua comodidade e depois faz falta!
Passo o fim de semana em Setúbal, metido em casa porque estou doente. Mas se não estivesse doente, se não estivesse contigo, então só teria ordem tua para sair com a minha mãe e os meus tios, para almoçar ou jantar com eles ou para telefonar-lhes!
Telefono-te porque estou sozinho, telefono-te porque talvez estejas sozinha, telefono-te porque me apetece falar contigo, embora as chamadas possam ser dispendiosas. E tu, esquecida dos amorzinhos e dos beijinhos e doutros ... inhos, manifestas surpresa e comentas que não me telefonaste nem tens que fazê-lo porque ... já tínhamos falado e porque acordara a tua tia e porque torna e porque deixa! Tens razão, queridinha, parvo sou eu.
Se estava a chover, a tua tia só tinha que dizê-lo. Se estavas a dormir, só tinha que dizer-me e tu continuares a dormir, porque não mando quem quer que seja telefonar-me. Mas se me telefonas, não tenho que ouvir-te dizer-me que estou a brincar contigo ... porque o meu telefone estava, uma vez mais, ocupado, talvez em prelúdio de mais uma descabida cena de ciúmes. Como se a linha tivesse que estar desimpedida para ti, à espera dum eventual telefonema teu, como se ninguém cá em casa pudesse entretanto fazer ou receber chamadas. Olha, minha linda, se marquei hora contigo, procuro que o telefone esteja desimpedido. Se não, o telefone está livre, nem que seja para eu falar com outrem, já que estás longe ou indisponível, pelo adiantado da hora, porque chove ou porque estás a dormir. Para falar com quem é meu amigo, não me chateie e me faça esquecer a minha solidão.
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ADENDA
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Toda a Série «Entre Adão e Eva» é puro romance inventado e qualquer semelhança com factos ou personagens reais é pura coincidência.
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Victor Nogueira
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Muito interessantes estes textos sobre a impossibilidade de viver juntos.
ResponderEliminarFinalmente, será que a vida entre um homem e uma mulher é possivel?
Um abraço