Olá, Amiga
É já noite e não saí nem nada fiz do que deveria ter feito, salvo ler ou
dormir. Vi há muito um filme cujo actor principal é o Anthony Hopkins
mas esqueci o nome da actriz principal e da película. Em síntese, uma
professora no Reino Unido encomendava livros a um alfarrabista nos EUA e
o tempo e as cartas foram consolidando uma amizade entre duas pessoas
que nunca se haviam encontrado na vida real. Até que um dia e muitos
anos volvidos a professora foi aos EUA para conhecer aquele que se
tornara um grande amigo, mas em vez da loja, encontrou um lugar
abandonado. Foi em busca da família dele e descobriu que ele morrera e
que ela sabia daquela amizade, Tive também aqui uma amiga no mIRC, com
quem falava e que me retorquiu que eu saberia se ela tinha morrido
porque uma amiga dela mo diria. Não era feliz com o homem com quem
vivia, mas achava que ele era um "homem bom" e não queria magoá-lo. Um
dia escreveu-me, agradecendo os meus e-mail "colectivos", a minha
gentileza, lamentando que não pudéssemos ter sido felizes. Muito
esporadicamente envia-me um mail, que me vai seguindo e sabendo de mim
pelos meus blogs.
Sempre pensei ter uma grande família de que eu fosse uma espécie de
patriarca, mas tal não sucedeu. Nenhum dos irmãos do meu pai se casou, o
meu irmão morreu solteiro e sem filhos, a família da Celeste com ela
abalou. Restam-me os meus filhos, muito ternurinhas e queridos mas de
quem tenho muitas mágoas, os meus pais (com 90 anos), a minha tia Maria
Luísa (com 85)e as irmãs dela no Porto: a Teresa e a Isabel. Sempre tive
uma relação conflituosa com o meu pai mas ele agora é muito afectivo
comigo e saímos por vezes com grande alegria dele. Gosto de estar com
ele. Conflituosa tornou-se a minha relação com a minha mãe, que vive em
minha casa há mais de nove anos, sem querer sair de casa, sempre a
dar-me ordens, sempre a dizer o que e como devo agir, cada vez mais
fechada nela, os gestos de ternura para comigo cada vez mais retraídos
porque reajo com violência às tentativas de me colocar debaixo da asa
dela. Diz-me "deixa-me ser como eu sou"! e respondo-lhe que para ela ser
como é teria eu de deixar de ser como sou, de anular-me, de deixar que
me castrasse como castrou o meu pai e meu irmão. O meu pai saíu de
casa, o meu irmão suicidou-se.]
Por esse Portugal fora encontro pessoas que se me dirigem com simpatia,
que me conhecem dos plenários sindicais e dizem fazer questão de me
cumprimentarem. Na Câmara a maioria que me conhece fala-me com afecto.
Mas como dizes, cada vez me sinto mais sozinho, cada vez me isolo mais.
Tenho horror ao vazio, ao nada fazer. Não sou contemplativo nem
conformista e faço muitos trabalhos simultaneamente; quando sou
retribuído no amor não me fecho aos outros e não entendo o amor como um
enconchamento, um exclusivismo em contemplação da Outra. No meu coração
cabem todas as amizades, o passado e o futuro: um pouco de mim fica nas
pedras das calçadas que pisei, com as pessoas que conheci. Gostaria que
tudo fosse um enorme presente, aqui ao alcance da voz e da mão. Nada nem
ninguém esqueço, nem mágoas nem alegrias, e por vezes desejaria que
assim não fosse, porque se torna cansativo não ser leve nem saltitante
como as borboletas, pois com o passar dos anos o peso torna-se por
vezes cansativo - o peso das alegrias e felicidades que perdi, o
peso/novelo daquelas que não alcancei, como sol arrancado antes de
nascer ou bosque colhido antes de florir.
Beijo-te, Amiga, com amizade
Victor Manuel
Gosto muito da pessoa que está por detrás do que escreves
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Águas passadas não movem moinhos? Bem ... enquanto passaram podem ou não tê-los movido e assim ajudado ou não a produzir a farinha para o pão que alimenta o corpo sem o qual o espírito não existe. (Victor Nogueira)