sábado, 5 de dezembro de 2009

O dia continua triste e cinzento




* Victor Nogueira
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Levantei-me às 17 horas e o dia continuava  triste e cinzento. Cozinhei raviolli (massa com carte), que comprara já embalados, mas a nada sabiam e a carne era em doses microscópicas. O brilho do asfalto na avenida indicava que chovera, A escuridão veio de repente, quase sem crepúsculo, como nos trópicos e em Luanda. Estou cada vez mãos deprimido e não posso nem devo tomar comprimidos para dormir e  que possivelmente aumentam a depressão. Escrevo isto, mas que interessa escrever, que interesso eu aos outros? Eu escrevo todos os dias, cada dia procuro maneira de estar contigo  que me lês, mas, como já  escrevi, nada ou pouco de pessoal vem na volta do «correio», electrónico ou não!  Não  escrevo  à mão porque não tenho uma letra legível Já nada é como antigamente, quando se escrevia à mão e se punha a  carta no marco do  correio, repito, como antigamente se fazia. Escrever é uma maneira de estar com outrem, de saber de outrem e do que nos rodeia.  Encolho os ombros e olho pela janela: no vidro duplo reflectem-se estantes cheias de livros, numa casa cheia de estantes cheias de livros. Seria talvez mais  feliz se não fosse inteligente, lúcido e culto ! Para lá da vidraça o negrume da noite, que transforma a vidraça brilhante num simulacro de espelho, que não capta a minha imagem a dedilhar nas teclas do computador. Mais nenhum som para além do zumbido nos ouvidos e do barulho dum ou doutro automóvel ou bicicleta motorizada lá em baixo na avenida. Há muitos anos que deixei de ouvir musica, de ver filmes, de viajar, de conversar, de acreditar no altruísmo e na generosidade ou solidariedade  nas outras pessoas! Eu não pertenço a esta sociedade, estes não são os meus valores de vida e já estou velho demais para ser outro: egoísta, desonesto, trapaceiro, «cego» e tratando apenas da minha vidinha!
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Esta não é a minha terra e Angola também já não  é. Estou na terra de ninguém! 
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Tenho uma letra difícil de ler. às vezes nem eu sabia o  que escrevera nas reuniões e a minha secretária é que sabia decifrar :-).
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E os meus «vereadores» recusavam-se a ler informações minhas escritas à mão, que as ditasse à minha secretária  Muita gente se queixa da minha letra ser difícil de ler, apesar de bonita, dizem algumas pessoas.
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Agora por causa do acidente escrevo mais legível. Mas naquele tempo só havia máquinas de dactilografar - aliás, enquanto estudante, em economia e sociologia entregava todos os trabalhos escritos à máquina, que o meu pai me dera quando vim para a universidade no «Puto», uma Olivetti Letera 2000. Mas no Urbanismo, quando apareceram os computadores de mesa, toda a gente tinha medo daquilo. 
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Enquanto estudante o supra-sumo eram as réguas de cálculo usadas pelos engenheiros e as ruidosas máquinas de calcular Facit,  de que o meu pai, engenheiro civil,  também me presenteara, embora eu só viesse a utilizar esta última, verde da da cor da tropa, ao contrário das do Instituto, cinzentas claro. No  meu tempo de estudante os computadores eram umas máquinas enormes que conhecemos numa visita ao Instituto Nacional de Estatística, que debitavam cartões perfurados a uma velocidade então vertiginosa mas que hoje seriam a  passo de  lesma reumática e asmática, Só eu e um engenheiro civil usávamos o computador: ele para os cálculos de engenharia, eu para escrever as minhas informações de serviço. Naquele tempo não havia o Windows, era o MS DOS e uma pessoa tinha de encaixar aqueles comandos todos para o pc funcionar. Agora é tudo muito mais fácil. Aquele computador era um 286 que descobríramos abandonado e sem serventia a um canto, exemplar único que ninguém queria, e que  nos vimos à nora para arranjar programas compatíveis, numa altura em que eu já comprara um 386 e o último grito eram os 486 ! Mas na Câmara o último grito eram então e ainda as máquinas de escrever eléctricas Margarida, com uma pequena memória.
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Actualmente com o corrector ortográfico dum processador de texto é fácil corrigir e com o copy and paste  mudar facilmente o texto. Com as máquinas de escrever era mais difícil e se eu queria mudar ou corrigir uma página dum trabalho tinha de conseguir encaixar tudo na mesma folha ou redactilografar tudo. Agora difícil para mim é escrever para o jornal, pois o Carlos  dá-me tantos milhares de caracteres com espaços e  diz que o meu defeito é ter grande facilidade de escrita. Mas com mail para lá mail para cá ele conseguimos reduzir o texto respeitando o meu estilo de escrever, com o seu traquejo de jornalista profissional.
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Mudando de assunto, quando estudava inglês no Liceu a professora elogiava  as minhas traduções. Uma vez até me atrevi a traduzir um bocado dos Contos de Cantuária de Chaucer. Mas a poesia é difícil de traduzir. O Vasco da Graça Moura é muito elogiado pelas traduções que fez  dos Sonetos do Shakespeare e salvo erro de Petrarca, mas eu gosto mais duma tradução mais antiga, numa edição bilingue dos sonetos do Shakespeare, da Sá da Costa. No entanto  ele elogiou imenso a tradução do Rei Lear que o Álvaro Cunhal fez na prisão, apesar de incomunicável. Para além dessa tradução ainda fez os desenhos da prisão - dizem que teria sido um grande artista se não tivesse escolhido a política - para além de escrever um romance - Até amanhã, camarada  - e uma série de contos, entre os quais Cinco Dias, Cinco Noites. Este e o romance deram origem a filmes cujo roteiro ele acompanhou. Como contista não aprecio muito o Álvaro, preferindo os seus textos políticos e sociais.
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E como as palavras são como as cerejas, embora  por vezes o texto como agora fique mal cerzido, não gosto de ver filmes dobrados em português. Agora as telenovelas portuguesas têm muito êxito.  No tempo do fascismo, para além da censura, com proibição ou cortes nos filmes, estes eram legendados em português pois a maioria do povo era analfabeto. Mas ,mesmo hoje a maioria só consegue ler jornais desportivos daí o grande sucesso das telenovelas portuguesas, que têm enredos/argumentos e cenários incríveis. Os programas e as séries culturais passam apenas no 2º canal do Estado (RTP 2) ou nos canais por cabo (mas aí a maioria dos portugueses prefere os desportivos e os pornográficos, que são pacotes pagos à parte) Eu sou assinante da TVCabo mas não sei quantos canais apanha. Costumo ver apenas os de História e do National Geographic.
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No tempo do fascismo e nos primeiros anos a seguir ao 25 de Abril. quer na televisão do Estado quer nas salas de cinema era possível ver cinematografias diversificadas, tal como nos Cine-Clubes. Mas este praticamente desapareceram e  as poucas salas de cinema que resistiam, sobretudo em Lisboa, foram  sendo  encerradas, devido à presença avassaladora e pouco diversificada da cinematografia norte-americana, que tudo arrasa num rolo compressor. Resistem as salas de cinema adquiridas pelos municípios e a Cinemateca Nacional. O mesmo se passa com a música, onde os grupos que pretendiam «ressuscitar» ou «reinventar» a música popular portuguesa, na linha de Giacometti e Lopes Graça ou José Afonso, desapareceram praticamente a favor da música anglo-saxónica das bandas de garagem.
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Depois pelas mãos do PS/PSD abriram-se as privatizações, incluindo os canais  de televisão, que iriam subir a qualidade da programação televisiva. Uma Ova. Tirando a RTP 2 (canal residual do Estado) o que se verifica nos canais do Estado e privados de sinal aberto é um nivelamento pelo futebol, pelo jornalismo tablóide, pela imbecilização das telenovelas e do futebol, pratos forte no nível de audiências. Quanto à esmagadora maioria dos programas políticos contentam-se demo-craticamente com a prata fornecida pelo PS e PSD, com um raminho de CDS mais o Bloco de Esquerda quanto baste. Tal como no tempo do fascismo, o PCP não existe porque dele não se fala ou a ele se dá outro tempo de antena que não o eleitoral, porque as aparências assim o obrigam! Teatro, bailado, música  clássica e programas culturais que se vissem com apelo à inteligência como no tempo do fascismo ainda se viam, desapareceram. Basta lembrar êxitos que foram as «charlas» do escritor Vitorino Nemésio («Se bem me lembro»), os programas de poesia de João Vilaret, o programa de cinema mudo de António Lopes Ribeiro («Museu do Cinema») ou a pedrada do charco que foi o Zip Zip, de Fialho Gouveia ( locutor), Raúl Solnado (actor) e Carlos Cruz (apresentador de Televisão), os dois primeiros já falecidos e o último um excelente entrevistador que dava a ribalta não a  si próprio mas ao entrevistado.
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)